Após sua estreia internacional na mostra competitiva oficial do Festival de Cannes 2025, de onde saiu como o filme mais premiado deste ano, O Agente Secreto (2025) finalmente está chegando às salas de cinema de todo o Brasil nessa quinta-feira, 06 de novembro. Entre um ponto e outro, uma série de sessões de imenso sucesso, tanto no Brasil, quando no exterior. Foi em um destes encontros, após a cerimônia de abertura do 58o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro – quando foi exibido hors concours – que o diretor Kleber Mendonça Filho conversou com o Papo de Cinema sobre este que é o seu sexto longa-metragem.
Escolhido para ser o representante oficial do Brasil no Oscar 2026, O Agente Secreto tem sido recebido com entusiasmo não apenas pelo público brasileiro, mas também no exterior. Nesse bate-papo inédito e exclusivo, o cineasta revelou como tem sido pensada a campanha para alcançar o ouro hollywoodiano, como foi trabalhar com o protagonista Wagner Moura e como esse novo projeto é, na verdade, um acúmulo de todos os seus esforços anteriores. E, mais importante: quem é, de fato, o agente secreto? Confira nosso papo de cinema a seguir:
Kleber, prazer falar contigo. Começando pelo título: O Agente Secreto. Como surgiu esse nome?
O título, na verdade, veio de outro filme que queria ter escrito. É o único projeto meu, até hoje, que não consegui escrever. É estranho, porque adoro a ideia. Mas não foi adiante. E quando cansei de tentar, meio que fiquei sem paciência, desisti da história, mas decidi reaproveitar o nome. Daí esse outro argumento começou a chegar com força em mim. Até por causa do Retratos Fantasmas (2023), longa que estava trabalhando na época. Foi quando entendi que O Agente Secreto era um título completamente transportável para o novo projeto.

Quem é, de fato, o agente secreto do filme?
Veja bem: não dou, e nem quero dar, a chave para que se entenda o título. Gosto dele porque é curto e sexy. E acho que pode render uma boa conversa com os amigos depois da sessão. Há motivos suficientes para honrar a tradição que esse batismo sugere. Afinal, há intriga no filme, há enigmas, há nomes falsos, tem ação, tem assassinatos.
Você fala em tradição, e penso na que você tem estabelecido com os nomes dos teus filmes. Bacurau é a cidade, Aquarius é o edifício, O Som ao Redor é uma referência ao bairro. Ou seja, é sempre o lugar onde a trama se passa. O Agente Secreto não seria também um espaço? Há vários planos enfocando as fotos dos presidentes militares da época, ações se passam em espaços públicos. Esse Brasil não seria um agente, igualmente secreto, que vendia um sorriso ao mesmo tempo em que apunhalava pelas costas?
Acho que você já começou uma boa conversa sobre o título. A promessa que o nome aponta é totalmente satisfatória dentro do filme no sentido de ter suspense, mistérios, identidades duplas. Mas se você foi educado por James Bond, talvez seja um problema. Não é exatamente isso. Ou Jason Bourne. É outra coisa.
Esses agentes, James Bond ou Jason Bourne, são o oposto do Marcelo, o personagem do Wagner Moura. Ele afirma: “não sou um cara de armas, só quero cair fora daqui”. Ele é quase um anti-herói.
Ele é um herói nos moldes que o James Stewart poderia ter sido. Um homem comum, um cara massa, que eu adoro, que não é exatamente perfeito. Muito digno, inteligente, safo, mas ao mesmo tempo sofrido. É um homem amoroso, que tem um filho e quer se reconectar com a criança. Durante a escrita do roteiro, ficava pensando nessa frase, não sei ao certo de onde veio, se do Oscar Wilde, ou de algum autor russo, que diz que “nenhuma boa ação ficará sem punição”. Tipo, fascinado pela ideia – algo que vejo muito no bolsonarismo – que exatamente por você fazer tudo do bem, acaba sendo castigado por isso. Esse comportamento vira um problema. Essa é a ideia, o verdadeiro ponto de partida dramático do filme. Esse cara não fez nada de errado. E é por isso que entra numa encrenca.

