Nascido no dia 04 de junho de 1995 na pequena cidade de Västeras, no litoral da Suécia, Gustav Lindh deu seus primeiros passos no campo da atuação nos palcos, participando de montagens de musicais de forte repercussão junto ao público. Após estudar na Academia de Teatro de Malmö, começou a alternar aparições na televisão e no cinema. Seu primeiro longa foi o suspense O Círculo (2015), ao lado de Sverrir Gudnason. Em seguida chamou atenção na comédia All Inclusive (2017) – no mesmo ano, foi premiado com o Troféu Rising Star no Festival de Estocolmo. Seu desempenho mais comentado na tela grande, no entanto, ainda estava por vir: Rainha de Copas, em que aparece como um adolescente de 17 anos que se envolve romanticamente com a própria madrasta. Por esta atuação, ganhou o prêmio de Melhor Ator no Festival de Hong Kong, além de tê-lo levado a uma volta ao mundo – inclusive no Brasil. De passagem por São Paulo, o jovem astro conversou com exclusividade com o Papo de Cinema, e falou um pouco melhor sobre essa experiência. Confira!
Olá, Gustav. Acredito que esse seja o seu primeiro trabalho a ser exibido no Brasil. Você havia estado antes no país?
Sim, exatamente. Sou ainda muito jovem, espero que meus próximos filmes também sejam lançados por aqui. É muito bom saber que pessoas do outro lado do mundo estão compartilhando da sua arte. E poder ver isso de perto, como estou fazendo agora, é ainda mais estimulante. Essa é minha primeira vez no Brasil, e posso afirmar que estou encantado apenas por estar aqui. Vocês tem um país maravilhoso. Todo mundo tem sido incrível comigo, só posso agradecer. Tem sido muito legal aproveitar e descobrir tudo o que Rainha de Copas tem me oferecido.
Vamos falar sobre isso, então. Como você se envolveu com Rainha de Copas?
Foi bastante simples, não houve nenhum mistério. Certo dia estava no meu apartamento, em Estocolmo, fazendo nada de especial, quando lembro de ter recebido um e-mail com esse convite. Na mesma mensagem, me mandaram algumas cenas, para que pudesse ter uma melhor ideia de como seria o trabalho. O pouco que li foi suficiente para perceber que era algo que não poderia deixar passar. Tanto é que fui para Dinamarca me encontrar com os produtores. Era uma aposta, pois havia sido chamado para um teste, apenas, não havia certeza nenhuma que o papel seria meu. No entanto, devo ter feito algo certo (risos), pois gostaram do que viram, e acabei sendo chamado de fato. Nesse primeiro encontro, de imediato percebi que tinha uma boa química tanto com a Trine Dyrholm, minha parceira em cena, como com a diretora May el-Toukhy.
Em algum momento chegou a ter receio se deveria ou não aceitar esse papel?
Isso foi em 2017, para você ter ideia, e se passou um longo tempo até o início das filmagens. Não cheguei a ficar em dúvida se deveria ou não aceitar o papel. O receio que tinha nesse período de espera foi que talvez tivessem esquecido de mim, ou desistido e chamado outro no meu lugar (risos). Pensei que iria explodir de tanta ansiedade. No entanto, quando tudo foi confirmado e me dei conta, de fato, onde havia me metido, percebi que teria que entregar o melhor de mim para estar à altura dessa equipe incrível que havia sido reunida. Tive que levantar meu jogo. Gosto de desafios, e tudo isso fez com que buscasse estar preparado para o que fosse preciso.
Você não é um adolescente, como o seu personagem. Mas vocês dois compartilham do mesmo nome, por exemplo. No que mais vocês são parecidos?
É curiosa essa questão de termos o mesmo nome. Sabe, isso não foi intencional, quando li o roteiro o personagem já chamava assim, foi mera coincidência. Bom, deixa eu ver. É difícil dizer no que sou parecido com ele. Afinal, nunca passei por uma situação como a que ele enfrenta, e nem consigo imaginar como reagiria diante de um contexto como esse. No entanto, me senti próximo dele pela forma como reage ao que lhe acontece. Essa integridade, sabe? Ele é feliz com a vida, assim como eu. Mas tenho uma ótima família, sempre tive muito suporte ao meu lado. Ele, infelizmente, não tem isso, e por isso que acaba acontecendo o que vemos no filme. Não tem confiança em si mesmo, e isso é o pior. Não consigo me relacionar com isso, pois é uma experiência do personagem, não é algo que tenha experimentado. Minha família sempre me apoiou muito. Mergulho muito em cada personagem, e o Gustav me permitiu vislumbrar possibilidades com as quais nunca havia me confrontado.
E o que o Gustav real tem de diferente do Gustav da ficção?
Nossa, você está me provocando (risos). Sabe, esta é uma pergunta muito intrincada. Pois não sei. É tudo muito complexo. Este não é um personagem unidimensional. Não sou eu ali, é o personagem. Portanto, não consigo dizer que, uma vez na mesma situação, agiria como ele ou completamente diferente. Gosto de pensar que faria outras escolhas, seguiria por caminhos distintos, mas isso é restrito ao campo das hipóteses. Pode ser que sim, mas pode, também, ser que não. É uma incógnita.
