Olivier Peyon é um dos grandes nomes do atual cinema francês. Diretor e roteirista, é responsável por filmes como Les Petites Vacances (2006), exibido nos festivais de Mannheim-Heidelberg, na Alemanha, e Cleveland, nos Estados Unidos, ou o documentário Como eu Odeio Matemática (2013), indicado ao César, o Oscar da França. E ainda que este último tenha sido exibido ao público brasileiro durante o My French Film Festival de 2015, foi somente dois anos depois que o cineasta fez sua primeira visita oficial ao país, e dessa vez para apresentar seu trabalho seguinte, o drama O Filho Uruguaio (2017) – o primeiro dos seus longas a ser lançado comercialmente no Brasil. E após termos conversado com Peyon durante estas sessões iniciais do filme por aqui, voltamos a entrar em contato com ele agora, mais de seis meses depois, para um bate-papo inédito e exclusivo sobre esta comovente história inspirada em fatos reais e filmada no nosso vizinho Uruguai. Confira!
Olá, Olivier. Como surgiu a ideia de O Filho Uruguaio?
Tudo começou com uma história real que aconteceu com um amigo meu. Ele tinha apenas dois anos de idade quando foi sequestrado pelo próprio pai. E foi preciso que o melhor amigo da mãe dele viajasse até um outro país para ir atrás dele e resgatá-lo. Esse foi o nosso ponto de partida, mas a partir disso tudo foi inventado para o filme. Não se trata de um documentário, ou de uma transposição fiel dos fatos: é uma história de ficção, acima de qualquer coisa. O que se passou é que quando fiquei sabendo que isso havia acontecido com ele tudo me soou muito interessante, pois na mesma época estava procurando por uma ideia para um novo filme, e essa me pareceu bastante adequada.
As filmagens foram feitas no Uruguai, certo?
Sim, filmamos no Uruguai. Isso foi uma das coisas que me atraiu na possibilidade de fazer esse filme, pelo fato da história se passar em um outro país, pela oportunidade de sair da França. Tinha essa vontade de viajar e filmar em um outro lugar. No começo, pensava em ir para a Argentina, pois tenho vários amigos lá. E essa história se encaixava nesse desejo. Foi com isso em mente que comecei a escrever o roteiro.
Como foi realizar uma produção francesa em um país do outro lado do mundo?
Olha, na verdade não foi tão diferente assim. É claro que o Uruguai tem suas particularidades, bem distintas da França, mas não houve um grande choque de culturas, se é que você me entende. Antes das filmagens, quando ainda estava em casa, me peguei pensando: “nossa, vai ser muito difícil, no que foi que me meti?”. Mas a realidade é que as coisas no Uruguai foram muito mais simples do que poderia ter imaginado. É essa facilidade se deve muito pela atuação do meu produtor uruguaio, Fernando Epstein.
Como foi a escolha das locações?
Bom, como comentei antes, a ideia inicial era que se passasse na Argentina. Tanto que, quando comecei a escrever o roteiro, foi em parceria com um diretor argentino, amigo meu. E minha intenção era filmar na cidade dele, no interior, num lugar onde já estive e que conheço muito bem. Só que tive a sorte de conhecer o Fernando, que talvez não seja muito famoso ainda, mas já é muito reconhecido por seu trabalho. Havia ouvido falar dele e conhecia os filmes que tinha produzido, como Whisky (2004). Então pensei: “bom, talvez ele seja a pessoa certa para assumir a produção executiva deste projeto”. Nós tivemos uma primeira reunião, e as impressões foram as melhores possíveis.
Você e o Fernando decidiram juntos onde filmar no Uruguai?
Exato. Foi a partir dessa nossa primeira conversa que tudo começou a se encaixar. Por causa dessa boa impressão, decidi ir até o Uruguai, justamente para procurar esses lugares que poderia funcionar no meu filme. Finalmente, descobrimos esse pequeno vilarejo, chamado Florida, que se revelou muito melhor do que aquele anterior que havia me programado. Tendo definido isso, decidi reescrever novamente o roteiro, agora com essa nova cidade em mente.
