Ao analisar esta categoria da maior festa da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, impossível não pensar: bem que poderíamos ter um Oscar para chamar de nosso, né? Pois, infelizmente, não temos. Embora muita gente ache o Oscar irrelevante, partindo de tudo o que ele representa em termos de associação com uma mentalidade industrial de cinema, é inegável, para dizer o mínimo, a força simbólica de uma vitória aqui, não apenas no que diz respeito especificamente ao filme, mas também no que concerne à cinematografia agraciada. Ganhar um Oscar, sem dúvida, faz a diferença. E os cinco indicados de 2018 foram selecionados em detrimento de adversários fortíssimos que, se no páreo, poderiam disputar com ares de favoritos. Realmente não dá para entender determinados parâmetros e ocasionais discrepâncias. O representante brasileiro, Bingo: O Rei das Manhãs (2017), ficou pelo caminho, adiando por, pelo menos mais um ano, o nosso desejo de vencer o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Bom, vamos à análise dos remanescentes da peneira, aqueles que ainda têm chances. Confira.

 

Indicados

 

FAVORITO: The Square: A Arte da Discórdia (Suécia)
A Suécia já está acostumada com participações no Oscar. Esta é a sua décima sexta indicação. Com A Fonte da Donzela, em 1961, Através de um Espelho, em 1962, e Fanny e Alexander, em 1984, o país saiu vitorioso. Encontrou algum padrão nos êxitos? Sim, os TRÊS são dirigidos por Ingmar Bergman, um dos maiores cineastas de todos os tempos. Não que o Brasil seja desprovido de gênios cinematográficos, longe disso, aliás. Mas ter Bergman facilita as coisas, não? E, por que, em 2018, o filme de Ruben Östlund é o mais provável campeão? Bom, para começo de conversa, ele vem referendado por uma Palma de Ouro no Festival de Cannes. Foi eleito o melhor estrangeiro do ano pelos críticos de Boston, Chicago, Dallas, Oklahoma e Toronto. Além disso, venceu o European Film Award, o Goya (considerado o Oscar espanhol) e o National Board of Review. Foi indicado ao Globo de Ouro e ao Critics Choice Award. É uma boa lista de prêmios e indicações, suficiente para coloca-lo com uma mão na estatueta da Academia.

 

TEM CHANCES DE AZEDAR O LEITE SUECO:  Sem Amor (Rússia)
Sétima indicação da Rússia ao Oscar – o país venceu em 1995 com O Sol Enganador – e a segunda de um filme dirigido por Andrei Zvyagintsev – a primeira foi em 2015, com Leviatã Sem Amor pode muito bem contrariar o favoritismo de The Square: A Arte da Discórdia. A começar pela fama do cineasta, considerado um dos atuais queridinhos do círculo cinéfilo. O filme é o único dos cinco indicados ao Oscar que recebeu nominação ao BAFTA. Além disso, foi lembrado pelo Globo de Ouro. Venceu o prêmio do júri no Festival de Cannes, o London Film Festival, o Munich Film Festival e foi agraciado com a láurea máxima da associação dos críticos da Rússia. A falta de êxitos em território norte-americano, porém, lhe coloca fora do topo nas bolsas de apostas. Todavia, não será de todo estranho se a Rússia levar o seu segundo Oscar para casa, com esse drama que encara o desmantelamento de uma família, alusão à própria degradação social no país presidido por Vladimir Putin.

