Crítica

Um caminhão chega ao posto e Léon se apresenta para o serviço. Enquanto limpa o vidro dianteiro, esforça-se para retirar o desgastado adesivo “Argentina”. Se a memória se diluísse em água e sabão, a vida seguiria bem.

Último longa de Paulo Nascimento, o mesmo de Em teu nome (2009), A Oeste do Fim do Mundo molda seus personagens na gênese dos heróis do sul. Como em um Martín Fierro reatualizado, a independência e a solidão são os truques para combater o passado.

O filme entrega-se aos poucos. O uruguaio César Troncoso (O Banheiro do Papa, 2007) interpreta com magnanimidade Léon, taciturno dono de posto de gasolina. Na imensidão da Cordilheira dos Andes, além do vazio, a única visita constante é a do motoqueiro Silas (Nelson Diniz). A quebra na sequência dos vazios, mais impactantes pelo trabalho cuidadoso da fotografia de Alexandre Berra, se dá com a chegada de Ana. Fernanda Moro interpreta esta garota da qual sabemos pouco. A perda do filho e o abuso sexual na vinícola em que trabalhava a colocaram na estrada em direção a Santiago. Muitas vezes, o importante não é o destino, mas ir.

Coprodução Brasil e Argentina, no filme destacam-se a captação e a mixagem de som, trabalho árduo quando falamos de filmagens externas, e, principalmente, a impressionante composição do diretor de arte Voltaire Danckwardt. Deixa a desejar, porém, a desenvoltura no espaço cênico. É visível que Nascimento compromete o preenchimento dos seus planos. Por mais de uma vez, os atores cortam a profundidade da cena ou a atravessam em caminhada que, ao final, dão em pouco ou nada. Em outros momentos, os planos escolhidos não têm bom resultado, como quando a câmera, posicionada entre a garota e o motorista, dentro do caminhão, destoa, inclusive, da proposta estética.

A chegada de Ana alavanca o cotidiano de León. As refeições, momento escolhido para retratar a solidão do protagonista, são remodeladas. É preciso um bom motivo para preparar mais comida – e prepará-la melhor. Resistente aos primeiros contatos, a convivência faz brotar a esperança de um futuro diferente – de um futuro. Frente a frente, Troncoso e Moro buscam o encaixe. Ele é vigoroso, visualmente duro; o texto lhe sai como sairiam as pedras à Maria Madalena. Ela é força contida, delicadeza discreta. Mesmo com a melhor atuação de sua carreira, Fernanda ainda é coadjuvante da atriz que pode vir a ser.

Recado de como a vida emudece, e de como é fácil emudecer perante a vida, A Oeste do Fim do Mundo retém, em meio ao nada, as dores do mundo, reflexo de como o passado facilmente nos consome.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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