Primeira atriz brasileira a ser indicada ao Bafta. Primeira atriz brasileira a ser indicada ao Globo de Ouro – e ela já soma três indicações na premiação dos jornalistas estrangeiros de Hollywood. Vencedora na primeira edição do Prêmio Platino – o Oscar do cinema latino-americano – do troféu honorário pelo conjunto de sua carreira. Ela, aliás, já esteve duas vezes na festa da Academia – instituição da qual faz parte como membro votante – primeiro quando O Beijo da Mulher Aranha (1985), de Hector Babenco, recebeu quatro indicações – inclusive a Melhor Filme, tendo ganhado o troféu de Melhor Ator, para William Hurt – e a segunda alguns anos depois, quando foi convidada para ser uma das apresentadoras. Na ocasião, enquanto esperava nos bastidores para ser chamada, alguém lhe bateu no ombro e disse: “não vai me cumprimentar, Sônia?”. Quando se virou, deparou-se com ninguém menos do que Elizabeth Taylor. “Mas é porque eu fui namorada do filho dela, né? A gente já se conhecia”. Pois foi com essa simplicidade e bastante naturalidade que Sônia Braga recebeu o Papo de Cinema para uma conversa inédita e exclusiva sobre Aquarius, seu mais recente filme – e volta ao cinema nacional – sobre as polêmicas em torno desse trabalho desde sua estreia no Festival de Cannes, em maio deste ano, e sobre o Troféu Oscarito que recebeu na noite de abertura do 44° Festival de Gramado, pelo conjunto da sua carreira. Com vocês, Sônia Braga!
Vamos começar falando sobre a tua relação com o Festival de Gramado. Você é dona de dois kikitos, por Eu Te Amo (1982) e por Memórias Póstumas (2001), esteve aqui também com Dona Flor e seus Dois Maridos (1976), e agora está de volta para receber o Troféu Oscarito!
Então, como é que vou explicar isso? É uma relação em que você sabe que existe um amor, que pertence à sua vida e ao cinema, mas que mesmo assim você está distante. E hoje estou perto! É como se estivesse visitando a casa de alguém que você conhece há muitos anos. Alguém da família, um amigo querido. Gramado é um pouco isso pra mim.
Entre Aquarius (2016), que está chegando agora aos cinemas, e sua última participação no cinema brasileiro, que foi com o Memórias Póstumas, se passaram exatos quinze anos. Por que tanto tempo afastada do Brasil?
Eu não vou responder a essa pergunta, porque quando leem todo mundo diz que estou reclamando. Quando isso é impresso, parece reclamação.
Mas não é?
Não, nunca. Eu sou atriz. Sou convidada para fazer cinema. Não sou produtora, nem diretora. Nunca quis, e se quisesse, teria sido, mas não era pra ser. Eu ali sentada, num computador, escrevendo um roteiro… não é a minha cara. Sou mais de sair passeando, tirando fotografia. Acho que nem casei justamente pra não ter que fazer documento. Então, fico esperando que surja um convite. E se esse não vier, também não tem sofrimento.
Sim, pois é verdade também que você não ficou parada durante todo esse tempo. Fez vários outros filmes no exterior, até de diretores brasileiros, como o Lope (2010), feito na Espanha e dirigido pelo Andrucha Waddington…
É verdade! Se tem alguém, uma atriz, nesse país que não pode reclamar, é essa sentada aqui na sua frente. Tem quem diga “ah, mas você fica reclamando…”. Não! Nem tenho direito de reclamar.
Quando começaram a sair as primeiras críticas sobre Aquarius, durante o Festival de Cannes, quase todas eram unânimes em relação à excelência da sua interpretação…
Você não achou isso incrível? Então imagina pra mim! Nunca, em toda a minha carreira, havia recebido um retorno tão positivo como o que está acontecendo agora!
Também, você carrega 90% do filme nas costas, em estado de plena graça!
