E terminou mais uma concorrida temporada de premiações no mundo do cinema com a escolha de Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) como o melhor filme do 87th Academy Awards – o popular Oscar, como todo mundo conhece. Ainda que não tenha se repetido a anunciada disputa entre este e Boyhood: Da Infância à Juventude – o filme mais premiado deste ano em quantidade, tendo levado, entre outros, o Globo de Ouro, o Bafta e a maioria das premiações dos críticos regionais nos EUA – uma coisa é praticamente consenso: há muito tempo não se reunia um conjunto de títulos tão impressionantes. Dos oito indicados, dificilmente alguém dirá que esse ou aquele “é muito ruim”. Todos são bons, em maior ou menor grau, e donos de inegáveis méritos. A comprovação disso foi a distribuição de estatuetas a todos os indicados na categoria principal: nenhum dos oito concorrentes saiu de mãos abanando.
Muitos esperam que a escolha do Oscar seja definitiva e marque para sempre suas vidas. Quem acompanha a premiação há algum tempo, no entanto, sabe que é cada vez mais raro isso acontecer. Dos indicados a Melhor Filme, qual irá resistir ao teste do tempo e seguirá sendo lembrado nas listas de melhores? Birdman é certamente o mais original e inventivo dos concorrentes, mas não se trata de um filme para todos os públicos. Sniper Americano (premiado com o troféu técnico de Edição de Som) é o maior sucesso de bilheteria dentre esse grupo (ele sozinho arrecadou mais que todos os outros sete somados), mas aborda um tema comum a tantos outros que dificilmente permanecerá em destaque por muito tempo. A Teoria de Tudo (Melhor Ator), O Jogo da Imitação (Melhor Roteiro Adaptado) e Selma (Melhor Canção Original) são cinebiografias, e falarão melhor com o público a que se dirigem – minorias (deficientes, gays, negros) em busca de histórias de justiça, amor e superação. Sobram Whiplash: Em Busca da Perfeição, O Grande Hotel Budapeste e o tal Boyhood. O que dizer sobre eles?
Whiplash é uma história bem contada. Tem seus clichês – chegou a ser apontado pelo nosso colega Roberto Cunha como o “Nascido para Matar no mundo da música” – mas também qualidades que não podem ser desconsideradas. Mas não é muito mais do que isso. No ano que vem, neste mesmo momento, ninguém lembrará dele – e não por ser ruim, mas porque outras boas histórias serão contadas neste intervalo, e umas acabarão se sobrepondo às outras. É inevitável. Budapeste é uma delícia, divertido e envolvente, e só os fãs da mente louca e genial do diretor Wes Anderson sabem a felicidade que é ver aquilo que apenas poucos entendiam agradando a tantos. Mas é melhor Os Excêntricos Tenenbaums (2001)? Que Viagem a Darjeeling (2007)? Que Moonrise Kingdom (2012)? Tenho minhas dúvidas.
E chegamos ao Boyhood, o coitadinho do pós-Oscar que ficou apenas com a estatueta de Atriz Coadjuvante. Antes de mais nada, vamos parar por aí: desde que estreou no Festival de Berlim do ano passado, o longa dirigido por Richard Linklater ganhou mais de 30 prêmios de “melhor filme” nas mais diferentes associações. Não é todo dia – ou mês, ou ano – que uma mesma produção consegue percorrer uma trajetória dessas. Ou seja, ter ganho ou não o Oscar definitivamente não fará muita diferença a este projeto que custou apenas US$ 4 milhões (Sniper Americano arrecadou dez vezes esse valor apenas no dia de estreia) e foi feito com calma, de forma despretensiosa e sem chamar muita atenção, ocupando sua equipe e realizadores em torno de uma semana por ano durante pouco mais de uma década. Aliás, isso é importante ter em perspectiva: Boyhood não levou 12 anos para ser feito. Levou 12 semanas, uma semana por ano, durante 12 anos. E qualquer filme, em média, tem suas filmagens estendidas por dois, três ou quatro meses, às vezes mais, outras menos. Ou seja, sua forma não é o maior mérito e nem tão diferente das demais. Ainda que seja pouco comum. E gostando ou não, isso pode fazer toda a diferença.
Com a escolha de Birdman, os mais de seis mil membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood apenas deixaram claro algo que há tempo fazem questão de colocar em evidência: “por mais previsíveis que vocês nos considerem, temos nossas características próprias e sempre lutaremos pela independência das nossas opiniões”. Ou seja, até podem repetir escolhas de sindicatos, outras entidades e agremiações aqui e ali, mas sempre que for possível, também, farão o esforço necessário para ir contra a corrente. A vitória de Argo, dois anos atrás, sem nem concorrer em Direção, foi um bom indicativo. Assim como os dois prêmios de Ang Lee, ambos sem levar o troféu de Melhor Filme. Ou as escolhas de Adrien Brody, Geena Davis, Marcia Gay Harden e Kevin Kline em anos anteriores, todos sem terem ganho praticamente prêmio algum antes do Oscar. Enfim, exemplos não faltam nestes mais de oitenta anos de cerimônia.
