A Queda do Céu

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Sinopse

A Queda do Céu segue o líder e xamã Yanomami Davi Kopenawa enquanto ele luta para devolver o equilíbrio ao mundo em rituais observados de perto e comentários incisivos sobre a lógica implacável de uma cultura externa materialista. A exploração madeireira ilegal, a mineração de ouro e a mistura mortal de epidemias que essas intrusões espalham ameaçam a existência dos Yanomami. Premiado no Festival do Rio 2024.

Crítica

O cinema brasileiro vive um momento expressivo de valorização e registro aos povos originários. Nunca se discutiu tanto a urgência da preservação ambiental e a centralidade dessas comunidades na resistência contra diferentes formas de destruição. Filmes de forte caráter denunciativo, como Martírio (2016) e A Flor do Buriti (2023), tornaram-se referências recentes, assim como figuras emblemáticas desse movimento, a exemplo de Cacique Raoni e Ailton Krenak – este último, presença recorrente em produções do gênero. Por coincidência do calendário, A Queda do Céu, de Gabriela Carneiro da Cunha e Eryk Rocha, chega aos cinemas na mesma temporada de Kopenawa: Sonhar a Terra-Floresta, de Tainá de Luccas e Marco Altberg, ambos centrados na figura de Davi Kopenawa. As propostas são distintas, mas o diálogo entre elas é inevitável.

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Aqui, Gabriela – em sua estreia no comando de longas – e Rocha, já consagrado por Cinema Novo (2016), optam por um caminho de observação rigorosa. Quase não há perguntas, interferências ou gestos que denunciem a presença da equipe, com formato de registro ritualístico, como se a câmera simplesmente acompanhasse, em silêncio, o cotidiano Yanomami. O foco recai tanto sobre os movimentos da comunidade quanto sobre a fala do xamã, líder político e voz histórica de resistência. E diferente da estrutura adotada por Tainá e Altberg, Kopenawa aqui se mostra mais contido, revelando apenas fragmentos de pensamentos e memórias, como se guardasse algo para o tempo certo.

Os longos planos e as composições que estimulam o olhar sensível convidam o espectador à contemplação. É um cinema que se constrói na calma, na escuta e no respeito, evitando qualquer viés que possa contaminar o registro. A pureza dessa abordagem confere caráter orgânico ao longa, reforçando a ideia de que certas vivências não se captam à força. No entanto, essa postura também abre espaço para um questionamento legítimo: em que medida um método tão recluso consegue estabelecer diálogo com quem está fora desse universo? Até que ponto a beleza das imagens se converte, de fato, em aproximação?

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Talvez a intenção dos realizadores nem seja essa – e exigir que o filme funcione como cartilha pedagógica seria reduzir sua proposta. Ainda assim, é inegável que Kopenawa: Sonhar a Terra-Floresta, ao provocar, perguntar e articular vozes diversas, oferece pontes claras entre mundos que raramente se encontram. Em comparação, A Queda do Céu se fecha mais, preferindo a imersão silenciosa ao debate aberto. Não se trata de escolher um método como superior, mas de reconhecer que, em temas ainda tão sensíveis e urgentes, aproximar pode ser tão necessário quanto observar. No fim, resta ao espectador decidir o que esse silêncio lhe entrega – e o que ele ainda impede de ver.

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Fanático por cinema e futebol, é formado em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Feevale. Atua como editor e crítico do Papo de Cinema. Já colaborou com rádios, TVs e revistas como colunista/comentarista de assuntos relacionados à sétima arte e integrou diversos júris em festivais de cinema. Também é membro da ACCIRS: Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul e idealizador do Podcast Papo de Cinema. CONTATO: [email protected]

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