Crítica
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Sinopse
Fei Fei, uma apaixonada pela ciência, constrói uma nave especial. Ela parte à lua a fim de comprovar a existência de uma deusa lendária.
Crítica
Anos atrás, um filme animado com uma menina como protagonista só poderia existir se fosse de uma princesa da Disney. No mais, qualquer outra possibilidade parecia restrita ao universo masculino. Felizmente, esse cenário se alterou drasticamente nos últimos tempos, e cada vez mais personagens femininas tem se destacado em narrativas que alternam da aventura ao drama familiar, sem tropeços entre um extremo e outro. Mais ou menos como acontece com o belo e comovente A Caminho da Lua, a maior aposta dessa temporada da plataforma de streaming Netflix para a próxima leva de premiações – mais ou menos como foi Klaus (2019) no ano passado, que acabou, inclusive, sendo indicado ao Oscar. O longa de Glen Keane e John Kahrs – ambos vencedores da cobiçada estatueta dourada por curtas animados, o primeiro por Dear Basketball (2017), feito em parceria com o já falecido jogador Kobe Bryant, e o segundo por Paperman (2012) – no entanto, encanta justamente por combinar elementos de outrora com outros bastante em voga atualmente, em uma mistura que, se não isenta de ruídos, ao menos é bastante honesta em seus objetivos.
Isso porque Fei Fei, a protagonista, tem um sonho e fará de tudo para alcançá-lo: ir até a Lua, onde acredita ser possível se reencontrar com a mãe, falecida quando ainda era apenas uma criança. Essa intenção, longe de ser uma ilusão infantil, irá se concretizar através de elementos próximos de qualquer menina: uma pesquisa no Google, algumas dúvidas solucionadas com os mais velhos, uma ajuda importante do melhor amigo, mais um pouco de criatividade e, pronto: uma nave espacial se concretiza. Se na maioria dos casos isso resultaria em uma invenção de fundo do quintal que, no máximo, geraria muito barulho e algum pouco de confusão, em A Caminho da Lua é justamente nesse ponto em que a fantasia decide intervir e tomar conta de uma narrativa que, ao menos até aquele momento, parecia ter os pés bem calcados na realidade. Para tanto, é preciso dar uma respirada e voltar um pouco.
Sim, pois o fato de Fei Fei ser órfã de mãe não é algo dado como certo desde o princípio. Pelo contrário, quando a trama tem início, o espectador é convidado a se deparar com uma família feliz, formada por pai, mãe e filha. A retirada de um dos três de cena é feita com cuidado e delicadeza, mas não deixa de provocar sentimentos de espanto, mais ou menos como aqueles percebidos pelos há muito familiarizados com a tragédia do veadinho Bambi (1942), por exemplo. Pois é exatamente isso que A Caminho da Lua irá perseguir desde o começo: reciclar velhos conceitos através de uma releitura dinâmica e atraente. Nada é precisamente original por aqui, isso é fato. Mas a forma como tais elementos são não apenas resgatados, mas revisitados sob novos pontos de vista, os dotam de uma energia singular, como se ao assumirem uma roupagem até então inédita conseguissem retomar suas funções e propósitos.
Fei Fei, como se pode imaginar, não estará sozinha: quem a acompanha nessa jornada é Chin, seu irmão caçula recém chegado – afinal, é filho da nova namorada do pai. Os dois, ao se verem na almejada Lua, irão se deparar com seres mágicos, leões dourados e uma diva pop de língua afiada, simpática quando lhe é necessário, mas também exigente quando contrariada. A percepção, aqui, é absolutamente certa: o que se vê é uma nova leitura para o clássico Alice no País das Maravilhas (1951). Tanto é que até os coelhos são vistos sob uma ou outra perspectiva: aquele que é companheiro e esperto é igual ao Tambor (de Bambi), enquanto que o apressado e cheio de responsabilidades é mais parecido com o Branco (de Alice). No meio disso tudo, há ainda uma caça ao tesouro, através da qual precisarão se dar conta dos verdadeiros valores que formam uma família, e o que de fato importa nas relações que estão construindo entre eles.
Mais do que um filme dirigido por dois homens, A Caminho da Lua é um longa roteirizado por três mulheres: Audrey Wells (O Ódio que Você Semeia, 2018), falecida em 2018 após uma batalha contra um câncer – e a quem o projeto é dedicado – e suas colaboradoras Jennifer Yee McDevitt e Alice Wu (Você Nem Imagina, 2020). É da combinação dessas vozes que Fei Fei, seus amigos e companheiros irão surgir, emulando tanto questões bastante caseiras – o sabor dos alimentos, o afeto entre parentes – como outras mais ousadas – como a disputa pelo carinho paterno ou aprender a lidar com a morte e a continuidade da vida. Assim, o que apresentam não só assume com honestidade suas influências, como também é eficiente em retrabalhá-las de acordo com a história que se propõem a contar, sem constrangimentos e nem falsas ilusões. Um conjunto que mostra que, mesmo sem inovar, o maior mérito de uma boa história pode estar no ato de apresentá-la com o efeito certo, algo que aqui é alcançado com sucesso.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 7 |
Francisco Carbone | 7 |
MÉDIA | 7 |
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