Zita Hanrot é uma daquelas atrizes que preenchem o enquadramento, imediatamente magnetizando a nossa atenção. Foi assim no drama Fatima (2015), pelo qual ganhou o César de Melhor Atriz Revelação. Agora, em Carnívoras (2918), estreia dos também atores Yannick e Jérémie Renier na direção de longas-metragens, ela vive uma artista bem-sucedida, porém dona de uma inquietação existencial deflagrada fortemente pela constância da irmã. E Zita trata de conferir à sua personagem uma presença de espírito forte, neste caso, a serviço da inadequação permanente contra a qual é difícil lutar. De passagem pelo Brasil com a delegação estrangeira do Festival de Cinema Francês 2018, ela conversou conosco num hotel à beira-mar em Ipanema, no Rio de Janeiro. Extremamente atenciosa, nos propiciou um Papo de Cinema dos que a gente gosta. Confira, então, nosso bate-papo com Zita Hanrot, um dos destaques da nova geração de intérpretes franceses que ainda vai dar o que falar nas telonas.
Zita, o que mais lhe chamou a atenção na primeira leitura do roteiro de Carnívoras?
Foi o fato do filme ser protagonizado por duas mulheres muito densas e complexas. O trabalho apresentou um desafio bastante excitante, especialmente por conta da necessidade de encenar a evolução do elo dessas irmãs, bem como o contraste entre elas. Foi uma experiência intensa.
Você ganhou um César de Melhor Atriz Revelação por Fatima. Agora está neste filme, também com uma pegada feminina. O que Carnívoras representa para você?
Foram duas vivências completamente diferentes. Até mesmo porque Fatima tinha em seu elenco vários atores não profissionais. Já em Carnívoras, Yannick e Jérémie, além de tudo, são atores com bagagem, assim como a Leïla, que contracena comigo. Aprendi muito com todos eles. A direção de atores de Yannick e Jérémie é muito límpida e tranquila. Já a Leïla consegue mergulhar profundamente na personagem, ela se doa inteiramente. Por isso tudo, tive de aumentar o nível de exigência comigo mesma. Fatima e Carnívoras são narrativas sobre mulheres, personagens fortes e multifacetadas, mas escritas e dirigidas por homens.
Qual a vantagem de ser dirigida por atores?
O fato deles serem atores traz uma sensibilidade muito maior para o trabalho, especificamente com relação ao jogo de atuação. Por exemplo, quando surgia um bloqueio, eles encontravam as palavras corretas para combater aquilo. Ambos sabem até fisicamente o que fazer para ajudar o ator a se desbloquear. Yannick e Jérémie são bastante profissionais e possuem abordagens complementares.
E como foi seu trabalho com a Leïla Bekhti?
Fiz teste para o elenco. Na ocasião, a Leïla já tinha sido escolhida. Desenvolvemos uma grande intimidade de imediato. Provavelmente isso ajudou na minha escolha. Durante as filmagens, eu e Leïla não tínhamos medo de nos tocar, criamos uma confiança mútua, algo imprescindível até pela intensidade da relação das personagens, inclusive com o surgimento das cenas violentas, que são fisicamente bem intensas. Nossa relação de proximidade foi importante para que o filme acontecesse.
Num momento em que o conservadorismo cresce, inclusive na Europa, você acredita que o cinema tem a obrigação de oferecer contrapontos aos ímpetos retrógrados?
Esse tipo de evento, como o Festival de Cinema Francês no Brasil, é imprescindível, pois justamente nessas ocasiões podemos ter contato com outras maneiras de encarar as questões que nos cercam. Entendo que é muito importante proteger o cinema do marketing. Nesse momento de democratização do cinema, precisamos resguardá-lo disso. Devemos utilizar esses momentos, como festivais e mostras, para apresentar e absorver a visões diferentes do mundo.
(Entrevista concedida ao vivo, no Rio de Janeiro, em junho de 2018)
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