Dira Paes é uma das atrizes mais versáteis do cinema brasileiro. Tanto que, mesmo com menos de 50 anos – ela é de 30 de junho de 1969 – ela foi homenageada neste ano com o Troféu Oscarito, durante o 45o Festival de Gramado, pelo conjunto de sua carreira. E um reconhecimento bastante justo, diga-se de passagem. Afinal, ela já conta com 33 anos de carreira – começou com apenas 16 anos, no hollywoodiano A Floresta das Esmeraldas (1985), de John Boorman. De lá para cá, já foram mais de 50 créditos no cinema, no teatro e na televisão. E se ainda faltava um gênero para ela explorar – a animação – ela já deu um jeito de corrigir isso. Afinal, está voltando agora às telas como uma das personagens principais de Lino: Uma Aventura de Sete Vidas, produção 100% nacional que conta ainda com Selton Mello e Paolla Oliveira entre os protagonistas. E foi sobre esse mais recente trabalho que essa simpática paraense conversou com exclusividade com a gente do Papo de Cinema. Confira!
Olá, Dira, tudo bem? Você já participou de filmes infanto-juvenis, como Meu Tio Matou um Cara (2004) e O Segredo dos Diamantes (2014). Agora, como dubladora de animação, Lino é a sua estreia, certo?
Sim e não. Porque é importante a gente deixar uma coisa clara. Nós não estamos dublando os personagens de Lino. Dublagem é quando o filme já chega pronto até nós e apenas colocamos nossa voz por cima. Aqui, como tivemos essa incrível prazer de estarmos envolvidos em uma produção 100% brasileira, o processo foi o inverso. Primeiro nos apresentaram o roteiro, daí gravamos as vozes e só depois é que a animação foi feita. A vida dos personagens nasceu nas nossas vozes, depois é que ganhou traços e cores. E isso fez toda a diferença.
Então, dublagem, mesmo, você nunca fez?
Não. Nunca me chamaram para dublar uma personagem em um filme de fora que chegou por aqui. Vai ver que é porque tenho essa cara bem brasileira, né? Mas agora vai ser melhor ainda, porque o Lino é incrível, um filme com todas as condições de viajar o mundo todo. Então, o que vai acontecer é que vão ser os outros que terão que substituir a minha voz para o inglês, francês, italiano, espanhol… (risos).
E qual a maior dificuldade que você enfrentou em ter que atuar apenas com a voz?
Olha, na verdade, o difícil mesmo era não ter nenhum tipo de referência visual da cena. O diretor era nosso único ponto de apoio, pois ele era o único que sabia o que estava acontecendo ali, pois havia nascido na imaginação dele. Só quando assisti ao filme pronto é que percebi que tudo fazia sentido. Por exemplo, você pode dizer “eu mereço” das mais diversas formas, não é mesmo? Mas só ele sabia qual era a certa. Foi algo novo para mim, mas também foi uma experiência maravilhosa, de entrega absoluta à ideia original do diretor. Depois, num segundo momento, quando voltamos e assistimos a algumas cenas já finalizadas, foi possível ver as imagens, fazer ajustes, corrigir uma ou outra coisa.
As gravações com os atores se deram por etapas, então?
Sim, tivemos duas fases de gravações. Na primeira, tínhamos apenas o roteiro, um esboço dos personagens e qualquer dúvida precisava ser resolvida com o diretor. E o Rafael Ribas foi um mestre nesse processo, pois nos deu muita segurança e tranquilidade. Ele tinha referências para tudo! Depois, passados alguns meses, voltamos a nos reunir e foi aquele momento de encantamento. Ouvir a própria voz em uma animação tão linda é emocionante. Me deu um orgulho incrível, e, ao mesmo tempo, uma sensação de estar descobrindo o mundo pela primeira vez, entende? Nessa etapa os desenhos já existiam, dava para entender melhor o que estava acontecendo, mesmo que ainda faltasse muita coisa. Foi quando os ajustes foram feitos, alguma coisa foi regravada, tivemos mais oportunidades de ‘brincar’ com os personagens. E o resultado é esse que logo estará nos cinemas, um filme incrível, feito no Brasil, mas com cara de mundo, feito para competir de igual pra igual com qualquer produção de Hollywood, da Europa ou de qualquer outro lugar.
Fale um pouco sobre a Janine, a sua personagem em Lino?
A Janine é aquela policial que a gente adoraria que existisse de verdade – e algumas até existem, felizmente! Ela tem essa paixão pelo que faz, é muito séria e dedicada ao seu trabalho. Quando a conhecemos, está prestes a sair de férias, mas o delegado lhe dá esse novo caso para que resolve antes de ir para sua merecida folga. E ainda por cima, lhe manda dois auxiliares muito atrapalhados, que ao invés de ajudar só piora a situação. Quando ela começa a estudar o caso e conhece o Lino, logo percebe que ele não pode ser o bandido que tem assaltado a cidade toda vestido com uma fantasia de festa de crianças. Ela é assim, só de olhar já conhece as pessoas.
Ela se parece muito com você, pelo que estou percebendo…
E isso é muito bacana, pois o filme passa uma mensagem muito atual, linda… nossa, estou encantada! Sou muito suspeita de falar, eu sei, pois além de tudo acho que os pais que forem ao cinema com os filhos também vão se encantar com a história. Eu própria tive essa sensação, sabe? A música é linda, o som é perfeito, tudo é muito bem feito! Se o Rafael estivesse nos Estados Unidos, já estaria milionário! Sabe, é muito importante valorizar o que tem sido feito por aqui. E este filme é de um artesanato de muito cuidado, feito passo a passo. Por exemplo, não tem som direto, tudo precisa ser construído do zero! E, mesmo assim, é possível atingir um resultado tão deslumbrante. Estou literalmente encantada.
