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Sinopse

Um brilhante e excêntrico cientista pesquisa no campo do teletransporte. Durante um de seus experimentos, acaba fundindo o seu DNA com o de uma mosca, iniciando uma perigosa mutação genética.

Crítica

"Tenha medo. Tenha muito medo". Existem algumas frases de filmes que se tornam tão icônicas que até se desprendem de sua origem, sendo usadas nos mais variados meios. Alguns nem lembram que esta sentença, proferida por Geena Davis em A Mosca, veio desta produção. No entanto, é um ótimo exemplo de uma frase forte e de um momento arrebatador desta ficção científica que marcou época e colocou definitivamente o nome de David Cronenberg no panteão dos grandes cineastas do gênero.

Refilmagem de A Mosca da Cabeça Branca (1958), A Mosca tem roteiro do próprio Cronenberg, que reescreveu o trabalho de Charles Edward Pogue. Na trama, o cientista Seth Brundle (Jeff Goldblum) inventa uma máquina capaz de teletransportar objetos inanimados. O sucesso desta empreitada, no entanto, não é o suficiente para ele. Brundle deseja poder ir e vir sem precisar entrar num carro ou num avião. E sua máquina lhe dará este poder, assim que conseguir encontrar um meio de transportar algum ser vivo. Sua namorada, a jornalista Veronica Quaife (Davis), acredita que a descoberta é fenomenal, e pretende escrever um livro a respeito – mesmo que seu ex-namorado e editor, o obsessivo Stathis (John Getz) pense o contrário. Os testes com babuínos têm fracassado, mas Seth acaba encontrando uma maneira de fazer a máquina funcionar. Fascinado pelo invento e bastante imprudente, Seth utiliza o aparelho em si mesmo. O processo é novamente bem-sucedido, não fosse um pequeno porém: uma mosca estava na cápsula de transporte e se fundiu ao corpo do cientista. A partir dali, Brundle observará seu corpo se metamorfosear em um horrível inseto, enquanto paulatinamente perde sua humanidade.

Histórias de experimentos que saem pela culatra e prejudicam enormemente seus inventores existem aos montes. Frankenstein e O Médico e o Monstro são alguns bons exemplos. O que difere A Mosca de outros filmes e tramas do gênero é seu diretor, David Cronenberg. Ele não tira o pé quando o assunto é chocar o público. Nada parece ser nojento demais para o cineasta canadense ou um tabu que não possa ser mexido. Em seu roteiro, ele simplesmente transforma seu mocinho, um galã Jeff Goldblum, com direito a cabelos fartos e músculos proeminentes, em um monstro repulsivo, que vomita uma baba asquerosa – para se alimentar e para enfrentar seus inimigos. Em contrapartida, praticamente transforma o vilão, o ciumento Stathis, em um protótipo de herói, tentando salvar a mocinha das garras daquela criatura horrenda. Como estamos falando de Cronenberg, ninguém sai bem desta história. Nem a donzela em perigo, vivida por Geena Davis, que se vê carregando a semente daquele mal.

Vencedor do Oscar de Melhor Maquiagem, A Mosca realmente impressiona com a transformação de Jeff Goldblum no decorrer da trama. Mas não é apenas por estar sob uma pesada máscara de látex que o personagem muda. Goldblum nos apresenta a derrocada de Seth Brundle, um sujeito desajeitado e solitário que inventa algo revolucionário e simplesmente perde sua humanidade. A mudança é paulatina e percebemos a confiança adquirida pelo personagem, suas manias crescentes e, finalmente, sua vilania. Ele é um refém de sua condição, ainda que auto-imposta. Na época, Goldblum namorava Geena Davis e foi ele quem a sugeriu para o papel. Ambos não foram escolhas fáceis para o estúdio, por não serem estrelas conhecidas. Quem diria. O ator viria a ser um dos mais bem-sucedidos dos anos 90, encabeçando os megassucessos Jurassic Park (1993) e Independence Day (1996). Ela estrelaria o divertidíssimo primeiro sucesso de Tim Burton, Os Fantasmas se Divertem (1988), venceria o Oscar por Turista Acidental (1988) e protagonizaria ao lado de Susan Sarandon o cult Thelma e Louise (1991). Cronenberg mostrou que, além de tudo, tem faro.

A trama é assustadora na medida e as cenas de violência explícitas podem chocar até hoje os espectadores mais sugestionáveis. E se é verdade que os efeitos envelheceram, como muitas produções da década de 1980, ao menos não perderam completamente a validade. David Cronenberg constrói uma jornada terrível e nunca desinteressante, jogando seu público em um ambiente tenebroso, sem se preocupar em deixar um desfecho alentador. Seu herói abraçou as trevas e o seu filme não poderia ser diferente. É uma pena que Geena Davis ganhe pouco a fazer, mostrando-se apenas como a mocinha em perigo. A construção do seu personagem e a ligação dela com Brundle são os pontos fracos do filme, surgindo mais como necessidade de roteiro do que algo orgânico dentro da história. Um pequeno porém em uma obra icônica da década de 1980 – bem diferente de sua continuação, realizada três anos depois, que é completamente esquecível e não conta com a dupla principal ou com o diretor do original.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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