Gostaria de falar sobre a presença do sexo nos teus filmes. Na época do Aquarius (2016) se comentou sobre isso, “será que precisava?”, no Bacurau (2019) houve a mesma coisa, que era “muito forte”. O Agente Secreto não foge desse debate.
Acho que é consequência do ato de retratar o ser humano, a vida no planeta Terra. Nossa existência passa pela sexualidade, e deveria ser vista como natural e saudável. E só não é porque a cultura mais predominante, que mais exporta imagens e histórias, tem um problema religioso de puritanismo e conseguiram vender para o mundo inteiro um formato de pensamento através do qual a sexualidade é associada a coisas ruins. Isso me incomoda profundamente. Até porque tenho filhos, e não quero que cresçam como puritanos. Como pessoas que olham para o sexo com nojo, que acham ridículo. E não só por causa do pecado, esse é um conceito religioso, e mesmo quando você não segue nenhuma religião em particular, o sexo é vendido como ligado a algo ruim. Traumas, estupros.
É até certo ponto uma provocação ou é natural para você?
Não acho que sejam provocações. Quando você traça um panorama sobre a vida na Terra, o sexo deve fazer parte. O problema do sexo no cinema, principalmente hollywoodiano, ou norte-americano, de mercado, é que o sexo é usado como um plot device, ou seja, é porque ela vai morrer, ou ele vai morrer, ou um dos dois vai ser violentado, ou uma gravidez, enfim, vai gerar um problema. Ninguém trepa só porque é massa. Tento dar essa naturalidade narrativa. Tipo o projecionista, que vai verificar como tá a sessão de A Profecia (1976), vê que tem um casal trepando no cinema, faz um gesto de resignação e não acontece nada.
Como foi esse encontro com o Wagner Moura?
Wagner é um grande ator e uma grande pessoa. É a combinação perfeita. É só o que quero, conhecer grandes atores que sejam também grandes pessoas. Escrevi para ele esse roteiro. Foi tudo pensado sob medida, baseado no que conheço sobre ele, dos papeis marcantes que já teve na vida, tanto no teatro como no cinema e na televisão. Mas, ao mesmo tempo, queria vê-lo fazendo uma outra coisa, que não havia visto ainda. Simplesmente usar o carisma dele para contar a história e reagir, não tanto agir. Ele é mais um objeto de reação no filme. Por exemplo, o Capitão Nascimento é ação, é quem manda, quem vai, quem grita. O Marcelo não, é quase como um gato, precisa desviar, evitar. Precisa se safar.

Imagino a satisfação de vocês dois sendo premiados juntos em Cannes.
Foi inacreditável. Incrível. A gente fez um trabalho foda com esse filme, com muito respeito por todos e todas. E um pelo outro. Uma parceria danada, viramos amigos. De ir um na casa do outro. E sermos reconhecidos juntos na vitrine mais espetacular da história do cinema? Foi inesquecível.
O Agente Secreto percorreu o país com uma série de pré-estreias até enfim ser lançado. Por que esperar até o início de novembro?
Desde o começo queríamos a data de novembro para a estreia. Em termos de timing, é uma data bem escolhida. O Ainda Estou Aqui (2024) estreou na mesma semana, por exemplo. Acho que posiciona o filme bem para os meses de novembro e dezembro e até para o início do próximo ano.
Dos teus filmes, acredita que esse seja o com maior potencial de público?
Este filme, o que fizer nas bilheterias, será uma soma de todos os outros. Quando Aquarius fez 380 mil espectadores, algumas pessoas comentaram: “nossa, fez mais que O Som ao Redor”. Mas também foi a performance do anterior que ajudou o longa seguinte. É uma soma. Sem esquecer da própria energia de cada filme, que o faz ir além. No Bacurau, todo mundo dizia: “é o mesmo cara de O Som ao Redor e do Aquarius”. E fez mais de 800 mil. Então, sim, penso que O Agente Secreto pode ter mais público que os anteriores.