E falando em atuações, quem são os melhores de 2014? Eddie Redmayne e Julianne Moore foram os protagonistas, J. K. Simmons e Patricia Arquette os coadjuvantes. Os dois principais ganharam pelo mesmo papel – profissional proeminente em face a uma doença degenerativa precoce – um velho clichê da Academia, aliás. Aqui cabe uma curiosidade: eles já atuaram juntos, e como mãe e filho em uma relação incestuosa, no polêmico – porém pouco visto – Pecados Inocentes (2007). Quem aprovou a vitória deles deve ir atrás deste bom drama. Os seguintes foram pela competência, ainda que suas disputas não fossem das mais acirradas – os melhores, em ambas categorias, eram os indicados de Birdman – Edward Norton e Emma Stone – mas este filme, curiosamente, conseguiu se destacar apenas como um todo, e não por um ou outro talento individual. Se nem Michael Keaton, indiscutivelmente o melhor dos cinco concorrentes, conseguiu, como torcer pelos demais?
Moore, Simmons e Arquette, por outro lado, ganharam prêmios “pelo conjunto da obra”, ou seja, são todos atores experientes, com longas carreiras, que talvez já tivessem merecido esse reconhecimento antes. Redmayne, por outro lado, representa a vontade de querer mostrar algo novo, sem, no entanto, de fato fazer. É um rapaz jovem, com pouco mais de 30 anos de idade e dois ou três outros filmes de destaque no currículo – lembra dele em Os Miseráveis (2012)? Mas está aqui repetindo as mesmas fórmulas, no filme – A Teoria de Tudo – mais frágil de todos os indicados. Que pena que Ralph Fiennes (O Grande Hotel Budapeste), David Oyelowo (Selma) e, principalmente, Jake Gyllenhaal (O Abutre) ficaram de fora. Aí, sim, teríamos uma competição de respeito.
A atuação de Julianne Moore em Para Sempre Alice não é a melhor feminina do ano – ela mesma está melhor em Mapas para as Estrelas, pelo qual concorreu ao Globo de Ouro e foi premiada no Festival de Cannes – e dentre as concorrentes a que realmente se destacava é Marion Cottilard, que está de rosto limpo e sem nenhuma muleta em Dois Dias, Uma Noite, um filme belga e muito tímido que quase ninguém viu. Mas tanto Cotillard quanto Reese Witherspoon já foram premiadas antes, enquanto que Felicity Jones e Rosamund Pike estão em suas primeiras indicações. No mundo machista de Hollywood, não é tão fácil para uma mulher ganhar logo de primeira – Amy Adams, que está na quinta indicação sem vitória, que diga! Portanto, entre mortos e feridos, dá pra ficar feliz com a vitória de Moore. Antes tarde do que nunca, ao menos.
Sobram os prêmios de menor expressão. Ida rendeu para a Polônia a primeira estatueta de Melhor Filme Estrangeiro, e mesmo sem ser tão profundo quanto o russo Leviatã ou de tanta comunicação com o público quanto o argentino Relatos Selvagens, foi uma boa escolha. Interestelar foi o blockbuster “sério” da temporada, e o reconhecimento em Efeitos Especiais mostra que a Academia nunca esquece que leva o termo “Ciências” no nome. E a dobradinha Operação Big Hero (longa de animação) e Banquete (curta de animação) – que, aliás, foram exibidos em conjunto nos cinemas de todo o mundo, inclusive por aqui – mostram que nunca é bom duvidar da força da Disney no gênero.
Citizenfour – “o filme do momento” – foi escolhido como Melhor Documentário em Longa-metragem, deixando o nosso Sebastião Salgado e seu O Sal da Terra a ver navios – pior foi para o diretor Wim Wenders, que concorria pela terceira vez nessa categoria, sem nenhuma vitória. A história do Brasil no Oscar é curiosa: volta e meia conseguimos dar um jeito de driblar as vias oficiais – fomos excluídos da disputa de Filme Estrangeiro neste ano, por exemplo, mas conseguimos chegar em outra categoria – mas sempre acabamos morrendo na praia. Central do Brasil, Cidade de Deus e Lixo Extraordinário não nos deixam mentir. Quem sabe um dia isso muda.
Para finalizar, a festa em si ficou bem aquém das expectativas. Neil Patrick Harris é um ator talentoso (bom em drama, como em Garota Exemplar, e melhor ainda em comédia, como no seriado How I Met Your Mother), porém sofreu tendo que defender um roteiro fraco e com piadas pouco inspiradas. Seu melhor momento foi o esquete combinando elementos de Birdman e Whiplash, além do espetacular número de abertura. Mas podia ter rendido mais. Entre os premiados, chamaram atenção os discursos políticos de Patricia Arquette (melhores condições para as mulheres), John Legend (em cinquenta anos a situação dos negros continua problemática) e Graham Moore (“permaneça estranho, permaneça diferente”), que provocaram comoções generalizadas. E os números musicais, é claro. Há quem diga que música em festa do Oscar só atrapalha. Pelo contrário. Adam Levine, Rita Ora e Tim McGraw emocionaram, a apresentação de “Everything is Awesome”, de Uma Aventura Lego, fez todo mundo entrar na dança, “Glory” colocou todo mundo pra chorar, e Lady Gaga foi a grande surpresa relembrando os cinquenta anos de A Noviça Rebelde (1965) ao lado de Julie Andrews. Ao menos assim é que se faz História (com “H” maiúsculo): apontando para frente, mas sem nunca deixar de olhar para trás!
Confira aqui a lista completa de vencedores do Oscar 2015!
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