O Fernando Epstein é também conhecido aqui no Brasil, já tendo se envolvido em produções premiadas, como Boi Neon (2015), do Gabriel Mascaro, e o ainda inédito Benzinho (2017), do Gustavo Pizzi. Como foi trabalhar com ele?
Nós dois, de um jeito ou de outro, fazemos o mesmo tipo de cinema independente. Ele conseguiu reunir uma equipe no Uruguai incrível, estavam todos querendo e motivados a fazer esse filme. É a mesma conexão pelo cinema que vemos aqui na França, por exemplo. Sem falar de que estamos nos referindo a uma produção de baixo orçamento, então era preciso, mesmo, contar com a entrega e o comprometimento de todos os envolvidos. A equipe inteira foi ótima, fiquei muito satisfeito com o trabalho de todos. Quando você trabalha com as mesmas pessoas por dois, três, quatro dias seguidos, aquilo se torna a sua própria rotina. Faz parte de você. Claro, estava no Uruguai, e havia, ao todo, apenas umas cinco pessoas francesas na equipe. Então, no começo foi um pouco estranho. Mas logo estávamos tão envolvidos que essas diferenças praticamente desapareceram. Ainda mais em uma pequena cidade do interior do país, não foi como se tivéssemos ido para o meio de uma floresta!
Você se desenvolveu essa coprodução com o Uruguai?
Bom, o Uruguai é um país muito pequeno, e praticamente todo mundo se conhece por lá. Tudo bem que viemos da França, mas não tínhamos dinheiro algum, então foi importante contar com todas as parcerias possíveis. Por isso que ter o Fernando Epstein como produtor executivo foi tão importante, pois foi ele que conseguiu reunir a equipe uruguaia que se empenhou em fazer o melhor filme possível. Ele conhece todos os técnicos, os melhores profissionais, foi fundamental. Tivemos uma parceria profissional e artística, é claro, mas também de grande caráter humano, pois nos tornamos amigos após a realização deste filme. E não só com o Fernando, mas também com Agustina Chiarino. Os dois foram incríveis.
O Filho Uruguaio fala de uma questão muito importante, sobre os laços familiares e o quão frágeis eles podem ser. Por que era importante para você falar sobre isso?
Sim, é um filme sobre laços familiares e como é difícil lidar com eles. É uma questão sempre complicada, e cada pessoa a vê de um jeito. Quando estava trabalhando no roteiro, houve um grande debate político aqui na França sobre o casamento gay. As pessoas se perguntavam: “o que constitui uma família de verdade?”. Ainda é válida aquela estrutura clássica, com uma mãe, um pai e um monte de filhos? Então, com o meu filme tinha interesse, sim, em discutir estes pontos de vista. É claro que os laços de sangue seguem sendo importantes, mas há tantas outras conexões possíveis, não é mesmo? Família são pessoas, que se gostam e se preocupam umas com as outras e com as crianças que porventura decidirem criar juntas. Então, isso está no meu filme. Como essa mãe reage quando passa a se perguntar sobre a possibilidade do seu filho estar melhor com a avó do que com ela mesma? É sobre tudo isso, sobre os laços de verdade, e não apenas aqueles de sangue.
Como foi pensado o elenco?
A primeira pessoa a ser escolhida do elenco foi a Isabelle Carré, que interpreta a mãe. Ela é muito famosa na França, e quando fizemos o convite e mostramos o roteiro, ela aceitou na hora. Só que ela, assim como os demais atores, trouxe um outro problema para o filme – e essa foi a parte mais difícil. Estávamos na França decididos a fazer um filme no Uruguai, entende? Foi um processo longo, mas tudo começou a mudar quando encontramos o Dylan Cortes, que faz o Felipe, o filho. Só que ele, apesar de ser o melhor para o personagem, também não falava nada em francês! Ao contrário da Isabelle, que não falava espanhol. Então, foi preciso aprender, pouco a pouco. A María Dupláa veio através de um casting de atrizes uruguaias e argentinas – e, de todas que apareceram, ela era a única que também não falava francês! E o mesmo se repetiu com Virginia Mendez, a avó. A pré-produção foi quase como uma grande escola de línguas, eu tendo que aprender espanhol e eles se familiarizando com o francês. Foi muito engraçado. Estávamos todos aprendendo e ensinando ao mesmo tempo.