O público passa por sentimentos muito contraditórios durante o filme, torcendo ora por uns personagens, ora por outros. Você acredita que essa era a intenção original da diretora? Como foi o trabalho com May el-Toukhy?
Ela queria fazer um filme muito poderoso e complexo com esses personagens. Creio que conseguiu. O que vemos em cena é uma jornada emocional, e assistir a esse filme é uma experiência bastante singular. Era a intenção dela misturar tudo. Foi, provavelmente, a relação mais poderosa que já tive num set de filmagens. Ela é ótima, uma diretora incrível, uma artista de verdade. Fez com que todo mundo se sentisse seguro, mesmo diante das opções mais arriscadas. Fui levado à sério em cada sugestão. Fiz parte da construção do personagem, de tudo que ele traz para a história. Nada era fechado, o processo, do início ao fim, foi muito colaborativo. Ela é maravilhosa, uma profissional incrível e uma pessoa maravilhosa. Adoraria trabalhar com ela novamente. Se me chamar mais uma vez, pode ter certeza que ao lado dela estarei.
E com a Trine Dyrholm? Como foi desenvolver essa relação de tanta confiança entre vocês?
Somos muito amigos. Ou melhor, ninguém passa por uma experiência como a desse filme sem se transformar também. Admirava o trabalho dela há anos, mesmo antes de conhecê-la. Então, quando me disseram quem seria o meu par em cena, senti as pernas tremerem. Ela é muito segura em tudo que faz, uma artista completa, além de tranquila. Sabe observar, respeita os tempos dos outros, está disposta a ouvir e também a ensinar. Não por acaso, é uma das maiores da Europa. Foi maravilhoso passar por tudo isso com ela ao meu lado. Faria novamente tudo de novo, sem pensar nem por um instante, se me fosse garantido que a Trine estaria comigo. Tudo o que vivemos estará comigo para sempre.
Há sexo explícito em cena. Tudo que é visto é real? Como foram os ensaios? Foi necessário o uso de protéticos ou maquiagem, por exemplo?
Sim, há próteses, truques de câmera e maquiagem em algumas sequências em especial. Foi preciso também o uso de muita coreografia. Todo mundo sabia o que iria acontecer. Não houve nenhuma surpresa de última hora. Cada movimento, como iríamos nos portar um com o outro, o que a diretora queria e como poderíamos contribuir para o resultado final, era tudo muito ensaiado. Bastante profissional, da parte de todos os envolvidos, pois ainda que a equipe fosse reduzida nessas sequências mais íntimas, ainda assim havia um exército ao nosso lado. Ninguém fica completamente sozinho num set de filmagens. Então, para que tudo desse certo, do início ao fim, era preciso ter um controle absurdo da situação. Eu e Trine nos entregamos de corpo e alma ao que a diretora pedia, e agora, com o filme pronto, penso que o resultado ficou bonito de se ver.
O que você conhece do cinema brasileiro?
Não muita coisa, infelizmente. Vi alguns filmes, tempos atrás, mas precisaria conhecer mais. Você sabe, não é toda hora que um filme brasileiro entra em cartaz nos cinemas suecos. Imagino que o contrário também aconteça por aqui. Mas tem um em especial que lembro de ter assistido e gostado muito: Tropa de Elite (2007). Nossa, esse foi um filme que me marcou demais. Fiquei impressionado não apenas com a técnica, com o domínio de câmera, mas também com a história, com aquele mundo tão violento e absurdo, mas, ao mesmo tempo, completamente hipnotizante. Quero mais. Quem sabe durante essa minha estadia por aqui não consigo conhecer outros filmes?
Como foi a reação do público europeu na estreia do Rainha de Copas? Você acredita que aqui as pessoas irão reagir de outra maneira?
Não tenho a menor ideia. Antes de mais nada, espero que vejam o filme. Se isso acontecer, já me darei por feliz. Sou muito fã de cinema, gosto da experiência da sala escura, e penso que esse é um filme muito bonito, daqueles que merecem ser visto na tela grande. É uma obra de verdade, que intriga, mas também sabe ser tocante nos momentos certos. Espero que a resposta seja tão boa como foi na Europa. Por todos os lugares por onde tenho passado, tenho observado as melhores reações possíveis. Torço para que no Brasil o mesmo aconteça.
Rainha de Copas é um dos possíveis representantes da Suécia no Oscar 2020. Se isso acontecer e vocês forem indicados, qual será a sua reação?
Nossa, nem quero pensar nisso. Sim, seria a realização de um sonho. Ir até o Oscar com esse grupo de pessoas, profissionais que amo e respeito, seria maravilhoso. O filme tem sido muito elogiado, há até bolsas de apostas em torno dessa possível indicação, mas não gosto de me adiantar. Vamos ficar na torcida, é claro, mas sempre pensando que quanto maior for o destaque que recebermos, maiores serão as possibilidades das pessoas descobrirem a nossa história. No final, é só isso que importa.
(Entrevista feita por telefone na conexão São Paulo / Porto Alegre em setembro de 2019)
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