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Sinopse

Abalado por sua baixa popularidade, o Diabo resolve vir à Terra fundar sua própria igreja. Os pecados são virtudes e devem ser estimulados. Utilizando a televisão, o Coisa Ruim potencializa seu poder de sedução para difundir a nova religião. Raquel, uma jovem jornalista ambiciosa, é uma das primeiras a cair sob seu domínio.

Crítica

A grande questão por trás de A Comédia Divina é o que teria acontecido com Toni Venturi, cineasta responsável por títulos provocadores como O Velho: A História de Luiz Carlos Prestes (1997), premiado pela Associação Paulista de Críticos de Arte, Latitude Zero (2001), reconhecido nos festivais de Miami e Cuiabá, Cabra-Cega (2004), consagrado no Festival de Brasília, e Estamos Juntos (2001), apontado como o melhor do CinePE, em Recife, para aceitar se envolver em um projeto como esse? Afinal, é no mínimo inusitado presenciar tal realizador, dono de uma cinematografia relevante e inquieta, assinando uma comédia tão descartável e ingênua. Filme, aliás, que se não chega a ser o desastre anunciado, também está longe de ser minimamente memorável.

É bem provável, no entanto, que A Comédia Divina venha a ser lembrada no futuro como a primeira oportunidade da atriz e apresentadora Monica Iozzi como protagonista no cinema. De repórter do programa CQC, da Band, a comentarista do Big Brother Brasil, na rede Globo, ela também marcou presença discreta em títulos como Superpai (2015). Agora, no entanto, está pela primeira vez à frente de um elenco, e ainda que essa posição pareça ser promissora, infelizmente a trama joga contra sua presença. Se no início sua personagem, a repórter Raquel, está no centro da ação, aos poucos ela vai sendo deixada de lado, até o ponto em que nem mesmo o espectador mais atento irá se questionar a respeito do destino que lhe foi dado. E nada pior do que ser descartada do próprio filme.

Se Iozzi basicamente interpreta a si mesma, como uma novata que se vê alçada a uma posição de destaque em uma emissora de televisão pelas vias mais questionáveis possíveis – ela dorme com o apresentador (como ela aceitou esse tipo de solução do roteiro?) – quem acaba se destacando é mesmo Murilo Rosa, talvez um dos atores mais comprometidos do cinema brasileiro, porém, como já se tornou uma sina em sua filmografia, mais uma vez envolvido em algo aquém do seu potencial (assim como vimos se suceder em Vazio Coração, 2013, Área Q, 2011, ou Orquestra dos Meninos, 2008, entre outros). Ele não apenas percebe o espaço que se abre diante de si, como o aproveita com gosto. É nele em que os olhos dos espectadores recaem, e cada aparição sua os ânimos do filme simplesmente se elevam. Porém, por mais dedicado que seja, Rosa não é capaz de salvar sozinho do naufrágio uma produção tão sem rumo quanto esta.

A premissa, no entanto, é curiosa: o Diabo (Rosa) percebe que seus níveis de adoração na Terra estão caindo vertiginosamente, e por isso decide ele próprio descer ao plano terreno para fazer as coisas ao seu modo, e não mais através de emissários. A falta de foco na narrativa o coloca primeiro como líder de uma igreja (uma sacada interessante, porém desperdiçada), e logo em seguida no comando de um programa de tevê, o que deveria, portanto, aumentar o alcance dos seus esforços. Venturi, no entanto, não parece interessado em investigar os pormenores dos planos do antagonista. E se Raquel começa como uma forte opositora, logo se torna sua principal aliada, para, enfim, ser deixada de lado. Com isso, coadjuvantes acabam fazendo a festa com o pouco que lhe oferecem. E se é sempre um prazer presenciar Zezé Motta em uma posição de destaque – ela é, ninguém menos, do que Deus em pessoa – por outro lado, é preciso concordar que qualquer filme que conte com Dalton Vigh como o melhor em cena é, no mínimo, problemático.

Diante de uma ambientação que lhe é estranha, Toni Venturi entrega uma obra anacrônica, que não se encaixa nem dentro da proposta do gênero a qual tenta se afiliar, e muito menos no conjunto de trabalho do seu realizador. Há verdadeiras e pertinentes intenções aqui presentes, porém essas acabam dispersas de tal maneira que se torna um esforço inglório tentar qualquer maior reflexão a partir delas. Temas como fanatismo religioso, controle e manipulação da imprensa e desafios profissionais acabam sendo abordados de forma ingênua, e nem mesmo o mais inocente presente na plateia irá comprar o que aqui é oferecido sem desconfiança. Assim, tem-se um filme repleto de boas intenções. E, como diz o velho ditado, dessas o inferno está cheio. E se alguém tinha alguma dúvida, aqui temos mais uma prova do quanto isso é verdade.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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CríticoNota
Robledo Milani
4
Filipe Pereira
1
MÉDIA
2.5

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