O sexto dia de programação oficial do 41° Festival de Cinema de Gramado foi marcado por tons verdes e amarelos. E por dois motivos. Primeiro, ao contrário do que aconteceu nas demais noites, foram exibidos dois longas-metragens da mostra nacional (ao invés de apenas um), sem abrir espaço para um concorrente estrangeiro. Depois, outro acontecimento importante foi a entrega do Troféu Eduardo Abelin. E o homenageado de 2013 foi o Canal Brasil, que há quinze anos tem sido um espaço constante e seguro de exibição da produção audiovisual brasileira, tanto no cinema quanto na música. Mas nem tudo são alegrias, e estes dois elementos conjuntos, se por um lado são motivo de júbilo, por outro apontam curiosas contradições.

Entrega Troféu Eduardo Abelin / Foto Cleiton Thiele

O primeiro ponto controverso foi a homenagem ao Canal Brasil. Ninguém questiona a importância deste reconhecimento e nem a relevância desta emissora de televisão para o cenário cultural do nosso país. No entanto, a situação não é tão simples. Por um lado, o Canal Brasil já havia recebido uma honraria recentemente em outro importante evento cinematográfico nacional, o XVII Cine PE – Festival do Audiovisual. Segundo, o Troféu Eduardo Abelin fez história em Gramado oferecendo uma justa e honrosa lembrança a alguns dos maiores realizadores nacionais. Já receberam esse prêmio cineastas como Carlos Diegues, Domingos Oliveira, Hector Babenco e Arnaldo Jabor (no ano passado), entre tantos outros. Abrir um precedente como este não só descaracteriza a premiação como também a enfraquece. Muito mais apropriado seria oferecer o Troféu Cidade de Gramado – neste ano os agraciados foram dois, o ator Wagner Moura e o filme Sargento Getúlio, de 1983. No entanto, iniciativas como o Canal Brasil são tão raras que todo e qualquer estímulo que ele possa receber para continuar na ativa são válidas. Questiona-se, portanto, não o premiado, mas sim os por quês e a forma de como tal mérito está sendo conferido.

Debate ACCIRS / Foto Cleiton Thiele

Após a exibição à tarde do longa Porto dos Mortos, de Davi de Oliveira Pinheiro, dentro da mostra paralela Cinema Gaúcho – esse foi o 56° festival que esse filme participa, o que o qualifica como uma das produções mais internacionais de toda a história do cinema feito no Rio Grande do Sul (felizmente!) – dois curtas preencheram a mostra nacional da categoria: Os Filmes Estão Vivos (RS), de Fabiano de Souza e Milton do Prado, e A Voz do Poço (SP), de Patricia Black. Em poucas palavras: tudo o que o primeiro tem de relevante, preciso e admirável, o segundo tem de dispersivo, abstrato e vazio. O curta gaúcho – um passeio por uma Paris de cinéfilos ao lado do crítico Enéas de Souza (pai de Fabiano) – é um verdadeiro deleite, e merece ser lembrado na noite de premiação como um dos mais bem sucedidos deste ano em todos os seus intentos. O paulista, filmado em preto e branco e apresentado como um ensaio poético, por outro lado se perde em suas vontades e anseios e entrega uma obra carente de maiores atrativos.

Equipe Os Amigos / Foto Cleiton Thiele

Importante destacar ainda a realização, na tarde da quarta-feira, aqui em Gramado, do seminário Quando os Críticos viram Cineastas, promovido pela ACCIRS – Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. A mesa, comandada por Monica Kanitz (presidente da ACCIRS), contou com as presenças de Kleber Mendonça Filho, Fabiano de Souza e Celso Sabadin. Os três começaram suas carreiras escrevendo sobre cinema em jornais e revistas, e recentemente estrearam como cineastas com os filmes O Som ao Redor (2012), A Última Estrada da Praia (2010) e Mazzaropi (2013), respectivamente. A discussão percorreu temas como sobre os esforços de ser imparcial na hora da crítica aqueles que muito bem conhecem as dificuldades da realização, o distanciamento entre coleguismo e profissionalismo em cada análise e o esforço em diferenciar cada exercício, tanto para quem critica como entre os que são criticados.

Nico Nicolaiewsky, Fernanda Takai e Otto Guerra / Foto Cleiton Thiele

Dois longas brasileiros completaram as atividades do dia, dentro da mostra competitiva nacional da categoria. O primeiro foi Os Amigos (SP), de Lina Chamie, e o segundo foi a animação Até que a Sbórnia nos Separe (RS), de Otto Guerra e Ennio Torresan Jr. Duas propostas completamente diferentes, mas ainda assim bem sucedidas – ainda que não isenta de poréns. A produção paulista, muito afetiva e memorialista, aposta no elenco estrelado – Marco Ricca, Rodrigo Lombardi e Fernando Alves Pinto estiveram presentes à sessão representando os demais colegas – enquanto que o longa gaúcho investe nos personagens do espetáculo musical Tangos e Tragédias (um dos maiores fenômenos do teatro nacional, há mais de 20 anos em cartaz em Porto Alegre) para contar uma aventura inédita. Ao deixar de lado a história conhecida nos palcos e se arriscar num novo enredo os diretores conquistaram os espectadores novatos, mas decepcionaram aqueles que possuíam expectativas prévias em relação ao projeto. No entanto, se Os Amigos resulta em algo morno e inofensivo, Sbórnia não permite meio termo: é um legítimo caso de amor ou ódio. E no cinema, os extremos são sempre mais aconselháveis do que a mediocridade.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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