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Sinopse

Uma retrospectiva bem-humorada com tudo (ou quase tudo) que aconteceu de relevante no mundo em 2021.

Crítica

As retrospectivas são formatos tradicionais nas emissoras de televisão, tão certas anualmente quanto os tios do "pavê ou pacumê" no Natal. Ao longo dos anos, nos acostumamos a conferir, geralmente na semana que antecede o réveillon, o resumo do que aconteceu no ano prestes a acabar. Em 2020, a Netflix lançou o especial 2020 Nunca Mais, ótima brincadeira com esse estilo de atração. Nela, especialistas fictícios comentavam um dos anos mais complicados (e doidos) da nossa histórica recente. A fatura se repete com este 2021 Nunca Mais, programa com quase todos os personagens do antecessor e uma pegada satírica igual. Portanto, o que temos em cerca de 60 minutos é a revisão apocalíptica do ano que começou envolto em esperança, mas que foi ainda severamente atravessado pela pandemia da Covid-19. O recorte é basicamente a realidade dos Estados Unidos – seja a política, a sanitária, a midiática, a cultural, etc. –, com poucas aberturas a acontecimentos além das fronteiras comandadas pelo Tim Sam. Por exemplo, não temos a menção aos fiascos de Jair Bolsonaro como presidente do Brasil, estratégia que tornava 2020 Nunca Mais mais familiar aos brasileiros. Aliás, essa maior restrição aos americanos do norte é uma das (poucas) mudanças leves em relação ao anterior.

Sem o frescor da novidade, o efeito de 2021 Nunca Mais acaba sendo bem menos cáustico. No entanto, mesmo desprovido do “elemento surpresa”, ainda provoca boas risadas pela maneira como os diretores Jack Clough e Josh Ruben abordam as desgraças que nos abateram no ano que dá seus últimos suspiros. Um dos grandes destaques continua sendo a "mãe de família estadunidense" interpretada por Cristin Milioti. Essa mulher de comportamento passivo-agressivo é compreendida como uma representante do extremismo de direita que protagonizou episódios de negacionismo, ataques a instituições democráticas e outras atitudes geralmente chanceladas por Donald Trump. Mas, desta vez, ela ganha uma “companheira” à altura dentro desse diagnóstico da parcela menos ponderada (e sã) da população norte-americana: a jornalista vivida por Tracey Ullman. A âncora raivosa que fala baboseiras em horário nobre poderia até soar excessivamente caricatural, não fosse desgraçadamente tão próxima de suas inspirações reais. E o filme traz a realidade pontualmente para esse jogo narrativo que reproduz a linguagem das atrações televisivas com ares de retrospectiva anual.

Jack Clough e Josh Ruben poderiam colher mais frutos se estabelecessem paralelos melhores entre a imitação da realidade e a crueza dos fatos. É uma pena que eles recorram às associações de modo simplista, quase sempre para validar a saturação dos personagens, algo do tipo “olhem como fulano é no cotidiano e vejam se nossa versão é tão exagerada”. Figuras como o cientista indignado com as estratégias musicais do "documentarista" e o cínico CEO da grande empresa de tecnologia parecem somente uma forma de citar (apenas citar) protocolarmente tais figuras sociais. Se esses dois personagens fossem simplesmente retirados da trama no corte final, não sentiríamos tanta falta. O influenciador digital beira essa mesma irrelevância, mas algumas tiradas em torno dele ainda são eficientes para expor um alarmante estado atual das coisas. 2021 Nunca Mais atira nos negacionistas, brinca com códigos do “novo normal” que persistiram por conta do surgimento das variantes da Covid-19, chama recorrentemente o atual presidente dos EUA, Joe Biden, de fantasma e critica ferrenhamente a retirada das tropas estadunidenses do Afeganistão. Como era em 2020 Nunca Mais, não há qualquer aprofundamento, mas uma predileção pelas piadas ligeiras e ácidas.

O historiador interpretado por Hugh Grant faz um par de associações esdrúxulas entre a realidade e a ficção – especificamente com as sagas Harry Potter e Star Wars –, mas é justificado pelas demonstrações de conservadorismo. Ele é o representante da branquitude incomodada com as lutas antirracistas, da heterossexualidade indignada com as batalhas travadas pela comunidade LGBTQIA+, o que rende, inclusive, momentos de repulsa à suposta tentativa de desconstruir ícones masculinos como James Bond. 2021 Nunca Mais é acelerado e infelizmente insiste em repetir sacadas e abordagens, mesmo tendo escassos 60 minutos à disposição. No entanto, como se trata de um especial de comédia que satiriza um tipo específico de programa, pode-se dizer que se sai bem no fim das contas. É uma esquemática, mas bem-vinda subversão dos moldes recorrentes das retrospectivas convencionais, sobretudo porque eleva o tom da crítica e com isso rompe a etiqueta e o bom-mocismo da televisão. Os idealizadores preferem utilizar o escárnio para gerar pequenas catarses, rir dessa realidade conturbada por inúmeros fatores. O resultado é um expurgo imediato e fugaz. Poderia ser mais incisivo, amplo e diverso. Mas, já valeria por ter como personagem a britânica sonsa e impagável vivida por Diane Morgan, o destaque do elenco que conta ainda com a atriz Lucy Liu na pele de outra "leitora" desse nada admirável mundo novo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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