Um dos grandes nomes do cinema italiano contemporâneo, Daniele Luchetti conta com nada menos do que 5 vitórias no David di Donatello – nada menos do que o ‘Oscar’ da Itália! Indicado também ao European Film Awards e com passagens pelos prestigiosos festivais de Veneza, Chicago, Munique, Sevilha, Tóquio, Locarno e San Sebastian, soma mais de uma dezena de premiações ao redor do mundo. Recentemente, esteve nas telas nacionais com a comédia dramática O Rei de Roma, que concorreu ao Prêmio Cinefoundation no Festival de Cannes 2018 e está chegando agora às plataformas de streaming do país. Aproveitando a oportunidade, nós fomos conversar com o cineasta, em um bate-papo inédito e exclusivo. Confira!
Olá, Daniele. Io Sono Tempesta, o título original, foi batizado como O Rei de Roma no Brasil. Curiosamente, essa frase até é dita durante o filme, mas não pelo protagonista. Quem é o verdadeiro rei de Roma, portanto?
Esta é uma boa pergunta, na verdade. O Tempesta, nosso protagonista, interpretado pelo carismático Marco Giallini, pode até se considerar o dono, mas é patrão apenas dos reis materiais. Éo personagem do Elio Germano, o Bruno, que tem acesso aos bens não materiais, àquilo que não pode ser tocado. É um homem de muita generosidade, que consegue transmitir todo o amor que dentro de si ao filho e também aos outros que estão na mesma situação que eles. Ou seja, o personagem do Tempesta parece que tem tudo, mas não nada é dele. E o contrário acontece com o Germano, que tem o amor de todos. Acho que fica claro quem é o verdadeiro ‘rei’ nessa equação.
Marco Giallini e o Elio Germano, um parceiro habitual teu, estão incríveis, mas chama atenção também a participação do Marcello Fonte, de Dogman (2018) – que premiado em Cannes. Como foi reunir esse elenco?
Na realidade, quando o Marcello Fonte fez esse filme, ele não era muito conhecido. Tinha feito apenas pequenas participações. Foi o Elio Germano que o sugeriu ao Matteo Garrone para que fizesse o Dogman. E porque tinha gostado muito de trabalhar com ele. A parte interessante de O Rei de Roma é que a maior parte do elenco, aqueles que interpretam os pobres, não são profissionais. É gente de rua, que ficavam no centro social. Fizemos um trabalho com eles, e ficaram um no nível dos outros. Foi um desafio também para os atores profissionais, portanto, pois tiveram que atuar com pessoas que nunca havia trabalhado no cinema.
E com o Marco Giallini, houve alguma orientação especial?
O Marco tem uma personalidade muito próxima a do personagem. Se fosse ele mesmo, já seria perfeito. Mas foi dado ao personagem um contexto, o que o obrigou a se exercitar. Ele conseguiu segurar de uma maneira incrível aquela relação, com o poder e a relação pública. Ele é assim na vida privada, foi só descobrir como trazer isso para ficção e criar o Tempesta.
O primeiro filme que você dirigiu a ser exibido no Brasil foi Meu Irmão é Filho Único (2007). Quem o conhece por esse trabalho, o que pode esperar de O Rei de Roma?
Tem esse toque da comédia, que é muito característico do meu país. Creio que os dois filmes se assemelham nisso. A Itália tem essa questão de classes que é muito forte como debate. O rico de hoje foi o pobre de ontem, estão todos muito próximos. O inimigo social virou um amigo virtual. Os dois filmes são próximos, claro, pois ambos têm essa ideia de fazer um cinema social, político, através da comédia e de ambientes muito humanos. Um cinema de gente que faz política e levanta questões sociais, sem que o discurso, em si, seja politico. Sem fazer um cinema ideológico, mas falando de pessoas que fazem política. São coisas diversas. Contar dramas sociais através da comédia.
Como foi a passagem de O Rei de Roma pelos cinemas italianos? O filme foi um sucesso de bilheteria, certo? Que tipo de debate essa história provocou?
Fez sucesso, sim. Foi algo até um tanto inesperado, preciso confessar. Afinal, é um filme estranho, que foge um pouco da narrativa mais convencional. Talvez por isso, tenha sido recebido como uma comédia surreal. Um tom bastante particular do cinema italiano, que não se vê com tanta frequência. Teve um bom público, as bilheterias foram boas, as pessoas compareceram em massa e discutiam a respeito da história, gerou bastante conversa a respeito. É um filme autoral, mas, ao mesmo tempo, bastante popular.
Em certo momento, os golpes do milionário são aplicados nele mesmo pelas pessoas humildes que estão ao redor. E quando fica sabendo, ao invés de se irritar, os parabeniza. Que tipo de comentário você quis propor com essa inversão?
O protagonista vai ao centro social para se transformar em uma pessoa boa. E é o contrário que acaba acontecendo, os outros é que acabam aprendendo os golpes dele. Ele fica contente, claro, pois ganha aliados. O modo justo de viver é o dele. Ele ganha alunos. Essa era a minha intenção, mostrar como o Tempesta é um monstro simpático, mas com uma grande capacidade de corrupção. Ele pode estar errado, mas é um tipo de personagem que funciona como um espelho do país, pois representa um tipo muito comum na Itália. Tem uma capacidade de corromper os costumes e os hábitos, e com alegria, sempre com um sorriso no rosto. Isso é algo que começou vinte anos atrás, com Berlusconi, e não dá sinais de que vá terminar tão cedo. Está na nossa cultura, e ficou em evidência com as redes sociais, como tem corrompido todo mundo. O poder está nas mãos da Direita. E as mídias criam falsidades, que as pessoas compram. Tanto na Itália como aí no Brasil também. Cancelando anos de avanço no que diz respeito aos Direitos Humanos. E as vítimas nem se dão conta. Afinal, “são pessoas como nós”.
Você conhece o Brasil? O cinema brasileiro? Como acha que o público daqui irá receber O Rei de Roma?
O pouco que conheço do cinema e da televisão brasileira, é sempre muito interessante. Percebemos um forte debate sobre os conflitos sociais, compatível com as nossas culturas. O Rei de Roma é um filme que fala muito bem com as realidades dos dois países.
(Entrevista feita por telefone na conexão Porto Alegre / Roma em março de 2019)
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