Laís Bodanzky nasceu respirando cinema. Seu pai, Jorge Bodanzky, é um cineasta consagrado, premiado nos festivais de Brasília e de Gramado pelos filmes Iracema: Uma Transa Amazônica (1975) e Os Mucker (1978), respectivamente. E ela acabou seguindo o mesmo caminho. Já adulta, casou com Luiz Bolognesi, e os dois formaram um dos casais mais criativamente ativos da produção nacional. Juntos, fizeram sucessos como Bicho de Sete Cabeças (2000) e Chega de Saudade (2007), sempre com ela na direção e ele no roteiro. Pois essa última função se confundiu no trabalho mais recente da dupla, Como Nossos Pais (2017), que pela primeira vez conta com a assinatura dos dois. E o longa, que estreou no início desse ano no prestigiado Festival de Berlim, foi também o grande vencedor do 45o Festival de Gramado, conquistando 6 kikitos, entre eles os de Melhor Filme e Direção. E aproveitando a passagem da cineasta pela serra gaúcha, nós conversamos com exclusividade com ela sobre essa história bastante familiar, porém dona de uma ótica bem feminina. Confira!
Laís, em quase vinte anos de carreira, você fez poucos filmes, porém todos muito aplaudidos, tanto pelo público como, principalmente, pela crítica. Como você vê o Como Nossos Pais dentro deste conjunto?
Olha, sei que vou fazer poucos filmes na vida. E porque não dá tempo – mesmo que ainda viva muito, e vou viver, não vai dar para fazer todos os que gostaria de fazer. Hoje, no Brasil, já temos uma indústria cinematográfica, mas, dentro dela, o meu trabalho é totalmente artesanal. Cada filme, pra mim, não dá pra errar, seja no discurso, na investigação, na proposta. E a demora entre cada filme, hoje em dia, nem mais é um problema – antes até era, agora não mais. Hoje, para mim, a demora é até bem vinda, porque assim o projeto amadurece. Acho bom.
Como Nossos Pais foi, como teus filmes anteriores, feito com conjunto com o Luiz Bolognesi. Como se dá essa parceria entre vocês?
A parceria, em todos os nossos filmes, sempre se deu em todo o processo. Do nascimento da ideia até a finalização. Até agora nunca tinha assinado o roteiro, mas isso não significa que só pegava um roteiro pronto e ia dirigir. Era o contrário, aliás. Em cada etapa, sempre teve muita discussão, conversa, troca de opiniões, vendo as trajetórias dos personagens, os diálogos. Um trabalho de carpintaria, mesmo. Mas o Luiz diz uma coisa: “só assina o roteiro que senta e escreve”. E quem faz isso é ele, então é desse modo que acabamos dividindo os créditos. Só que dessa vez eu sentei e escrevi também, por isso que Como Nossos Pais é de nós dois.
Este é o teu terceiro filme com o Paulo Vilhena. E ele sempre vendeu essa imagem de garoto, surfista. Só que agora está aqui, como pai de família. Como é trabalhar com ele?
O Paulinho é um ator que sei que vai dar certo onde quer que o coloque. Acho que também é importante haver uma sintonia da direção com o ator. A gente se dá muito bem no set, dá muita risada junto. É gostoso trabalhar com ele. Ele é muito cara de pau, também, o que é ótimo. Adora se aventurar por mundos diferentes do dele. Quando fizemos As Melhores Coisas do Mundo (2010), por exemplo, que ele faz um professor de violão, a primeira coisa que perguntei foi: “então, Paulinho, você toca violão?”. E ele, sem hesitar: “é claro!” Só que não toca nada, era só onda dele. E daí a gente deu um jeito juntos. O bom é isso: ele sempre está pronto para pegar junto. No Como Nossos Pais, ele, de fato, fez uma coisa inédita na carreira dele, que é viver um pai. Ele nunca tinha vivido isso. E, na sua vida pessoal, ele não tem filhos. Então, até pra idade dele, deve ter batido alguma coisa do tipo “puxa, virei pai”. Mas é um cara moderno, todo tatuado, e os pais hoje em dia são assim. Não tem mais esse imaginário do velho cansado, de camisa e gravata, que só aparece no final do dia. A geração do Paulinho também virou pai, com tatuagem e tudo. É um pacote completo.
