Crítica


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Sinopse

Resgatada das garras da morte na infância, Anna foi treinada por um sujeito enigmático para ser a assassina mais letal do mundo. Quando seu mentor é brutalmente aniquilado, ela promete ir em busca de uma sangrenta vingança.

Crítica

O sucesso dos filmes da saga John Wick parece que reavivou o interesse de parte significativa dos espectadores (e do mercado) por um tipo específico de personagem: o assassino infalível. Associadas a isso, as reivindicações por maior representatividade feminina em papeis protagonistas têm gerado produções como Atômica (2017), na qual Charlize Theron vive uma agente cujas habilidades extraordinárias deixariam invejosos vários dos marmanjos que a antecederam. Em A Profissional, o caminho é mais ou menos o mesmo. Anna (Maggie Q) é esse tipo de executora fria e calculista, capaz de movimentos meticulosos para acabar com alvos condenados. E, como convém a esse tipo de filme, ela possui um mentor, um sujeito que também funciona como substituto paterno. E este é o durão Moody (Samuel L. Jackson). Aliás, a introdução que explica como eles se conhecerem funciona igualmente para termos consciência de estar diante de gente forjada pelo sofrimento. Se trata de outra convenção cinematográfica muito utilizada, esta a da pessoa que se torna letal e praticamente privada de sentimentos em virtude de um sofrimento extremo na infância. Para termos uma base de comparação, Anna é equivalente à personagem de Lucy Liu em Kill Bill: Vol. 1 (2003), ou seja, a criança que testemunhou a morte dos pais, depois disso transformada pelo trauma numa máquina impiedosa e calibrada de matar. Porém, Quentin Tarantino estiliza esse clichê dentro de uma homenagem ao cinema.

Já este longa-metragem é dirigido por Martin Campbell, cineasta de carreira irregular. Ele comandou 007: Cassino Royale (2006), mas também Lanterna Verde (2011). Diferentemente do colega Tarantino, Campbell não demonstra qualquer autoconsciência de conceber algo partindo de uma longa tradição de brutamontes. Tampouco ele se aproxima, em termos de intenção, dos responsáveis pela saga John Wick quanto à transformação da ação acrobática e da letalidade inquestionável da protagonista nas principais atrações. A Profissional é um exemplar que se leva a sério demais, conforme o jargão muitas vezes utilizado como muleta pela crítica de cinema. Mas, aqui esse subterfúgio argumentativo cabe bem, afinal de contas Anna não é compreendida fundamentalmente como fruto da herança (como John Wick) e nem é exagerada a fim de gerar praticamente uma caricatura (como em Kill Bill). Campbell quer nos fazer acreditar na profundidade dramática dessa personagem entendida dentro de uma lógica confusa de gangsterismo. Lá pelas tantas, fica bem difícil saber exatamente em quem confiar, quem está por trás das maquinações e qual necessariamente é o alvo prioritário. Claro que essa desordem poderia ser aproveitada para aumentar a tensão, mas não é nada disso o que acontece. Campbell nem elege a ação como atração principal e sequer cria um drama forte e instigante.

As primeiras cenas de A Profissional funcionam como um cartão de visitas. Anna entra na casa de um mafioso romeno e o mata sem tanta dificuldade, saindo logo depois pela porta da frente. Quando muito, ela precisa eliminar um par de capangas pelo caminho. A partir disso está posto: é uma assassina de habilidades extraordinárias. Mas, há uma diferença gritante entre sugerir isso e construir realmente a noção sem tantos monólogos e afins. Vamos voltar à comparação com a saga John Wick. Nesta, os diretores/roteiristas/equipe em geral fazem de tudo para a dificuldade ser compreendida, para os feitos do protagonista serem verdadeiramente entendidos como proezas quase sobre-humanas dentro de um itinerário estético-narrativo coerente. Já neste filme, Martin Campbell apresenta uma direção displicente, chegando ao cúmulo de pegar atalhos e facilidades que serão engolidas, provavelmente, apenas por quem resolver acionar a suspensão da descrença para além do aceitável. Por exemplo, numa cena passada no Vietnã, Anna ouve de alguém que seu alvo é um sujeito blindado e que NUNCA está sozinho. Na cena imediatamente posterior, o tal “marcado para morrer” é visto andando de carro pela cidade na companhia de UM motorista facilmente rendido pela abordagem de motoqueiros. Portanto, o diálogo é contradito pela ação, por aquilo que vemos acontecer. E isso acontece muito ao longo dos quase 100 minutos de um enredo que prima pela acumulação sem densidade.

Se A Profissional tem uma história mal costurada, com acontecimentos que não inspiram apreensão e/ou curiosidade, e uma ação coreografada genericamente, o que de fato sobra? O desempenho de um elenco talentoso? Infelizmente nem isso. Maggie Q permanece sempre com aquela cara de poucos amigos, tendo algumas boas cenas de luta física, porém nada mais do que isso. Samuel L. Jackson navega no piloto automático, mas ainda assim sobressai ao retornar a um tipo constante em sua carreira: o motherfocker com pinta de sujeito descolado. Já Michael Keaton bem que tenta resgatar seu personagem do poço raso ao qual é condenado. Rembrandt é o nêmeses da protagonista, um matador diferente por conta da sofisticação e do sarcasmo. No entanto, qualquer intenção de fugir ao estrito lugar-comum vai para o brejo quando Campbell resolve adicionar uma desajeitada tensão erótica entre os inimigos. Assim como falta uma faísca para incendiar o filme nos instantes de ação, é perceptível a ausência de sensualidade nos momentos em que Anna e Rembrandt flertam enquanto decidem se matam um ao outro ou se transam. A pobreza dos diálogos também não ajuda nesse sentido. Em dado instante, a matadora fala para seu possível algoz: “você mira uma arma na minha buceta e agora vem querendo me comer?”. E quando finalmente rola o sexo, a situação parece bem mais protocolar do que um acréscimo explosivo nesse molho insosso que azeda algumas boas circunstâncias.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
3
Ailton Monteiro
4
MÉDIA
3.5

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