Quando um filme brasileiro é selecionado para um festival internacional, geralmente, a torcida é grande. Da parte de quem gosta e, principalmente, por quem faz ou tenta fazer o cinema nacional. Infelizmente, nem todos aparecem sob os  “holofotes”.

A jovem cineasta Jess Weiss, do Rio de Janeiro, integra esse último time. Com 17 curtas no currículo, seu último trabalho, O Lenço Manchado de Vermelho, está aqui no Festival de Cannes 2014, no Short Film Corner, voltado para obras de jovens cineastas e iniciantes. O Papo de Cinema “virou” a luz para ela e engatou numa conversa. Veja como foi!

 

Conta pra gente como é que você veio parar aqui em Cannes…
Eu estava começando a procurar festivais para mandar o filme e vi uma possibilidade no 17º Cinéfondation, que é uma área para filmes universitários daqui de Cannes. Vi também no Short Film Corner, que acompanho há muito tempo. Resolvi mandar na cara e na coragem para os dois.

E aí, como foi que você recebeu a resposta?
Recebi o e-mail do Cinéfondation dizendo que não tinha sido aprovado. Fiquei arrasada. Quando recebi o do Short Corner, pensei que seria um não, era de noite e deixei para ler no dia seguinte. Acordei tarde e quando fui ver, vi que tinha passado. Saí ligando enlouquecidamente para todo mundo!

 

O projeto foi apoiado pela PUC-RJ. Como eles reagiram?
É o primeiro filme deles aqui, né? Estão super apoiando. O César Romero, que é o diretor de Comunicação, está super feliz com o filme. E a PUC inteira está numa comoção muito grande.

 

Fala um pouco então dessa experiência aqui.
Está sendo muito legal. Ver filmes incríveis ou não tão incríveis assim, todo mundo apaixonado por cinema… Isso aqui é um lugar de paixão pelo cinema, especialmente no Short Film Corner, porque é um lugar de iniciantes. Um lugar de pessoas que estão entrando no mercado, querendo fazer funcionar, muitas ideias… Um austríaco veio ver meu filme e adorou. Pessoas que nunca pensei que fosse atingir. Isso é muito bom!

 

E o espaço é exatamente para essa troca, né?
Sim. Tem várias palestras, sessões… Tem uma biblioteca com 52 cabines e você pode sentar ali e assistir qualquer curta que está no festival. E tem a cabine para você marcar a sessão do seu filme.

Jess Weiss no tapete vermelho do Festival de Cannes 2014

E a sua sessão, como foi?
Foi ótima. Maior emoção. Tinha família, colegas de trabalho, novos amigos. Lotamos a sala e tinha gente de pé. E depois teve uma aula magna com a Sophia Loren, que falou da carreira, chorou sobre a morte do Marcello Mastroianni. Foi incrível.

 

Seu curta é ambientado ali na década de 40 e tem uma estética noir. Fale um pouco dele.
Ele conta a história de um detetive chamado Ubaldo Glatt, que está começando a carreira sozinho, depois que o pai morreu, e tem esse primeiro caso, envolvendo a femme fatale Rebecca Normond.

 

De onde surgiu a ideia?
Eu era uma criança muito chata, daquelas que na viagem ficavam perguntando “tá chegando, tá chegando?”… E o meu pai me contava essas histórias de detetive nas viagens de carro, com esse personagem Ubaldo Glatt. Teve também uma peça de teatro, Sleep No More, que assisti umas sete vezes em Nova York. Era um “Macbeth-Hitchockiano”, que você entra, coloca uma máscara e tem cinco andares para explorar e você fica completamente imerso nesse universo noir, anos 40.

 

Mas então você adaptou do paizão?
Na verdade, “ele” já era um detetive estabelecido e resolvi contar o início da carreira dele.

 

E de ontem seu pai tirou esse personagem?
Essa é uma história legal. O nome vem dele mesmo, que para criar os personagens das histórias, olhava para a pessoa e se perguntava qual era a característica mais forte nela. E a do meu pai é que ele é careca. Careca em inglês é bald e em alemão é glatz, daí Ubaldo Glatt.

Então ele era um fissurado por histórias de…
De detetive! Cresci com histórias de Sherlock Holmes, Agatha Christie… James Bond também, que não deixa de ser um detetive.

