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Distante quase 500 quilômetros da capital gaúcha, a cidade de Três Passos pode não ser uma das mais conhecidas do Rio Grande do Sul, mas tem tudo para entrar cada vez mais no radar dos apreciadores e realizadores de cinema, isso por conta do surpreendente festival que lá ocorre. Em 2016 o Festival de Cinema de Três Passos chegou à sua terceira edição, com o slogan “semeando cultura”. Cultivar, não só a terra – já que uma das principais atividades econômicas da área é a agricultura –, mas também o desenvolvimento cultural, é o verbo que talvez melhor defina os esforços locais. Os dois dias de programação intensa (três, se considerarmos a mostra de filmes da casa; quatro, se levarmos em conta a noite de premiação) são fortemente marcados por esse signo. A despeito das dificuldades, Três Passos apresenta um festival que consegue, ao mesmo tempo, ser uma bela vitrine para curtas-metragens, formato que muitas vezes encontra resistência do público, e um agente de transformação pela via da arte.

Realizado sem incentivos via renúncia fiscal, o Festival de Cinema de Três Passos é levado adiante por um grupo de cinéfilos voluntários e financiado, em sua maioria, por empresários da região. Neste ano, mais de 480 filmes foram inscritos. No total, a telona do Cine Teatro Globo recebeu 75 curtas-metragens, sendo deles 58 na Mostra Competitiva. O primeiro ponto a ser ressaltado positivamente é a participação das escolas locais, maioria do público que frequentou o charmoso cinema de rua durante o evento. Todas as sessões tiveram entrada franca. Divididos em cinco categorias – ficção, documentário, animação, experimental e estrangeiro – os filmes exibidos formaram um conjunto cuja qualidade depõe a favor da curadoria. Viu-se propostas de cinema bastante criativas e diversas. Portanto, no que tange ao cardápio oferecido aos espectadores, o Festival de Cinema de Três Passos 2016 foi um êxito.

Parte da equipe de organizadores

Não se fazem bons festivais de cinema sem casas adequadas, e o Cine Teatro Globo é uma grata surpresa para quem chega desavisado à cidade. Uma grande sala, inaugurada em 1955, que preserva boa parte de suas características originais sem estacionar no tempo – possui projeção em DCP (o formato digital predominante atualmente no mercado) e em 3D. E parece que esse espírito de aliança entre o tradicional e o novo guia, inclusive, a conduta da organização do festival. Se por um lado, o profissionalismo e o cuidado com os complexos processos que envolvem desde a concepção à concretização do evento são evidentes, por outro, há o privilégio da aproximação entres os participantes, gregarismo inclusive, próprio do interior do Rio Grande do Sul, que, infelizmente, arrefeceu em alguns lugares. Não raro, cineastas, público, organizadores, jurados, funcionários, entre tantos, confraternizavam em lugares comuns, algo incomum, pois, geralmente, em eventos similares, fica cada um no seu quadrado, restrito a falar com “os seus”.

Como parte do júri técnico – meus colegas foram o realizador Alexandre Derlam e a atriz, dramaturga e trespassense Márcia do Canto – conferi o trabalho de um pessoal unido em prol da disseminação do audiovisual na região. Prova disso, como uma espécie de apêndice, há em Três Passos o projeto Cidade Cinematográfica, que compreende oficinas ministradas na rede pública de ensino (para alunos e professores), sessões semanais num cineclube e oficinas voltadas especificamente à produção de curtas-metragens. As pessoas envolvidas com esse projeto macro em Três Passos estão, dentro do possível, atentas a praticamente toda a cadeia.  Não à toa, na noite da premiação, tanto nós do júri quanto os realizadores fizemos questão de subir ao palco para ler cartas de agradecimento e felicitação aos organizadores, expressando praticamente em uníssono a sensação de ter vivenciado, além de um festival de cinema, dias de comunhão entre os que acreditam no poder transformador daquilo que é projetado na telona.

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PREMIADOS

Melhor Desenho de Som: Gabriela Bervian, por Horas
Melhor Direção de Arte: Jamile Coelho e Cintia Maria, por Òrum Àiyé
Melhor Edição: Bruno Autran, por Coração pela Boca
Melhor Trilha sonora: Rafael Gama Dantas, por Boca Fechada
Melhor Fotografia: Bruno Polidoro, por Horas
Melhor Roteiro: Felipe da Fonseca Peroni, por Espeto Corrido
Melhor Atriz: Silvia Paes, por A Vida Tem Dessas Coisas
Melhor Ator: Joaquim Lopes, por Pulso
Melhor Direção: Dani Suzuki, por Pulso
Melhor Curta Estrangeiro: Alto el Juego, de Walter Tournier
Melhor Curta Experimental: O Beijo de Carnaval, de Raniere Figueiredo
Melhor Curta de Animação: O Projeto do Meu Pai, de Rosária
Melhor Curta Documentário: Pobre, Preto, Puto, de Diego Tafarel
Melhor Curta de Ficção: Horas, de Boca Migotto
Melhor Curta do Festival Júri Popular: Hospital da Memória, de Pedro Paulo de Andrade
Melhor Curta do Festival Júri Técnico: O Projeto de Meu Pai, de Rosária

 

MENÇÕES HONROSAS

De que Lado Me Olhas, de Carolina de Azevedo e Elena Sassi
“Pela abordagem e atualidade do tema aliado à sua linguagem inventiva.”

Antonieta, de Flavia Person
“Pelo resgate de valor da memória de uma importante figura histórica.”

O Último Engolervilha Dois, de diretores associados
“Pela linguagem transgressora e excelência nas várias técnicas utilizadas.”

Sesmaria, de Gabriela Richter Lamas
“Pelo registro de uma realidade cruel e silenciosa do ambiente rural.”    

 

 * o autor viajou a Três Passos a convite do Festival.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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