Faltavam mais de dez minutos para o início da sessão quando a responsável pela organização pediu que levantasse a mão aquele que tivesse uma poltrona vaga por perto. Como era visível, as manifestações foram mínimas. Pouco tempo depois e a sala 7 do complexo Cinemaxx, aqui em Berlim, estaria lotada para a primeira sessão de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, na mostra Panorama, da Berlinale.

Equipe do filme Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, em Berlim

É pouco provável imaginar lugar mais adequado para o primeiro longa-metragem do paulista Daniel Ribeiro, que três anos antes fez sucesso com a gênese desse trabalho no curta Eu Não Quero Voltar Sozinho (2010). Se o Festival de Berlim é conhecido pelo carinho visível com que trata o cinema brasileiro, a sessão das 20h foi uma retumbante amostragem desta predileção.

Passava pouco das 21h30, horário local, quando o diretor subiu ao placo junto à produtora, ao trio de protagonistas e parte da equipe técnica. A sala levantou-se de pronto e em peso para aplaudi-los, como desculpando-se por não tê-lo feito antes, enquanto os créditos subiam e a luz permanecia desligada. Aparentemente, alguma norma germânica ainda imperava, mesmo com o expressivo quórum de brasileiros.

Foi nesse clima eufórico, entre o orgulho e a admiração, em que não raro via-se a emoção rolar face a baixo, independente da nacionalidade, que Daniel Ribeiro e equipe responderam às  perguntas do público. E o Papo de Cinema esteve lá, presente, conferindo como foi esse primeiro bate-papo. Confira!

 

Como você teve a ideia de contar uma história de amor à primeira vista em um contexto em que não se vê, por causa da cegueira?
DANIEL RIBEIRO: Normalmente, quando nos apaixonamos, isso vem através do visual, ao enxergar as pessoas. Mas eu queria contar a história de alguém que é gay e se apaixona não por aquilo que vê, mas por algo que vem de dentro, de um amor que irrompe.

Daniel Ribeiro (centro) e os protagonistas de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho

Como foi para você se preparar para desempenhar o papel do personagem Leo?
GHILHERME LOBO: Na verdade, a preparação não foi só para mim. Foi para eles [Fabio e Tess] também, porque tivemos que aprender a como lidar com o cego e como agir como um cego. Eles aprenderam a guiar. Eu aprendi a ser guiado. Aprendi a ler e escrever braile. Foi uma lição de vida, um aprendizado.

 

O ciúme é algo importante para você, Giovana? Foi um grande desafio representá-lo?
TESS AMORIM: Bom, na verdade, isso é algo muito comum para mim. Ele [Leo] é o meu grande amigo no filme. Não é que eu o tome como meu, mas somos grandes amigos. E queria cuidar dele. É mais por aí que a coisa vai.

 

Fábio, qual foi a sua primeira impressão ao ler o roteiro? Como você reagiu?
FÁBIO AUDI: Eu reagi bem, porque gostei desde o primeiro momento. É claro que o filme foi evoluindo à medida que estava sendo rodado, mas é parecido com o curta-metragem que a gente fez, portanto somente acrescentamos detalhes que adorei interpretar.

Bastidores das filmagens de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho

Como você conseguiu o financiamento? De onde veio o dinheiro para fazer o filme?
DIANA ALMEIDA: Foram todas fontes de financiamento públicas. E principalmente da cidade de São Paulo, do Estado de São Paulo e algumas verbas federais.
DR: É, são todos aqueles logotipos que você vê nos primeiros dois minutos de filme.

 

Eu vi o curta que você fez há algum tempo e queria saber, o que o levou a fazer um longa a partir dele?
DR: Eu achava que havia mais história para ser contada além daquela que contamos no curta. Tinham muitas outras características e camadas que gostaria de aprofundar, além das que tive oportunidade de apresentar em Eu Não Quero Voltar Sozinho.

 

Você participou de vários festivais com o roteiro de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho. Gostaria de saber como foi o processo desses anos todos com o roteiro original.
DR: O curta e o longa começaram juntos. Então, tinha o roteiro do longa que era mais parecido com o curta, no começo. O curta foi parar no youtube e ficou popular, então tive de mudar muitas coisas. A partir disso, fomos desenvolvendo um novo enredo para nos distanciarmos um pouco do curta. E como eles [os atores] cresceram, foram três anos entre o curta e o longa, deu pra mudar muita coisa nesse sentido. Colocamos mais detalhes da sexualidade, como a cena da masturbação, por exemplo, tem corpo mais exposto. A gente esperou o Ghilherme fazer 18 anos para poder filmar e ele fez aniversário no primeiro dia de filmagem.

Equipe do filme em Berlim

Você não medo de realizar essas mudanças do curta para o longa e decepcionar o seu público?
DR: Sim, ficamos com medo o tempo todo. Mas tivemos que mudar, pois como o curta existia, não faria sentido ter um longa que fosse igual. E esse foi um dos desafios, porque tive de recriar coisas que estão de certa forma conectadas com o curta. E acho que ficou melhor assim, tornou a história mais profunda.

 

Como você encontrou esses jovens tão incríveis? Qual foi o processo de seleção?
DR: Para os três atores principais que estavam no curta, passamos por uma agência, mas também aceitamos sugestões. Quando decidimos fazer o longa, precisávamos aumentar o elenco. Então fizemos um processo de seleção no qual eles [os atores do curta] participaram, porque era importante que houvesse essa interação. Às vezes você tem alguém que é ótimo, mas não se encaixa no papel.

Equipe do filme antes da primeira exibição em Berlim

Você se lembrava mesmo desse humor adolescente, Daniel, ou teve de fazer um esforço de concentração para se lembrar?
DR: Parte dele é das minhas memórias e muita coisa veio da interação com os atores, que foram me inspirando.

(O Papo de Cinema está em Berlim, acompanhando as principais sessões da Berlinale 2014)

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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