Petr Kazda e Tomás Weinreb são dois jovens talentos do novo cinema checo. Petr começou escrevendo o roteiro da comédia Tady Hlídám Já (2012), enquanto que Tomás dirigiu o curta Zatmení (2006) e o documentário Vsechno Je Sracka (2009). Colegas do curso de cinema do Independent Film College de Pisek e da Film School of Academy of Performing Arts (FAMU), os dois chegaram a colaborar um com o outro em diversos projetos universitários, que os levaram a percorrer mostras e festivais no Japão, Alemanha, Grécia, Estados Unidos e muitos outros lugares. O passo mais ousado de suas carreiras até o momento, no entanto, foi o longa Eu, Olga Hepnarová (2016), cinebiografia de uma das figuras mais polêmicas da história recente do país natal deles. O filme teve sua estreia durante o Festival de Berlim 2016, e desde então tem percorrido o mundo, chegando, inclusive, aos cinemas brasileiros. Foi por isso que o Papo de Cinema entrou em contato com os dois, para falar sobre esse projeto e o método de trabalho deles, que assim como dirigem, falam sempre em conjunto, um tentando se sobressair ao outro. As respostas, portanto, estão transcritas em forma única, pois, pelo jeito, é assim que a dupla funciona: em perfeita sintonia. Confira!
Petr e Tomás, tudo bem? É um prazer falar com vocês. Para começar, como a história de Olga Hepnarová entrou na vida de vocês?
Muito tempo atrás, uns nove anos, imagino, estávamos na escola de cinema – fomos colegas de faculdade – e vimos alguns documentários na televisão sobre a Olga. Foi a primeira vez que ouvimos falar sobre ela. Não é um assunto muito abordado em nosso país. Falamos mais sobre problemas já resolvidos, e não pendentes. Nós, no entanto, ficamos fascinados por ela, mas não pela maldade, e sim pelo que a levou a tomar tal atitude. Depois encontramos um livro a respeito, e descobrimos que outros diretores já haviam tentado filmar sua história, mas fomos os primeiros a também escrever o roteiro. Daí esperamos terminar nossa faculdade, para, enfim, dar início ao projeto.
Eu, Olga Hepnarová é o primeiro longa de ficção de vocês, certo? Antes, vocês haviam trabalhado em documentários e em curtas-metragens. Como funciona a parceria de vocês dois?
É algo que funciona fácil para nós, pois somos amigos há muito tempo. Mas não somos namorados, que fique claro (risos)! A parte lésbica em nosso filme é só parte da história – afinal, Olga se relacionava com outras mulheres – e queríamos ser fiéis aos fatos, mas não foi determinante. Isto não define nosso filme. É apenas parte da mulher que Olga era. Não fizemos somente por isso, ou por causa disso – era apenas mais uma peça de todo o quebra-cabeça, entende? Tivemos um retorno muito forte da comunidade LGBT, mas não queremos focar apenas isso. Já estamos escrevendo o próximo roteiro, que será totalmente ficcional. Olga, foi uma situação bastante esquizofrênica, uma história dos anos 1970, mas todo mundo acha que é contemporânea! Isso se deve, acreditamos, por ser muito conectada com os problemas de hoje.
Vocês são também roteiristas. Como foi o processo de pesquisa da história de Olga Hepnarová?
Tudo começou com o livro escrito sobre esse episódio, de Roman Cílek. Lemos e relemos várias vezes, pois foi nossa fonte primária de informações sobre ela. Depois, fomos atrás do autor, que nos deu documentos sobre a vida de Olga. Foi quando tentamos encontrar as pessoas que passaram tempo com ela, que conviveram com essa garota até sua morte, em 1973. Não conseguimos muita coisa com eles, tipo fatos ou informações precisas sobre ela. Estas pessoas, no entanto, nos ofereceram mais relatos emocionais, sobre seus sentimentos, a tristeza que ficou desse episódio. Ainda tentavam esconder o que sentiam a respeito. Percebemos que era muito importante se abrir, acabar com o tabu. Tentamos reunir tudo o que conseguimos sobre Olga, mas nosso filme não é só sobre isso. É mais uma investigação em processo, sobre suas motivações e uma reflexão sobre sua personalidade e seus atos, do que apenas sobre quem foi essa mulher.
