Rosane Svartman é um dos nomes mais ativos do cinema nacional desde o início desse período que ficou conhecido como a “retomada”, ou seja, desde a metade dos anos 1990. Seu começo foi assinando, como roteirista, um dos episódios de Veja Esta Canção (1994), de Cacá Diegues, e logo em seguida estreou como realizadora com a comédia jovem Como Ser Solteiro (1998). Agora, com Pluft, O Fantasminha, chega ao seu quinto longa-metragem, tendo dirigido nestas mais de duas décadas também diversos curtas e projetos para a televisão. Premiada nos festivais de Brasília e Miami, entre outros, conta também com uma indicação ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro – o Oscar da produção nacional – entre seus muitos reconhecimentos. Seu trabalho mais recente é a adaptação do texto clássico de Maria Clara Machado, que chega agora aos cinemas cheio de expectativas, tanto pela história, como pelo investimento nos efeitos especiais. Aproveitando esse lançamento, a cineasta conversou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira!
Olá, Rosane. Pluft, O Fantasminha, é um filme que enfrentou uma longa jornada até sua estreia, certo?
Pois então, está fazendo dez anos. Adorei ter feito o Tainá: A Origem (2011), que foi meu primeiro longa voltado ao público infantil. O Desenrola (2010) era mais juvenil, e me deu vontade de continuar com um novo projeto para crianças. Foi quando lembrei de uma peça que havia marcado a minha infância, o Pluft, O Fantasminha. Foi nessa época, por volta de 2012 ou 2013, que pedi para o José Lavigne me apresentar de novo para a Cacá Mourthé. Já a conhecia, sabia que era uma pessoa legal e que poderia adaptar bem esse texto para o cinema, mas fazia tempo que não a via. Queria retomar esse contato. Além disso, ela detém os direitos da peça, é herdeira intelectual da Maria Clara Machado, as duas chegaram a trabalhar juntas.
Então tudo começou nessa conversa com a Cacá Mourthé? Como recebeu esse convite?
Ela foi super sincera. Assim que falei da minha ideia, me disse: “olha, tu não é a primeira pessoa que me procura”. E apontou o que, para ela, seria o maior desafio de uma versão cinematográfica: o fantasma. “Como você vai fazer o Pluft e a família dele, como os fantasmas irão aparecer em cena?”. Chegou até a dizer: “se for pra fazer um menino cinza, pendurado por uns fios, transparente, por favor, né?”! E era justamente o que estava pensando: um menino cinza pendurado e transparente (risos)! Fiquei sem saber o que dizer. Mas foi paciente, e me disse: “vai lá, pensa a respeito, tenta descobrir como transportar a magia do teatro para o cinema”. Essa foi a nossa maior dificuldade, ficamos um ano fazendo testes, experimentando ideias, até voltar a conversar com ela.
Pelo jeito, não havia mesmo como ser um projeto rápido.
Pois então. Foi um ano só pensando como os fantasmas iriam aparecem na tela. Mais uns dois anos trabalhando no roteiro e na captação de recursos. Depois tivemos que fazer outros testes, a partir do momento em que decidimos fazer o filme em 3D. As filmagens também foram divididas em duas etapas, primeiro com as pessoas, os ‘humanos’, e depois só os fantasmas, que filmamos embaixo d’água. Além disso, tem que entrar nessa conta os dois anos da pandemia.
O filme estava pronto antes do Covid-19?
A intenção original era lançar em 2020. Acho que tem uma coisa bacana que foi a oportunidade que tivemos de sentar e conversar com o nosso distribuidor, o Bruno Wainer, e discutir essa nova estratégia de lançamento que nos foi imposta por causa da pandemia. Claro, a gente poderia pular as janelas, deixar os cinemas de lado – afinal, estavam todos fechados – e exibir direto no streaming. Por outro lado, ficamos pensando: “puxa, fizemos o filme em 3D, é um projeto que pede por esse lado sensorial, o susto do fantasma, tudo isso pesa muito”. Então, ficamos nessa: será que não dava pra esperar? Todo mundo concordou de boa: “ah, claro, vamos esperar, que tal um mês?”. Só que esse um mês virou dois, depois seis, quando vimos era um ano, e daí dois anos… E os cinemas em 3D foram os últimos a reabrir, por causa dos óculos. A gente teve que esperar, não teve jeito.
Pluft faz parte do imaginário de muita gente. Como foi se apropriar dessa obra e fazer desse um filme da Rosane Svartman?
Engraçado isso. Sabe, nunca assino “um filme de Rosane Svartman”. É sempre “dirigido por”, ou algo assim. Porque o filme não é meu, é uma obra coletiva. Pra dirigir, você é como um maestro numa orquestra, fica lá coordenando quem vai tocar, em que altura… mas tem que ter escuta. Tem que saber ouvir. Por exemplo, quem deu a ideia de filmar o Pluft e os demais fantasmas debaixo da água foi o nosso fotógrafo, o Dudu Miranda. Ele virou para mim e perguntou: “você já viu aquele clipe do Portishead que ela canta embaixo d’água?”. É o videoclipe da canção “Only You”, que foi todo filmado assim, e tem nele até um menino. Lembra muito o Pluft. Estava testando vários caminhos, e esse certamente era um deles. Tinha que ver como fazer, se seria prático, como as pessoas falariam debaixo d’água? Se não tivesse escuta, talvez não tivesse achado esse Pluft que ajudei a criar e dirigir, sabendo juntar tantas ideias. Você tem que ter escuta, mas também filtro. O que vale ou não ser aproveitado. Acho que o termômetro vem. Lembro de ver no teatro, algumas frases ficaram comigo. A poesia permaneceu, e aquela mensagem sobre ter medo e o que fazer para superá-lo. Era esse olhar de criança, esse frescor de descoberta que queria encontrar, achar essa magia.