Você tem formado uma filmografia autoral. O espectador reconhece teus filmes como parte de um todo. É raro, ainda mais hoje em dia, quando os cineastas estão se portando como operários. São poucos os autores.
Acho que você, como observador, está mais equipado do que eu para fazer essa análise. Mas fico feliz por sempre ter feito exatamente os filmes que queria ter feito. Ninguém me mandou fazer nada nesse filme que não quisesse. Trabalhar não só com os colaboradores, mas com os atores e com a Emilie Lesclaux (produtora e esposa do KMF). Tudo fruto de uma série de acordos e concordâncias. De prazeres e de amizades. É engraçado, claro que o cinema tem suas tensões, mas O Agente Secreto foi uma experiência particularmente feliz. Os outros também foram. Mas se for colocar na balança a “felicidade”, esse foi campeão. Bacurau teve problemas de arroxo financeiro. Foi desagradável. Além de uma temporada de tempestades que não estavam previstas (risos). E mesmo assim adoro. Mas O Agente Secreto foi muito feliz, do início ao fim.
O Agente Secreto tem despontado em várias listas de previsões para o Oscar 2026. Como vocês estão se preparando para essa próxima temporada?
Quando me perguntaram “por que o seu filme merece ir para o Oscar?”, o que fiz foi expor os fatos. O Agente Secreto tá em campanha desde maio. Nem sabia que tava acontecendo, mas havia começado essa preparação quando o filme foi comprado pela Neon, depois de passar pela competição do Festival de Cannes. Obviamente, aquela é uma seleção de enorme prestígio. Já tive filme na Quinzena dos Realizadores, em sessões especiais, e todas são muito importantes, mas não há nada que se compare com ter um longa indicado à Palma de Ouro. E se você ganha como Melhor Direção, Melhor Ator, Melhor Filme pela crítica internacional e como Melhor Filme pela associação das salas independentes de exibição da França, você tem um caso muito particular de um filme de destaque no cenário internacional.
Cannes foi o pontapé inicial. Mas há uma campanha de meses pela frente.
A MK2, distribuidora internacional do filme, e nossos co-produtores na França, vendeu o longa para todos os territórios internacionais. Dá força, por exemplo, estarmos na MUBI no Reino Unido e na América Latina. Isso nos levou aos colégios eleitorais do Oscar, por assim dizer. Estivemos no Festival de Telluride, nos Estados Unidos, que foi um convite de muito prestígio – foi quando surgiram as primeiras previsões na Variety, a bíblia da indústria cinematográfica, o nos apontando para melhor filme internacional. Fomos ao Festival de Toronto, exibimos em Los Angeles, com minha presença e do Wagner. Ou seja, a campanha tem se desenrolado de forma orgânica, muito natural. Tudo isso faz crescer nossa presença internacional. E influencia também o lançamento no Brasil.

Muitos apostam que irá se repetir o feito histórico do Ainda Estou Aqui, que foi indicado também a Melhor Filme. O Agente Secreto tem despontado em várias categorias, não apenas em Filme Internacional.
Pois é. Temos aparecido também em Melhor Direção, Roteiro Original e Ator. E é claro que o Brasil abriu um portal no ano passado com a trajetória vitoriosa do Ainda Estou Aqui. É curioso que lá nos Estados Unidos a chegada d’ O Agente Secreto tem sido colocada no mesmo trilho por onde o filme do Walter Salles passou. O público de lá, ao ver o nosso filme, entende que é uma nova peça no quebra-cabeça para entender esse país e sua formação. Não é um filme de ditadura, mas que conta uma outra parte do Brasil e de sua história. Tudo isso junto me faz pensar que estamos num lugar muito positivo.
Entrevista feita ao vivo em Brasília em setembro de 2025
Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)
- O Agente Secreto :: “Esse filme é uma nova peça no quebra-cabeça para entender o Brasil e sua história”, afirma Kleber Mendonça Filho - 4 de novembro de 2025
- Honey, Não! - 2 de novembro de 2025
- Sonhos - 30 de outubro de 2025
Deixe um comentário