Se há duas coisas que, a priori, não combinam, são Carnaval e Cinema. Certo? Será? Apesar de ambas começarem com a letra “C” e de movimentarem multidões, uma é festa, alegria e muita folia nas ruas e salões de baile, enquanto a outra é tudo isso, mas em ambientes muito mais tranquilos e controlados – salas de cinema ou mesmo no conforto do próprio lar. Portanto, quando o feriadão de quatro dias comandado pelo Rei Momo tem início, metade do público corre pro agito, se esquecendo de compromissos, assuntos sérios e, na maior parte das vezes, até das próprias roupas. Já outros aproveitam o tempo de celebração para colocar maratonas em dia, rever clássicos favoritos e se preparar para ficar por dentro dos títulos mais comentados da temporada. Mas… e que tal se fosse possível fazer as duas coisas, juntas?!? Pois é isso que sugerimos aqui, uma seleção de longas de garantia comprovada – tem até vencedor do Oscar no meio – que irão oferecer bons momentos de muito confete e serpentina. Confira e aproveite!
Alô Alô Carnaval (1936)
Como falar de Carnaval e não mencionar a nossa pequena notável Carmen Miranda? Se a atriz e cantora nascida em Portugal e ícone de Hollywood foi responsável por criar um imaginário internacional da baiana requebrante cheia de frutas na cabeça, muito disso se deve a sua presença em diversos filmes que estrelou na tela grande. E destes, o único daqueles que contou com sua participação no início da carreira – ou seja, ainda no Brasil e antes de sua ida para os Estados Unidos – é essa divertida comédia musical dirigida pelo veterano Adhemar Gonzaga (fundador da Cinédia, o primeiro estúdio de cinema brasileiro). Neste verdadeiro clássico, Carmen e sua irmã, Aurora Miranda, aparecem como vedetes da Rádio Nacional – a canção “Cantoras do Rádio” foi interpretada aqui, pela primeira vez, com as duas juntas – interpretando populares marchinhas que iam além dos estúdios e faziam a festa de foliões por todo o país em pleno carnaval. Contando ainda com nomes como Oscarito e Lamartine Babo, o filme teve tamanho impacto nas bilheterias que três anos depois estrearia a continuação Banana da Terra (1939), desta vez com a brazilian bombshell como estrela absoluta! – por Robledo Milani
Carnaval Atlântida (1952)
A Atlântida dominou a produção cinematográfica brasileira por mais de duas décadas, realizando um grande número de chanchadas e musicais muitas vezes ligados ao universo carnavalesco. Um dos mais populares exemplos da fórmula de sucesso do estúdio foi esta comédia dirigida por José Carlos Burle e Carlos Manga, cuja trama acompanha o renomado produtor de cinema Cecílio B. de Milho (Renato Restier), que deseja realizar uma suntuosa adaptação do clássico Helena de Troia e para isso contrata o professor Xenofontes (Oscarito), especialista em mitologia grega, como consultor da produção. Enquanto tenta dar início ao projeto, o produtor se vê às voltas com diversos personagens peculiares, como sua sobrinha cubana Lolita (Maria Antonieta Pons), o Conde Verdura (José Lewgoy) e a dupla de malandros Miro (Grande Otelo) e Piro (Colé), que querem transformar o filme em um musical de carnaval. Satirizando os épicos de Cecil B. DeMille, o filme apresenta cenas hilárias – o diálogo romântico entre Oscarito, como Helena de Troia, e Lewgoy, como o galã Paris, se tornou clássico – intercaladas a ótimos números musicais que utilizam famosas marchinhas (“Cachaça”, “Ninguém Me Ama”, “Quem Dá aos Pobres”) interpretadas por grandes artistas da época, como Dick Farney e Nora Ney. – por Leonardo Ribeiro
Orfeu do Carnaval (Orfeu Negro, 1959)
Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, do Globo de Ouro e do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, este longa do francês Marcel Camus tornou-se um ícone da imagem idealizada da cultura brasileira exportada para o mundo através do cinema. Baseado na peça Orfeu da Conceição, de Vinícius de Moraes, inspirada no conto da mitologia grega, o longa é ambientado no Rio de Janeiro durante a época do carnaval, onde Orfeu (o ex-jogador de futebol Breno Mello), condutor de bonde e músico adorado por todos na favela em que vive, se apaixona pela inocente Eurídice (Marpessa Dawn), que deixou seu lar no interior para fugir da Morte (papel do bicampeão olímpico do salto triplo Adhemar Ferreira da Silva). Mesmo premiado, recebeu críticas dentro e fora do país por seu retrato caricatural do Brasil como um lugar onde as pessoas vivem dançando em um eterno desfile carnavalesco. Apesar disso, é difícil negar a beleza estética da trágica história de amor apresentada por Camus, que concebe momentos verdadeiramente poéticos e que também ajudou a propagar a Bossa Nova, presente na magistral trilha de Tom Jobim e Luís Bonfá. A história ainda ganhou uma nova versão, dirigida por Cacá Diegues, Orfeu (1999). – por Leonardo Ribeiro