Algo que chama atenção foi o fato de terem optado por filmar em preto e branco. O que os motivou a isso?
Essa foi uma decisão arriscada, e que certamente não deixou mais fácil o desenvolvimento do projeto, isso é algo que podemos afirmar. No entanto, desde o começo achamos que seria o correto filmar desse jeito. Pensamos que seriam necessários mais tons, revelar essas camadas de escuridão que existiam nela, trabalhar com as câmeras. Mas tivemos que lutar por isso. Ninguém queria nos apoiar desse jeito. Tinham medo que julgássemos Olga, ou que ficássemos do lado dela. E não era essa a ideia. Personagens como o advogado, por exemplo, teve investidores que nos perguntaram porque não fazíamos dele uma figura mais hollywoodiana, com grandes lances, e também precisamos lutar contra essa ideia. Muita gente, principalmente os produtores, queriam que filmássemos em cores. Não fizemos esse filme para facilitar para a audiência, no entanto, e estávamos comprometidos com o que achávamos que seria o melhor para a história que desejávamos contar.
Ainda que não seja uma estreante, Michalina Olszanska foi escolhida como protagonista de Eu, Olga Hepnarová mesmo tendo poucos trabalhos no currículo. E ela está incrível. Como vocês a encontraram? E como foi construir esse personagem com ela?
Micha é da Polônia, e nós somos da República Checa. Precisávamos, no entanto, de alguém de fora. Queríamos reproduzir essa sensação, mais ou menos como Olga se sentia na vida. Só fomos conhecer Michalina no final do casting, que foi um processo que nos tomou muito tempo. Não estávamos achando alguém como Olga, sexy e frágil, jovem e bela. E, no entanto, vimos tudo isso nela. Seguimos fazendo testes com outras garotas por mais algum tempo, e testes de câmera também, mas desde o momento que a vimos pela primeira vez tivemos essa intuição que ninguém seria melhor do que ela para esse papel. E acredito que fizemos a escolha certa.
A primeira exibição de Eu, Olga Hepnarová foi no Festival de Berlim, e desde então vocês já passaram por diversos festivais, inclusive sendo premiados. Esperavam esse tipo de recepção?
Estávamos na mostra Panorama, que é uma das mais interessantes da Berlinale, por todas as novidades e talentos que costuma apresentar. Então, só isso já tinha sido algo fantástico, muito além do que esperávamos. No entanto, observando mais de um ano depois tudo o que se passou, se eu dissesse o que esperávamos disso tudo… sim e não. Algo no meio termo. Sabíamos que a história iria interessar algumas pessoas. Mas já passamos por quase 70 festivais! É muita coisa. Então, de alguma forma, foi incrível. Mas poderia ter sido mais ainda, acredito. Tentamos fazer o melhor, e acho que chegamos lá. Então, em resumo, não ficamos tão surpresos. E estamos muito felizes com tudo que tem acontecido com o filme.
Vocês já estiveram no Brasil? O que conhecem do cinema brasileiro? E como esperam que o espectador brasileiro receba Eu, Olga Hepnarová?
Não, infelizmente. Chegamos a ser convidados para a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo do ano passado, mas não foi possível irmos até aí. Estamos chegando aos cinemas brasileiros através de uma pequena distribuição, mas eficiente, e tem sido muito bom. Não é fácil chegar à América Latina. Lembro que quando estávamos na escola estudamos um pouco sobre o Cinema Novo, assistimos a alguns filmes dos anos 1970, mas não lembro dos nomes… Para ser honesto, conhecemos mais do México. Sei que não é nem no mesmo continente (risos), mas é o mais próximo que já chegamos do Brasil. Não é um processo fácil, mas é bom ser lembrado e estar aí. É um filme que tem sido recebido, em alguns lugares, de forma controversa. Não é simples, não é apenas gostar ou não. Tudo depende. Passamos por várias sessões de perguntas e respostas, e no México, por exemplo, a recepção foi ótima, e na Espanha também. No entanto, sei que no Brasil se fala português, que é outra língua, e a ligação não é tão direta, mas talvez tenha alguma conexão. Estamos torcendo pelo melhor.
(Entrevista feita via Skype em Fevereiro de 2017)
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