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Sinopse

Um pequeno, porém bravo, burrinho, chamado Bo, anseia por uma vida melhor. Certo dia, ele encontra a coragem de se libertar, e junto de seus novos amigos começa uma jornada. Agora eles seguem uma estrela e acabam se tornando heróis acidentais na maior história já contada, o primeiro Natal.

Crítica

O cinema religioso não chega a ser nenhuma novidade. Afinal, filmes como A Bíblia (1966) ou Os Dez Mandamentos (1956) foram indicados e/ou premiados no Oscar, dirigidos por mestres como John Huston e Cecil B. DeMille e se tornaram referências no subgênero. No entanto, de um tempo para cá, o que se tem percebido nesta temática é mais a vontade de catequisar – vide exemplos como Deus não está Morto (2014) e Em Defesa de Cristo (2017) – do que meramente contar boas histórias. Não é, felizmente, o que acontece com a animação A Estrela de Belém, que é feliz em narrar os mesmos preceitos já encontrados nas tradições cristãs, ao mesmo tempo em que consegue oferecer uma trama leve e divertida, ocupando-se mais na construção de simpáticos personagens do que em transmitir uma mensagem forçada que, por outro lado, acaba sendo muito mais eficiente sem qualquer tipo de exageros.

A história, afinal, é a do primeiro Natal – ou seja, do nascimento de Jesus Cristo. Porém, ao invés de uma visão austera, trágica ou solene, como geralmente acontece nestes casos, o tom é mais ingênuo, quase pueril. E, por que não dizer, muito mais divertido. Ainda que momentos emblemáticos, como a visita do anjo à Maria para anunciar que ela fora escolhida para ser a mãe do Enviado, ou quando Herodes manda matar todos os recém-nascidos, com medo do surgimento de um novo “rei”, estejam presentes de modo bastante fiel ao texto original, na maior parte do tempo o ponto de vista é o de um inusitado protagonista: Bo, o burro. A escolha do animal, geralmente apontado como bobo, para liderar a trama, provoca uma interessante mudança na dinâmica no enredo. Ele não só é bastante atento ao que está se desenvolvendo ao seu redor, como também terá uma participação ativa em todos estes acontecimentos.

Com isso, Bo não só acaba representando uma figura histórica, como serve também de identificação para que o público-alvo – crianças de até 10 anos, imagina-se – sinta-se à vontade diante da narrativa, como se fizesse também parte dela. Ele escapa do monótono serviço de moleiro que desempenha em um moinho e, com a ajuda do melhor amigo – o pombo Davi – sai em busca de seu lugar no mundo. Os dois sonham em fazer parte da caravana real – buscam uma função nobre e cobiçada – porém confusões diversas termina por colocá-los no pátio de dois jovens recém-casados: Maria e José. Ela o recebe com carinho, ele com desconfiança. Machucado de uma pata, Bo só pensa em se curar e continuar sua jornada. Mas não desconfia, no entanto, que há uma missão muito mais importante no seu caminho.

Essa postura, assumida pelo roteiro de Carlos Kotkin (Rio 2, 2014) e defendida pelo diretor Timothy Reckart (indicado ao Oscar pelo curta Head over Heels, 2012, e parte da equipe de animadores do incrível Anomalisa, 2015) elevam A Estrela de Belém do lugar-comum que um longa com esta temática poderia facilmente se acomodar. Bo e Davi, na maior parte do tempo, não sabem que estão envolvidos com algo tão importante como o que está prestes a acontecer. Eles querem apenas ajudar – primeiro Maria, depois o próprio casal. Figuras carismáticas, como a ovelha Ruth (impagável) ou o trio de camelos Felix, Cyrus e Deborah oferecem ainda um humor ligeiro, repleto de piadas e com excelente senso de oportunidade. Há também perigos, claro, como os cães raivosos e o capanga mascarado, e se estes não são tolos a ponto de não causarem medo, também representam uma ameaça controlada, sempre próxima, mas não o suficiente para assustar a audiência.

O argumento de A Estrela de Belém lembra bastante o de um outro clássico do cinema religioso, porém muito mais marcado na comédia: A Vida de Brian (1979), do grupo Monty Python, que acompanhava a trajetória de Jesus a partir dos acontecimentos ligados ao menino que teria nascido na manjedoura vizinha à do filho de Deus. Ou seja, desenvolve-se uma trama universalmente conhecida, porém sob um outro ponto de vista, sendo este próximo o suficiente para provocar tanto reconhecimento como curiosidade. O elenco de dubladores originais, que conta com nomes como Oprah Winfrey, Christopher Plummer e Mariah Carey, oferece uma boa noção do peso da produção. E assim tem-se um feliz conto de fadas, que pode tanto ser visto como introdução a um mundo de fé e compreensão, como também uma simpática alegoria, não desprovida de segundas intenções, mas com estas expostas de modo discreto, sem maniqueísmos e desrespeitos à inteligência alheia.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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