Crítica


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Sinopse

Duas crianças indígenas Krahô encontram um boi perto de sua aldeia em 1940. O animal era um prenúncio do massacre perpetrado por fazendeiros da região. Em 1969, os filhos dos sobreviventes são obrigados a integrar uma brigada a serviço da ditadura. E na atualidade os Krahô continuam resistindo em solo sagrado.

Crítica

Até hoje não entendo o motivo de ficarem me tocando.
Talvez fosse para verificar se eu era mesmo de carne e osso”. 

Ditas por um indígena do povo Krahô que recebia regularmente a visita de crianças brancas em sua aldeia no passado, as palavras acima exemplificam bem a proposta de A Flor do Buriti. Afinado com seus pares de época, como Piripkura (2017) e A Última Floresta (2021), o longa de Renée Nader Messora e João Salaviza, responsáveis por Chuva e Cantoria na Aldeia dos Mortos (2018), confirma a tendência de transferir a narrativa audiovisual das mãos do homem branco - ou cupês (como chamados pelos Krahôs) - para os povos originários. 

Em jornada contemplativa, na maioria das vezes, temos aqui a oportunidade de observar o mundo pela ótica indígena. Passado, presente e futuro se misturam para relatar e exemplificar adversidades que a nação Krahô, localizada no estado do Tocantins, sofre ao longo de décadas. Fazendeiros, com diferentes interesses, os tratam com hostilidade, sentimento que antevê a violência sempre oscilante na ambientação do som oferecido por Diogo Goltara. 

É instigante refletir sobre essa passagem de bastão dos pontos de vista. Sutilmente, o espectador perceberá que o inimigo não possui rosto, pois sua índole não é merecedora de entendimento. Em alguns dos conflitos apresentados pode surgir, inclusive, uma sensação de ausência da geografia das situações, já que, comumente, para que haja enfrentamento, é preciso antagonismo. Mas esse embate é substituído por planos únicos das vítimas, reforçando o vigor resistente que se apossa da tela. 

Outro ponto de investimento nesse conceito se encontra na inspeção cada vez mais responsável das tradições dos verdadeiros donos da terra por parte do cinema nacional. O didatismo pueril do ensino básico nacional - dono de frases folclóricas como “com a tinta desta planta os índios ficavam mais bonitos para suas festas” - se desvanece após a apuração real das grandiosidades. Em dado momento, uma das mulheres da aldeia tenta explicar que “não se trata de luta por terra”. Isso porque seus irmãos “não enxergam a terra como os cupês”. “É mais do que território... é corpo e vida”. 

Ao final, a progressividade equilibrada dá conta de encaixar as peças que foram dispostas pelo caminho, construindo pontes entre dito e o silencioso. Mais do que símbolo de seu tempo, o projeto de Messora e Salaviza é homenagem aos que não puderam publicar suas vivências, mas que, em tempo, ocupam espaços que contrastam com o início de tudo. E para além de reavivar o esquecido, vislumbra o futuro. Futuro este que pode estar nas mãos de Crowrã ou… na flor do buriti. 

Filme visto durante a 10ª Mostra de Cinema de Gostoso (2023).

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Fanático por cinema e futebol, é formado em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Feevale. Atua como editor e crítico do Papo de Cinema. Já colaborou com rádios e revistas como colunista de assuntos relacionados à sétima arte e integrou diversos júris em festivais de cinema. Também é membro da ACCIRS: Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul e idealizador do Podcast Papo de Cinema. CONTATO: [email protected]

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