A trama foi adaptada, com alterações, os palcos para o cinema. Como foi criar uma nova história para o Pluft?
Isso nos tomou dois anos. No começo, sentamos e começamos a nos perguntar nas ações paralelas: “onde o pirata está quando o Pluft faz isso ou aquilo?”. Não queríamos que fosse teatro filmado, tinha que ser um filme que respeitasse o universo da Maria Clara. Aquilo foi crescendo a tal ponto que acabamos incorporando o circo, que é do Cavalinho Azul, outra obra da Maria Clara Machado. Foi virando algo que nem sabia como seria feito. Até o momento em que a Cacá Mourthé virou pra mim e disse: “acho que você perdeu o foco, tem que voltar ao Pluft”. Era o Pluft que tinha que contar essa história. A partir disso, começamos a diminuir, ainda que houvesse um esforço em manter algumas das ações paralelas. Outra coisa que nos ajudou foram os envolvimentos anteriores dessa equipe com a obra. O Lavigne fez seis montagens diferentes do filme. A Cacá participou de montagens nos palcos com a Maria Clara. Então, os dois tinham muita propriedade pra falar como ela havia criado essa história, em que momento da vida dela. Sabendo onde a gente estava pisando, pudemos transformar um pouco o que seria contado.
Tem algum exemplo pontual dessas alterações?
O perfil da Maribel. No filme é muito mais combativa, aguerrida, guerreira mesmo. Mais a cara das meninas da nossa época, mais contemporânea. Mais para o final, também, alguém teve a ideia do Pluft não contar tanto com o tio Gerúndio. Afinal, ele era a cavalaria, aquele que chega e salva todo mundo. A gente quis fazer que esse socorro chegasse atrasado, dando a chance para o Pluft, sozinho, salvar o dia.
Pluft, O Fantasminha é um filme que chama atenção também pelos aspectos técnicos. Qual o maior desafio que enfrentaram nessa realização?
Foi uma certa obsessão. Na real, os desafios foram muitos. Filmar em 3D, por exemplo. Queríamos filmar com tecnologia brasileira, com profissionais que atuam no Brasil. Foi um passo a passo. Tem uma frase no cinema que diz “ou você tem tempo ou você tem dinheiro”, mas o que acho é que você precisa ter, mesmo, é planejamento. Fui assistente de direção por muitos anos, então podem me chamar de ‘a louca do planejamento’, da ordem do dia. A gente fez storyboard do filme todo, para ter uma ideia. Gravamos uma leitura com os atores, e que nem o Hitchcock fazia, montamos o storyboard a partir dessa leitura. Assim pudemos antecipar quando seria plano geral, plano médio, e assim por diante. Foi um processo trabalhoso, e filmar em 3D deixou ainda mais complicado. É uma câmera pesada, com duas equipes, uma à direita e outra à esquerda. Quando fomos para debaixo d’água, também nos exigiu muito. Os atores tiveram que treinar apneia, quanto tempo conseguiam segurar sem respirar, desenvolver esse estúdio submerso. Depois montamos o filme, e o que nos permitiu visualizar a cena no chroma recortado, pra analisar se a entonação dos atores estava correta, o tempo da fala. Nem sei dizer qual foi o momento mais difícil, pois foi um passo de cada vez. O importante, portanto, era sempre saber onde você quer chegar.
E na direção dos atores, teve alguma diferença entre quem estava embaixo d’água e quem estava no seco? Como foi orientá-los nesses dois momentos?
A gente ensaiava fora d’água, e depois dentro d’água. Tudo com o auxílio de caixas de som e a equipe inteira envolvida. A gente também não podia ficar subindo e descendo a todo instante por causa da pressão d’água, então fazíamos duas ou três cenas fora, depois as mesmas dentro, e assim por diante. Uma coisa que foi importante é que alguns closes deu pra serem feitos fora d’água. Nesses casos, os atores tentaram imitar um pouco dessa atmosfera da água. A Fabiúla Nascimento deixou a mãe fantasma um pouco bailarina, por exemplo.
Você segue apostando no cinema brasileiro infantil. Já foi um filão muito explorado, mas que anda meio carente. Como você vê esse cenário?
Espero que Pluft, O Fantasminha seja uma retomada, não só um novo início, mas também uma continuidade. A gente tem algumas franquias que tem dado certo, como a Turma da Mônica ou os Detetives do Prédio Azul, até a própria Tainá. É importante termos essa visão prismática, do que é o Brasil através do olhar das crianças. Até para assistirem as nossas histórias e construírem suas ideias de arte e cultura, de identidade mesmo, a partir desse mosaico. Quanto mais filmes estiverem partindo desse conceito, melhor. Sou absolutamente apaixonada por esse público.
Podemos pensar em Pluft 2?
Eu gostaria muito de filmar O Cavalinho Azul. Poderíamos, sim, fazer o reencontro de Maribel e Pluft, mas penso na obra da Maria Clara Machado como um todo. Ela é única. É o grande nome do teatro infantil brasileiro. Seria maravilhoso poder adaptar, com a mesma mágica de assistir às peças no teatro, e trazer esse sentimento para o cinema.
(Entrevista feita por zoom em julho de 2022)
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