Ainda Estou Aqui

12 ANOS 115 minutos
Direção:
Título original: The In Between
Gênero: Drama, Fantasia, Romance
Ano: 0211
País de origem: EUA

Crítica

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Sinopse

Uma jovem sobrevive ao acidente automobilístico que vitimou fatalmente o seu namorado. Durante o processo de recuperação, ela começa a acreditar que o falecido está tentando manter contato a partir do outro mundo.

Crítica

Faz parte do ideal romântico a crença de que alguém surgirá para prover aquilo que nos falta. E o cinema já contou histórias muito bonitas utilizando essa concepção poética, irreal, mas ainda assim sedutora. De todo modo, a Sétima Arte ajudou a consolidar no nosso imaginário a ideia de que o amor pode vencer tudo, de que não há barreiras intransponíveis quando se ama de verdade. Sabemos que a realidade tem outras (inúmeras) cores e nuances. No entanto, Ainda Estou Aqui não está preocupado com a aspereza dessa vida real. Tudo começa com o acidente automobilístico que coloca Tessa (Joey King) em estado crítico no hospital e acaba sendo fatal para Skylar (Kyle Allen), o namorado dela. Portanto, há uma protagonista duplamente machucada, física e psicologicamente. Ela está em luto e com dificuldades para aceitar a morte de alguém que mudou significativamente a sua vida. O roteiro assinado por Marc Klein opta por alternar duas linhas temporais: na primeira, Tess tenta se recuperar do trauma enquanto imagina maneiras de continuar; na segunda, há todo o processo de envolvimento dos pombinhos, desde que se conheceram numa charmosa e antiga sala de cinema vazia. Dois processos crescentes são intercalados: o da paixão que modifica e o da aceitação que permite suportar.

Uma coisa importante para Ainda Estou Aqui funcionar com relação ao amadurecimento de Tess é o amor que causa revoluções. A protagonista é uma jovem solitária que tem dificuldades para estabelecer vínculos emocionais. Porém, Joey King não convence como a menina marcada pela experiência traumática de morar em vários lares provisórios. Para que o sentimento novo pudesse se estabelecer como um fator de cura – ainda que seja atravessado pela tragédia –, seria preciso uma melhor construção do estado anterior da personagem. Contente com a simplificação, o cineasta Arie Posin acredita que para demonstrar as carências de Tess basta mostra-la repetidamente saindo de casa sem dar atenção aos atenciosos pais adotivos. Adiante, quando conta tudo sobre seu passado triste para o namorado, é como se ela estivesse apenas demonstrando ao espectador a amplitude do “amar e ser amada”. Não há um empenho da direção para situar o sentimento nobre dentro de uma perspectiva realmente transformadora. E isso tem a ver com a dificuldade da atriz para transmitir a vulnerabilidade (para além da cara chorosa e das várias confissões diretas e explicativas) e a da direção para enfatizar as hesitações. As pessoas praticamente imploram para serem estudadas e não escondem nada.

Tess é apresentada como alguém que represa sentimentos e se oculta. No entanto, Joey King a concebe não como um poço de introspecção, pelo contrário. Não basta Tess sentir desconforto diante da pressão pelo “eu te amo”, ela tem de fazer caras e bocas que assinalam um desconforto físico; Tess não pode simplesmente sentir alegria e mudar ligeiramente o semblante, pois a atriz faz questão de sublinhar cada experiência com uma expressão demarcada. Claro, estamos no terreno dos romances adolescentes trágicos, nos quais nem sempre a sutileza é a mãe das intenções. Porém, o resultado dessa transparência toda é a anulação do recolhimento que pretensamente caracteriza a personagem. Já Skylar é o típico bonitão sensível que cai de amores por uma jovem quieta que precisa de ajuda. Mesmo que tenha seus instantes de incompreensão e insensibilidade, no fim das contas ele serve muito mais como um lampejo que ilumina o futuro da protagonista. O curioso é que o conceito que ele tem de amor é bastante tradicional. Machucado pela separação dos pais, o atleta faz analogias entre os amores e as provas de remo para sustentar a tese de que vencedores são aqueles que persistem. Se juntado isso com a lógica do sentimento que transcende a morte, podemos perceber traços conservadores.

O ideal do amor romântico tende realmente ao conservadorismo – e não há nada de pejorativo na constatação, pois ela tem a ver com a estabilidade, com algo a ser preservado. No fim das contas, qual é a mensagem principal contida em Ainda Estou Aqui? A de que a felicidade plena está na construção de uma família. Os problemas de Tess e Skykar estão estritamente ligados aos fatos de que: 1) na infância ela não conheceu os sabores do ambiente doméstico saudável; 2) ele está enfrentando dolorosamente o divórcio dos pais. Mesmo que a morte os separe, os esforços para um último encontro (o principal mote do filme) apontam de novo para o romantismo que sustenta o elo que deve ser consagrado a qualquer custo. Nesse Ghost: Do Outro Lado da Vida (1990) pós-moderno, os jovens são saudosistas (outro indício de conservadorismo), preferem o analógico ao digital e as metáforas são tão explícitas e carentes de densidade quanto às demonstrações de sentimentos. Tess escapa do acidente com uma fissura cardíaca (com o coração literalmente partido) e fotografa o mundo porque não consegue olhar para si própria. E de que modo o cineasta mostra sua “evolução”? Ao fazê-la interessada por pessoas e finalmente disposta a “se ver”, seja no espelho ou nas próprias imagens. Ela acaba “curada” pelo amor dele, ou seja, pronta para viver depois de ser reparada por um vínculo que a tudo vence.

Marcelo Müller

Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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