Mas isso é coisa de atriz que escuta o diretor. Não é só mérito meu. Entendeu? Você primeiro lê o roteiro, está ciente da história e compreendeu o que o diretor espera de você. Daí ele vem e fala o que você tem que fazer, e você tenta ao máximo chegar naquilo, porque é neste ponto onde estará o consenso do filme, o entendimento entre você e o diretor. São todos aqueles discos, o apartamento, o figurino, tudo em volta do personagem. E todos os demais tipos que estão… ao redor, pra usar uma expressão do Kleber (risos). É literalmente ‘o som ao redor’, pois a Clara é crítica de música! Mas então, foi muita coisa boa. Acho que nem consegui ler até agora tudo que já escreveram a respeito. Estou muito feliz.
Na bolsa de apostas em Cannes, em todas as categorias da premiação, a que estava mais em alta era para Melhor Atriz, mais até que para Filme. Já existe uma estratégia para levar o filme e teu trabalho até o Oscar, o Globo de Ouro?
Bom. Vamos com calma. Eu acho, particularmente, que primeiro o Brasil deveria escolher o Aquarius para ser seu representante na disputa do Oscar para Melhor Filme Estrangeiro. Que essa comissão ache o melhor filme para nos representar, e torço para que esse seja o nosso filme. Por exemplo, fiquei chocada pelo Boi Neon (2015) ter saído. É um excelente filme, o assisti em Nova Iorque e fiquei chocada. Cheguei até a escrever uma carta para o Gabriel (Mascaro, diretor), comentando o quanto o filme havia me tocado. Mas enfim, o que dizer dessa situação que a gente está vivendo?
Mas por exemplo, o Cidade de Deus (2002) não chegou a ser indicado como Filme Estrangeiro, e foi indicado em várias outras categorias, inclusive à Melhor Direção. Você não acha que o Aquarius, já que vai estrear nos Estados Unidos, não pode emplacar outras indicações, como à Melhor Atriz? Tu te vê, lá, entre as cinco finalistas?
Sempre! A pessoa que menos vejo lá é a Meryl Streep, pois todo ano é a mesma coisa! (risos) De verdade! Mas olha, vou te fazer uma pergunta: cadê a Lupita, que ganhou o Oscar? Quais os filmes que ela fez depois disso? Sabe, acho que um prêmio desses até pode fazer diferença, no nosso caso, para o filme. Se, por acaso, eu tiver essa sorte de ser indicada, serei a representante do filme, do Aquarius. Você sabe como sou – um pouco, já, imagino pelo que viu aqui, hoje…
Sim, tou tendo uma boa ideia! Mas veja bem, você já foi indicada três vezes ao Globo de Ouro, concorreu ao Bafta, ganhou o Prêmio Platino, faz parte da Academia de Hollywood… o Oscar é o próximo passo, não?
Teve vários outros prêmios também. Uma dessas indicações foi por Luar sobre Parador (1988), que fazia a amante do ditador, meu personagem se chamava Madonna, era divertidíssima. Mas de verdade, e não estou de brincadeira aqui, porque não sou de brincadeira, como você já sabe: prêmio pra ator é trabalho. Se você não trabalha, não pode ser indicado, por exemplo. O meu prêmio foi ter recebido esse presente dessa equipe, ter ganho essa personagem do Kleber, de terem lembrado do meu nome. Esse é o meu prêmio. Quando, lá em Cannes, o prêmio foi dado – perdão, esqueci agora do nome dela – para a atriz filipina, todo mundo veio falar comigo! Eu disse “gente, que bom pra ela, né? Já tá dado, já foi escolhido, acabou”. E vamos para o próximo – festival, filme, trabalho. Cada um tem sua carreira. Tem muito trabalho pela frente. Ganhei no Festival de Lima, e desse ninguém comentou.
Vamos torcer para o Globo de Ouro, para o Bafta, para o Oscar…
Haja vestido! (risos) Espero alguns Narciso Rodriguez, que é o meu predileto. Só uso ‘by Braga’ quando não tem Narciso (risos). É uma produção muito grande pra você fazer tudo direitinho, e gosto de fazer as coisas do jeito certo. Próximo passo agora é chegar aos cinemas brasileiros nessa semana, depois vamos para o New York Film Festival, e daí pro mundo!
(Entrevista feita ao vivo, em Gramado, em 27 de agosto de 2016)
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