 

VAI, AMÉRICA DO SUL!!!:  Uma Mulher Fantástica (Chile)
Uma Mulher Fantástica é a segunda indicação do Chile ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Antes, nossos colegas sul-americanos só tinham chegado lá em 2013, com No, de Pablo Larraín. Mas quais são as chances da estatueta vir para o nosso continente? Poucas, bem poucas, mas a esperança é a última que morre. Em termos práticos, o longa-metragem de Sebastián Lelio foi indicado ao Globo de Ouro, recebeu menção especial do júri ecumênico do Festival de Berlim, além levar para casa o Teddy (destinado a tramas com temática LGBTQ) no mesmo evento. Aliás, Daniela Vega, atriz transexual apresenta um desempenho excepcional como protagonista. Voltando ao filme, ele foi eleito o melhor do ano pelo Black Film Critics Circle, venceu o Goya de Melhor Filme Ibero-Americano, o Prêmio Fénix, ficou entre os cinco melhores do National Board of Review e foi escolhido o Melhor Filme Latino no Festival de San Sebastián. Está bem longe, porém, de ser uma aposta segura para seu bolão. Então, se quiser apontar ele, é por sua conta e risco, como diria o Silvio Santos no Show do Milhão.

 

IMPROVÁVEL, MAS SERIA UMA BELEZA SE GANHASSE: Corpo e Alma (Hungria)
Para começo de conversa, o longa-metragem húngaro venceu o Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2017, levando, também, o destaque do júri ecumênico e o troféu da FIPRESCI, a federação internacional dos críticos de cinema, ou seja, fez barba, cabelo e bigode. Todavia, lhe faltam láureas mais significativas nos Estados Unidos para obter força competitiva no Oscar. Realmente é uma pena, pois o filme de Ildikó Enyedi apresenta um envolvimento amoroso insólito entre pessoas que convivem num matadouro, cenário improvável para o florescimento de um afeto atravessado pela intangibilidade do mundo dos sonhos. Muita gente virou a cara para esse romance desnudado de convenções, que trafega por áreas incomuns e que apresenta desempenhos viscerais de Alexandra Borbély e Géza Morcsányi. Pelos termômetros, porém, vai ser complicado a Hungria vencer nesta que é a sua décima indicação ao Oscar – ganhou em 1982, com Mephisto, e em 2016, com Filho de Saul.

 

SE A ZEBRA PASSEAR, OLÊ, OLÊ, OLÁ…ELE CHEGA LÁ: O Insulto (Líbano)
O Insulto já fez história na festa da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, vide o fato de ser o primeiro longa-metragem libanês indicado a Melhor Filme Estrangeiro nos 90 anos da festa máxima de Hollywood. Realmente não é pouca coisa. Mas, daí a acreditar que o filme de Ziad Doueiri tenha alguma chance de vitória, é sonhar alto demais. Tá certo que os conflitos médio-orientais são temas quentes, até mesmo para o espectador norte-americano. Pensando assim, até que não é absurdo apostar alguns trocados nele. Mas, fora a Copa Volpi (prêmio de Melhor Ator no Festival de Veneza) para Kamel El Basha, não há prêmios significativos que sustentem a ideia de um possível êxito no dia 4 de março. Aliás, entre os cinco postulantes, é que menos tem estatuetas para contar história. Sua presença pode até ser considerada uma daquelas decisões controversas da Academia, que todo ano nos brinda com incongruências.

 

ESNOBADO PRA C*RALHO: Em Pedaços (Alemanha)
Sério, não dá para entender a ausência de Em Pedaços na lista dos cinco indicados. Aliás, se ele fosse escolhido, certamente ocuparia a vaga de favorito deste artigo. Por quê? O longa-metragem de Fatih Akin GANHOU o Globo de Ouro, o Critics Choice Award, o Satellite Awards e os prêmios das associações de críticos de Kansas City e Nova York. Além disso, Diane Kruger foi eleita a Melhor Atriz do Festival de Cannes. Realmente é inexplicável a sua ausência entre os postulantes ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Outro que poderia, facilmente, figurar no quinteto é o francês 120 Batimentos por Minuto, drama poderoso sobre ativistas que lutaram na França, inspirados em moldes norte-americanos, contra a disseminação da AIDS, discutindo políticas públicas de saúde de amparo aos doentes nos anos 90. Ficou fora da disputa, assim como a laureada produção de Akin, esta, sabe-se lá por quais motivos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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