Garota de Ipanema (1967)
Nome proeminente do Cinema Novo, o diretor Leon Hirszman decidiu fazer um filme inspirado na música “Garota de Ipanema”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Na trama, Márcia (Márcia Rodrigues) é a típica menina “cheia de graça” da canção, bonita, com uma condição social estável, repleta de amigos e frequentadora de rodas intelectuais. À beira da praia é onde ela se sente bem. Márcia flerta com Chico Buarque em pessoa, mas encontra o amor na figura de um fotógrafo, interpretado por Adriano Reis, homem casado que lhe fornece a chave para adentrar numa seara de debates sociais calcados na luta de classes. Embora haja esse elemento na trama, o filme possui uma narrativa leve, emoldurada pela trilha sonora que acabou, verdade seja dita, mais famosa que o próprio longa. Pouco vista, a realização, que conta com roteiro de Eduardo Coutinho e argumento de Glauber Rocha, possui uma cena essencial à trajetória da protagonista que se passa em pleno carnaval carioca, na qual encontra algumas respostas para suas inquietações, além de promessas e reencontros. Apesar da equipe altamente qualificada e da trilha igualmente gabaritada, não fez muito sucesso e pouco circulou, sobretudo devido a um imbróglio envolvendo suas cópias. – por Marcelo Müller
Dona Flor e seus Dois Maridos (1976)
Filme que manteve por mais de 30 anos a posição de maior sucesso nacional de bilheteria da história do nosso cinema, esta adaptação do famoso livro de Jorge Amado soube entreter ao contar uma história que cativa tanto por sua sensualidade quanto pelo divertimento que proporciona. Algum tempo depois de seu marido Vadinho (José Wilker) morrer repentinamente, Dona Flor (Sônia Braga) é cortejada pelo farmacêutico Teodoro (Mauro Mendonça), com quem acaba se casando. O que não esperava, claro, era que Vadinho fosse retornar como um espírito para continuar importunando sua vida, deixando-a em dúvida quanto a como dar continuidade a sua vida amorosa. A ligação do filme com o tema de nosso Top vem logo na morte de Vadinho, que ocorre em um domingo de Carnaval enquanto ele se diverte exibindo seu samba no pé. Um momento cuja leveza inicial cede lugar a um certo peso a partir do trágico acontecimento. Mas é um peso apenas momentâneo, já que o diretor Bruno Barreto monta uma narrativa descontraída e romântica envolta por personagens com os quais simpatizamos quase que imediatamente. – por Thomas Boeira
A Lira do Delírio (1978)
Inicialmente proposto como um documentário, o filme de Walter Lima Jr. se vale do bloco de Niterói que dá título ao filme. São diversas as cenas de improviso nesta produção estrelada por Anecy Rocha, que acabou tragicamente falecendo antes da estreia nos cinemas. Intercalando trechos documentais (filmados em 1973) com a ficção para contar a história de Ness Elliot (Rocha), uma prostituta de um cabaré da Lapa que, durante o carnaval, precisa transportar de São Paulo até o Rio de Janeiro uma mercadoria duvidosa para o agiota Tonico (Tonico Pereira). Ela aceita com o intuito de melhorar um pouco a vida de seu bebê. Nisso, acidentalmente troca a bolsa que transportava a mercadoria com a de um sambista gay. Ameaçada para conseguir a mercadoria de volta, ela tem o filho sequestrado. E em meio à folia, sai em busca de pessoas que a ajudem. Uma produção de importância nos anos 1970, conta ainda com uma belíssima e famosa cena de beijo lésbico entre Anecy e Nara Leão em meio a uma trama bem amarrada que, como bem colocou Carlos Alberto Matos quando entrevistado, traz cada um dos personagens inspirados, de alguma forma, em uma marchinha de Carnaval. – por Renato Cabral
Ó Paí, Ó (2007)
