Paulo Betti é um dos atores mais importantes do Brasil. Isso não é exagero, hipérbole ou afim, mas o reconhecimento da relevância de uma carreira que passa não apenas pelo cinema, mas também pela televisão e o teatro, de forma consistente. Ele venceu uma vez o Prêmio Guarani de Melhor Ator (em 1997 por Guerra de Canudos) e foi indicado em 1999 à mesma láurea por Mauá: O Imperador e o Rei. A fim de trocar uma ideia conosco sobre Uma Noite Não é Nada (2019), sua nova colaboração com o cineasta Alain Fresnot – a anterior tinha sido em Ed Mort (1997) –, Paulo nos atendeu gentilmente antes de começar uma reunião para definir as estratégias de lançamento de A Fera na Selva (2017), filme no qual divide o protagonismo e a direção com a ex-esposa Eliane Giardini. E ele já nos adiantou que provavelmente essa parceria chega aos cinemas em outubro deste ano. Solícito, o ator/diretor falou conosco sobre a parceria com o velho amigo, as particularidades de seu personagem e o momento conturbado que as artes vivem no Brasil. Confira, então, este Papo de Cinema com o grande Paulo Betti.

 

Paulo, o que mais te atraiu no Agostinho?
Olha, foi a solidão, o desespero do personagem, essa sua vontade de estar vivo de alguma maneira. Por que um cara faz aquilo, por exemplo, de violar a menina? A vida não tem sentido às vezes. O senti como alguém desesperado, especialmente diante do envelhecimento. E ele se projeta sobre aquela moça para se sentir vivo. O que me atraiu foi isto de poder representar um personagem no limite do desespero e do tédio.

Como foi trabalhar novamente com o Alain Fresnot, mais de 20 anos após o Ed Mort?
A gente tem uma parceria boa. Gosto do jeito dele filmar. O Alain tem uma organização como diretor bastante peculiar, própria de alguém que foi montador. Ele filma não exatamente na sequencia emocional das cenas, mas privilegiando o ponto de vista da montagem. Foi realmente muito legal fazer esse filme.

 

O filme tem algumas cenas em que a intimidade dialoga com a violência, sobretudo entre você e Luiza Braga. Como vocês se prepararam para esses momentos?
Fiquei bastante amigo da Luiza. Ela é uma moça muito inteligente e interessante. Conseguimos fazer as cenas com um nível bacana de entendimento e entrega. Havia um respeito grande entre nós. Tínhamos a dimensão de que estávamos fazendo um filme e que isso era o mais importante. Acho que foi bacana. Participamos de alguns ensaios, especificamente durante uma semana na casa do Alain, e foi assim que nos preparamos. Há cenas quase inexplicáveis de tão absurdas e limítrofes. Para mim, o limiar do insuportável foi aquilo evolvendo a injeção.

 

O Alain oferece uma leitura, cada espectador vai ter a sua, mas de que forma você compreende aquele momento com a seringa, um ato solitário e extremo?
Existem momentos em que as pessoas querem provar alguma coisa para elas próprias ou aos outros. No caso, ele quis atestar o amor que tinha por Márcia. As pessoas fazem tatuagens, algo dolorido. Sempre que alguém faz alguma tatuagem, marcando seu corpo para sempre, está provando algo para si próprio, isso além de comunicar. Agostinho queria demonstrar ser capaz de viver fora daqueles limites, ou mesmo de morrer fora desses limites. De certa maneira é uma rebelião. Ele quer ser igual a ela. Não gosto muito de ficar analisando. Geralmente apenas vou e faço.

Luiza Braga, Paulo Betti e Alain Fresnot – Foto: Aline Arruda

E a cena do abuso, a mais controversa do filme? Como foi a filmagem dela?
Vejo o abuso como algo mais inteligível. Agostinho está desejando aquela mulher. Fazer a cena em si foi tranquilo, já tínhamos tido contato com ela no roteiro, sabíamos que ocorreria e como se desenrolaria. Eu e a Luiza combinamos como seria tudo. Nossa parceria fez com que pudéssemos rodar a cena com serenidade. É um momento de grande morbidez, mas do ponto de vista da execução foi relativamente simples, descomplicado.

 

O segundo ato do filme é basicamente uma derrocada. Foi particularmente difícil fazer essas cenas de declínio físico?
Enquanto rodava, não me dei conta de uma coisa que entendi somente ao assistir ao filme. Você vai envelhecendo e não percebe bem esse processo. Em dado momento, simplesmente você se dá conta. De certa maneira, esse filme me jogou na cara isso. Como fiquei muito tempo imobilizado, não percebi de pronto, apenas me dei conta depois. Esse filme definitivamente marca minha entrada na velhice (risos). Não é muito agradável, mas é melhor que a opção.

Com Luiza Braga – Foto: Aline Arruda

Saindo um pouco do filme, como você enxerga o atual momento do nosso cinema, inclusive com as novas políticas públicas referentes à Ancine e os cortes de verbas federais?
Vejo isso com estupefação. Não tem saída, a não ser tentar tirar logo esse idiota daí (referindo-se ao presidente Jair Bolsonaro). Temos de ver de que maneira agir para mais breve possível interromper esse massacre. Estamos sendo massacrados. O fascismo ataca prioritariamente a cultura e a educação. Não há hipótese de não sabermos o que está acontecendo. A situação é grave e exige que nos defendamos, antes que tudo vá irremediavelmente por água abaixo.

 

(Entrevista concedida por telefone em agosto de 2019)

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