Foi preciso estabelecer uma grande relação de confiança, tanto de você com os atores como deles com você, não é mesmo?
No final, fiquei muito orgulhoso de todos os atores escolhidos, principalmente Dylan e Virginia, que passaram pelo maior processo de aprendizado. Maria, por exemplo, mora em Buenos Aires, e foi lá que a encontrei. Ela foi fazer o teste por engano, pois não sabia falar francês – e este era um pré-requisito. Porém, mesmo assim, se saiu tão bem que acabou sendo escolhida. Coisas da vida, né? Todos os demais personagens do filme, a maioria foram interpretados por atores não profissionais, que estavam tendo suas primeiras experiências como intérpretes. Eram pessoas que viviam lá mesmo, em Florida. Eu e o meu diretor de elenco, que era uruguaio, fomos até essa cidadezinha no interior do país e fizemos várias entrevistas com as pessoas de lá. O cara que vende o carro, por exemplo, ele é um mecânico de verdade. E ele foi fantástico. E os mesmo se deu com as outras crianças e demais coadjuvantes.
Ramzy Bedia é um grande astro na França, mas esse é um dos primeiros trabalhos dramáticos dele, não?
Depois de escolhida a protagonista, a segunda pessoa que precisávamos era de um rapaz, alguém que interpretasse Mehdi, o assistente social que a ajuda. Minha primeira ideia era contar com um ator que fosse famoso na França, por motivos de produção. Ao mesmo tempo, queria alguém que se desse bem com crianças e que fosse bastante emotivo. Foi essa complicada mistura que dificultou o processo. Simplesmente não estava conseguindo encontrar alguém que me agradasse. Nesse momento, nem havia considerado o nome do Ramzy, pois, sim, ele é muito famoso aqui, mas como comediante. Foi a Isabelle que me disse: “olha, acho que você deveria conversar com ele, talvez você se surpreenda, pois ele é maravilhoso”. E, de fato, uma vez que o conheci vi que, realmente, ele é uma pessoa fantástica. E para ele também foi uma decisão muito importante, pois esse foi o primeiro grande papel dramático da carreira dele. Quando O Filho Uruguaio foi lançado nos cinemas franceses, todas as notícias que saíram nos jornais eram sobre ele e a performance dele.
O filme já estreou na França e em outros países, certo?
O filme já foi lançado na França, na Suíça, e até mesmo no Brasil. Em junho do ano passado estive no Rio de Janeiro e em Porto Alegre apresentando O Filho Uruguaio, durante a programação de um grande festival de cinema francês. Essa foi uma oportunidade incrível, pois me permitiu conversar com os espectadores brasileiros. E preciso dizer: não há diferenças entre as reações do público, seja no Brasil, no Uruguai ou na França. As pessoas se demonstraram muito tocadas pela história.
Como tem sido as reações que você tem percebido do público?
Uma coisa interessante que muitos perceberam é que não há vilões, cada personagem tem seus próprios motivos para suas ações. Há uma grande compreensão por todos os lados. Obviamente, começam ao lado da mãe, mas pouco a pouco vão entendendo as razões dos demais personagens. Será que o menino deve voltar para a França? Não estaria ele melhor com a avó e com a tia? O próprio Mehdi, que está do lado da mãe, aos poucos começa a mudar de ideia e demonstrar uma preocupação maior pelo menino em primeiro lugar. Isso tudo acaba criando uma grande identificação com a audiência. Talvez, no Brasil os espectadores tenham sido um pouco mais calorosos – mas isso é porque estamos falando do Brasil, é claro, um país incrível que realmente sabe demonstrar suas emoções.
(Entrevista feita na conexão Porto Alegre / Paris em fevereiro de 2018)
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