 

Fala um pouco da sua carreira para inspirar o pessoal que está lendo e, como você, se amarra em cinema.
Esse é o meu maior projeto, mas é meu 17º curta. É o primeiro que tenho um bom orçamento e é a primeira ficção que passei por um processo de pitching para ser aprovado.  E é o primeiro que tinha uma equipe por trás, planejando, contrato…

 

Seus outros filmes já tiveram uma experiência internacional?
Alguns já passaram em festivais na Rússia e em Seattle. São filmes em preto e branco também, mudos, acompanhados de uma trilha sonora.

 

Quanto tempo dedicado para realizar O Lenço Manchado de Vermelho, desde a ideia inicial?
Escrevi o roteiro em junho de 2012 para um projeto na PUC (Rio de Janeiro). Já tinha um outro roteiro pronto, mas vi que seria inviável fazer com o dinheiro que a gente teria e no tempo disponível. Pensando em outras histórias, o Ubaldo Glatt veio na minha cabeça, escrevi o roteiro, liguei para as pessoas e falei: Mudei.

 

Mas e aí?
Em julho de 2012 a gente começou a ver locações e como trazer os anos 40 de volta ao Rio. Porque tinha que ser fiel, sabe aquela coisa de não ter ar condicionado? Em agosto de 2012, a gente fez o pitching, com estimativa de orçamento, equipe bem montada e passamos. Começamos o teste de elenco no início de setembro, filmamos em novembro e a chuva atrasou bastante, terminando somente em 10 dezembro. Começamos a editar em janeiro de 2013, chegamos no corte final em março, exibimos na PUC em abril/maio e finalizei mixagem em setembro.

Jess Weiss com Jessica Chastain em Cannes 2014

A preocupação com a locação veio lá no começo, né?
Sim. Queria ter certeza de que teria as locações certas. Não adiantava ganhar o processo de pitching e não conseguir trazer o Rio dos anos 40. E até mesmo para provar para a banca de jurados.

 

A gente sabe a conexão do cinema noir com o P&B, mas existe outra razão para filmar em preto e branco?
Eu gosto muito. Meus filmes favoritos são do Chaplin. Admiro muito o P&B e gosto muito com alguma cor, tipo A Lista de Schindler (1993). A estética é muito legal, adoro o alto contraste… Já fiz sete curtas em P&B.

 

Como foi o processo de filmagem?
A gente filmou colorido para poder brincar depois na pós com o contraste, tipo trazer mais o vermelho, tirar mais… E o processo de cor, por mais que seja em P&B, não é só tirar, saturar mais… Tem que ser muito trabalhado. O diretor de fotografia, Dudu Mafra, e o diretor de arte, Pedro Bueno, tinham uma preocupação muito grande com isso. Então, na pós, o colorista Pietro trabalhou para ajustar os contrastes desaturados.

 

Essa “brincadeira” deles levou quanto tempo?
Dois dias. Inteiros.

 

Falando no número, diga dois títulos preferidos.
Crepúsculo dos Deuses (1950), que sei que não é considerado um grande noir, e Pacto de Sangue (1944), de onde brinquei com o nome dos personagens.

Tem um longa pela frente, a PUC vai financiar? (risos)
Quem dera. (risos) Mas estou escrevendo dois e começando a fazer contatos aqui também, conversando. Um deles poderá começar como curta e depois virar longa, terá um mini criação de universo…

 

Pode falar o nome?
Escrevo em inglês porque é mais fácil pra mim, e o nome é Sleeping World. É fantasia, quase ficção científica, uma mistura de Os Agentes do Destino (2011) com A Origem (2010). O outro se chama The Lost Stradivarius e escrevo ele desde 2011.

 

Algum recado para a galera que já fez seu primeiro curta ou está com um projeto nas mãos, na mente?
Aqui em Cannes está sendo uma mega experiência. É uma oportunidade. Sempre falo para as pessoas correrem atrás, baterem na porta de todo mundo. Fala com todo mundo, mostra seu projeto, confia nele. Você vai passar muito tempo com ele. Estou com esse há dois anos e ele é um curta. Você tem que gostar bastante da sua história.

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é publicitário, crítico de cinema e editor-executivo da revista Preview. Membro da ACCRJ (Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, filiada a FIPRESCI - Federação Internacional da Crítica Internacional) e da ABRACCINE - Associação Brasileira dos Críticos de Cinema. Enviado especial do Papo de Cinema ao Festival Internacional de Cinema de Cannes, em 2014.
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