Como foi apostar em não atores, ou atores não óbvios, como o Cazé e o Jorge Mautner?
Eles são atores, claro. Só não sabiam que eram atores (risos). O Mautner até já havia feito uma participação em um filme do Ugo Giorgetti, o Festa (1989), muitos anos atrás. Então não é que eu trabalhe com não atores – trabalho com atores, sim, mas que estão descobrindo, provavelmente naquele momento, que são capazes de atuar. Na hora que estão na frente da câmera, são todos atores.
Mas certamente não são escolhas óbvias, não é mesmo?
Isso vem do amadurecimento do roteiro, da história e dos personagens, que precisam existir e se tornar complexos. Chega um momento em que você começa a olhar para o mundo de uma forma muito sutil, e essas pessoas começam a saltar na sua frente. Mas não sei explicar muito bem como chegamos até os nomes deles… é uma pergunta difícil, essa.
E a Maria Ribeiro, por quê você diz que ela precisou lutar muito para ser a Rosa?
A Maria lutou não para fazer o papel, mas na defesa da personagem. Ela sempre tomava partido da Rosa – ela era a Rosa, pronto. Ela é assim, é uma mulher que defende seu ponto de vista com unhas e dentes.
E isso que a Rosa está longe de ser perfeita, não é mesmo?
Pois é isso que mais gosto nela. E construir um personagem assim é o grande desafio. A nossa tendência é ser certinho, o herói é sempre perfeito. Alguns meses atrás chegou aos cinemas o filme da Mulher-Maravilha (2017), e logo depois alguém veio me falar que “a verdadeira Mulher-Maravilha é a Rosa” (risos). Todas nós somos mulheres-maravilha! Essa é a verdadeira super-mulher, a que erra, que sofre, que chora, que muda de ideia. E não é só com as mulheres, com os homens também é assim. A vida não é só preto e branco, tem mil cinzas aí no meio, com muitas sutilezas.
O cinema brasileiro tem dado muito destaque às personagens femininas, em filmes como Flores Raras (2013), Que Horas Ela Volta (2015) e Aquarius (2016). O Como Nossos Pais se encaixa nessa tradição recente?
Que curioso isso. Tenho total consciência que é muito importante cada espaço, cada milímetro da mulher no audiovisual. É preciso também assumir esse discurso, seja escrevendo, produzindo, dirigindo. Sei que nós somos poucas que já atingiram esse lugar de respeito, mas, ao todo, somos muitas. Quando passamos pelo Festival de Gramado, por exemplo, isso foi uma coisa que me saltou aos olhos ao ver os demais filmes selecionados: dos sete longas concorrentes, quatro eram dirigidos por mulheres. Isso é incrível. Ou seja, podemos ser poucas, mas fazemos muito barulho (risos).
Não só atrás, como também na frente das câmeras…
Pois é, essa linha do tempo que você levantou eu não tinha percebido. E é muito bacana, muito bom que essas histórias femininas estejam sendo contadas, por homens e também por mulheres. E ter o nosso Como Nossos Pais ao lado desses filmes é um orgulho e tanto.
Como Nossos Pais é um filme que tem circulado o mundo inteiro. Como você tem percebido as diferentes reações do público?
Pois então, o filme recém entrou em cartaz. Quando estávamos em Berlim, lá no início do ano, parecia tão longe dessa data… mas o tempo voa! Ter passado por Gramado, onde tivemos a primeira exibição no Brasil, foi um ótimo teste para sentir o público nacional. Tudo é muito recente, estamos ainda em processo, mas muito otimistas. Assim como foi e está indo muito bem lá fora o filme, também. Berlim foi emocionante, por exemplo. Um sonho. Já lançamos na Bélgica, na Holanda, com críticas ótimas. Tivemos análises publicadas na Variety, Hollywood Reporter. A gente tá muito feliz. E vendemos para vários países, vai estrear na China, Espanha, Turquia, os lugares mais divertidos.
(Entrevista feita ao vivo em Gramado em agosto de 2017)
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