Quando um artista é chamado para dublar uma animação estrangeira, geralmente há pouco espaço para improvisações, pois tudo já chega pronto. Com o Lino, sendo uma produção nacional, foi diferente? Vocês puderam contribuir na construção dos seus personagens?
Ah, com certeza. Como te disse, já tinham alguns esboços, mas tudo estava nascendo ali, junto com a gente, com toda a equipe que se formou. E essa criação da personalidade de cada um destes personagens tem muito da nossa parte, pois é aí que está também a nossa autoria, o colorido que oferecemos, um charme diferente. Eu, por exemplo, tinha em mãos essa policial, mas ao mesmo tempo estávamos fazendo um filme infantil, ou seja, ela tinha que ser durona, mas na medida certa. É muito tênue a linha que separa um roteiro de um filme infantil para um adulto, é uma fronteira delicada, mas que precisa ser respeitada. Lino é um filme de aventura, ela está numa caçada contra esse bandido, e tem esse cara que está sendo acusado injustamente de algo que não cometeu. A minha personagem acha que está indo atrás de um ladrão perigoso, mas aos poucos vai percebendo que não é assim. Então, é preciso criar essa mudança de tom, mas de modo suave.
Vocês chegaram a gravar juntos, por exemplo, ao lado de Selton Mello? Ou cada um vez sua parte em separado?
Cada um fez sua parte em separado. A técnica de animação é assim mesmo que funciona, não tem como ser diferente. E vou te contar, foi até estimulante, foi bom porque os nossos personagens também não se falam a maior parte do filme – eles só se encontram no final! A técnica é assim mesmo, não tem como unir. Mas preciso contar, a Janine me surpreendeu. Por mais que eu tenha colocado as falas, o apelo que a imagem tem é exuberante. Quando assisti ao filme pronto pela primeira vez, não conseguia adivinhar o que tinha feito, então assisti sem lembrar o que vinha depois! Isso me deu um termômetro do resultado, pois me pegou de jeito. Consegui ser espectadora do meu próprio filme!
A animação nacional ainda precisa encontrar seu público?
Com certeza vai encontrar, aliás, já está encontrando. Fazer cinema de animação é muito diferente do cinema comum, aquele com o qual estou mais acostumada. Então, não sei bem os meandros técnicos. Sei que é muito trabalhoso, precisa de uma equipe muito grande. Tem especificidades muito particulares, profissionais que só aqui são necessários. Porém, o público que consome esse tipo de filme forma um mercado muito carente e que consome de tudo, de uma maneira voraz. Não só crianças e adolescentes, mas também seus acompanhantes. É um mercado que precisa ser estimulado.
Lino é uma produção acima dos padrões, com certeza…
É um selo de qualidade termos uma distribuidora tão grande como a Fox apostando no nosso filme, por exemplo. Eu fiz alguns filmes infanto-juvenis, como você bem lembrou, mas não sei se meu filho, de 9 anos, e que é consumidor desse tipo de cinema, seria afetado por estes outros trabalhos do mesmo jeito que o Lino tocou ele. Um dos meus filmes que ele mais gosta é O Segredo dos Diamantes, do Helvecio Ratton, mas esse teve uma distribuição menor, muita gente nem ficou sabendo que estava em cartaz, e talvez não tenha atingido todo o potencial do seu público. Precisamos superar isso com o Lino. É preciso incentivar as pessoas a irem aos cinemas, mostrar ao nosso público o nível em que estamos. Se um filme como esse cair nas graças da plateia, vai ser incrível!
Você acabou de ser homenageada com o troféu Oscarito no 45o Festival de Gramado. É um susto, ainda tão nova, já receber esse tipo de reconhecimento por toda a sua carreira?
Foi, antes de mais nada, um exercício. Tive que sair um pouco da casinha e me olhar de fora, como se eu fosse um personagem muito íntimo. Conforme foi se aproximando o dia da homenagem, estava num misto de sentimentos. Feliz, muito honrada, gostando de repensar tudo que passou, curtindo essa nostalgia. Mas, ao mesmo tempo, e isso é até contraditório, quando vi a lista de todos que haviam ganho o mesmo prêmio antes, dava um pânico ser colocada ao lado desses gigantes. Me senti muito privilegiada de estar ali, na verdade.
Mas foi muito merecido, não é mesmo?
Talvez, o que tenha me dado esse prêmio, tenha sido o tempo. São 33 anos dedicados ao cinema brasileiro, e com volume. Me dá uma renovada, um combustível, força para mais 33 anos, para que a minha máscara se adapte a muitos outros personagens, sempre atenta e viva para eles. Aquela noite, em si, foi muito além do que esperava. Tive uma passarela, ao passar pelo tapete vermelho, com as pessoas chamando meu nome, muito emocionante. Perceber que aquele público também tinha uma intimidade comigo. E fui norteada pelas duas gerações que me guiam, minha mãe e meu filho. Daí surge, no palco, a Araci Esteves, que foi uma das maiores mães que já tive na tela grande, em Anahy de Las Misiones (1987). Foi um susto e uma emoção incrível, não me aguentei. Foi muito tocante. Aquela foi uma noite foi de poesia! De alma elevada, da qual saí flutuando!
(Entrevista feita por telefone direto do Rio de Janeiro em setembro de 2017)
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