Baseado na peça musical homônima levada aos palcos em 1992 pelo Bando Olodum, esse filme dirigido por Monique Gardenberg oferece um curioso painel sobre o fervor carnavalesco em Salvador, cidade que é sinônimo de folia em todo o país. A trama não é única e formada por tipos diversos, representantes das diversas facções envolvidas na festa. Lázaro Ramos (talvez o mais à vontade) divide suas preocupações entre conquistar uma namorada e o desfile do bloco do Araketu. Stênio Garcia é o comerciante em busca de turistas, enquanto que Wagner Moura empresta seu talento a um tipo repugnante, o playboy racista e preconceituoso. Há ainda a beata dona de um cortiço, a mãe-de-santo, o taxista e a mulher especializada em abortos. Os conflitos entre estes tantos personagens vão se sucedendo, e o mais interessante não é o desenlace individual de cada um, mas o pulsante e colorido cenário que oferecem no todo. E no meio de tanta confusão, reflete com precisão o retrato de um Brasil que, mesmo diante das situações mais adversas, sempre encontra fôlego para jogar tudo para cima e dançar até cair. Ou ao menos até a quarta-feira de cinzas. – por Robledo Milani
Rio (2011)
Na trama desta divertida animação comandada pelo brasileiro Carlos Saldanha, Blu é uma das últimas araras azuis existentes no planeta. A ave vive com sua dona, Linda, em uma pequena cidade no estado norte-americano de Minnesota e tem uma rotina bastante regrada. Até que o ornitologista brasileiro Tulio aparece no local e convence a relutante Linda a viajar até o Rio de Janeiro para promover o acasalamento de Blu com a arara Jewel. Ao chegar ao Brasil, em pleno fervor do carnaval, as coisas acabam não funcionando tão facilmente. O grande chamariz, principalmente quando o filme ainda estava nos cinemas, era poder conferir as paisagens da Cidade Maravilhosa criadas pelo computador na telona. Neste quesito, o trabalho da equipe é simplesmente magnífico. Para melhorar, o cineasta ainda dá um jeito de incluir na história o carnaval, com direito a sambódromo da Sapucaí e escola de samba. Não fosse a forma um tanto deturpada que a festa é retratada no filme – com direito a carros-alegóricos motorizados e a Sapucaí se transformando em única rota de fuga – e tudo seria mais verossímil. Até onde uma animação com bichinhos falantes pudesse ser, é claro. – por Rodrigo de Oliveira
O Samba (2014)
Desmistificar os clichês brasileiros difundidos no exterior sobre futebol, belas mulheres e, obviamente, samba. Esta é a proposta deste documentário co-produzido entre Alemanha, Brasil, França e Suíça e dirigido pelo francês Georges Gachot. Tendo o cantor Martinho da Vila e sua relação com a Escola de Samba Unidos de Vila Isabel como um farol a ser seguido, o cineasta se divide entre a biografia, a homenagem e a investigação, tendo como ponto de partida a origem da própria palavra “samba”. Carros alegóricos se dirigindo ao sambódromo, ensaios de integrantes da bateria e os bastidores da quadra de concentração, passando pelas criações das fantasias no barracão, mostram como este é um estilo de vida de grande peso cultural e social. A interação de Martinho com a escola momentos antes do desfile o aponta como uma entidade onipresente, sendo sempre citada, influenciando e servindo de inspiração para todos mesmo que à distância. O filme ainda apresenta depoimentos interessantes, como o que investiga a conquista do primeiro título da Vila Isabel como campeã do carnaval carioca, em 1988, e cumpre seu papel em destacar os aspectos teatrais e cinematográficos do samba e sua importância na formação da identidade musical brasileira. – por Leonardo Ribeiro
Trinta (2014)
Não basta ser – ou ter sido – uma grande personalidade para que se justifique uma abordagem cinematográfica a respeito. É preciso, acima de tudo, encontrar naquela trajetória uma história que mereça ser levada às telas. Exatamente o que o diretor Paulo Machline faz nesta inspirada versão ficcional da vida do carnavalesco Joãosinho Trinta. Profundo conhecedor do personagem – que já havia sido tema do documentário A Raça Síntese de Joãosinho Trinta (2009), feito também por ele poucos anos antes – o cineasta parte de um momento específico da vida do biografado – os poucos meses antes do primeiro desfile da escola de samba carioca Salgueiro sob coordenação de Trinta, aqui estreando na função (até então ele era apenas um bailarino do Theatro Municipal). Ganhando muitos pontos já de partida por contar com o exuberante Matheus Nachtergaele como protagonista, o filme constrói sua narrativa em ritmo de contagem regressiva, e mesmo que o espectador saiba como tudo irá terminar, é impossível não se envolver nesse clima de aflição e muito brilho. O resultado é fascinante, de uma beleza ímpar somente comparável ao próprio desfile apresentado todos os anos em plena Sapucaí! – por Robledo Milani
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