Nascido no dia 19 de junho de 1977 em Belo Horizonte, Minas Gerais, Daniel de Oliveira começou a dar os primeiros passos no mundo artístico primeiro na publicidade, passando pelo teatro amador até estrear na televisão com a novela Brida (1998), na extinta Rede Manchete. Uma passagem quase que obrigatória pela telenovela juvenil Malhação (1999-2001), da Rede Globo, entre outros trabalhos, serviram para que chamasse a atenção e fosse convidado para viver o protagonista de Cazuza: O Tempo Não Pára (2004), a aguardada cinebiografia do ídolo pop. E ele integrou uma interpretação tão marcante, personificando o astro com tanta garra, que por este trabalho ganhou o Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro, o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e o Troféu APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte, entre tantos outros. Dali em diante, já consagrado, foi um sucesso atrás do outro. Com A Festa da Menina Morta (2008) ganhou novamente o Guarani e levou os troféus dos festivais de Gramado e do Rio, foi premiado em Toronto por Boca (2011) e em Los Angeles por Órfãos do Eldorado (2016). E levou mais uma estatueta no evento carioca por Aos Teus Olhos (2017), drama polêmico sobre um instrutor de natação que é acusado por um dos seus alunos – um menino de dez anos – de tê-lo beijado no vestiário, que chega agora às telas de todo o país. E aproveitando essa oportunidade, nós fomos conversar com ele que é um dos maiores atores da sua geração. Confira!
Olá, Daniel. Quando você recebeu o convite para Aos Teus Olhos, qual foi a primeira coisa que lhe veio à mente?
“Vou fazer esse filme”! Pronto, assim, de imediato. Quando a Carol Jabor, a diretora, me chamou, aceitei sem pensar duas vezes. Ela me mandou o livro do Josep Maria Miró, no qual o filme seria baseado. Quando chegou às minhas mãos, devorei em questão de horas, e fiquei hipnotizado. Que história! Apenas por essa leitura já se poderia intuir que teríamos algo muito bom pela frente. Daí foi uma questão das peças certas irem se encaixando. Por exemplo, o Lucas Paraizo, que escreveu o roteiro, é um craque! Ela foi se cercando pelos melhores profissionais, então eu tinha que estar dentro, não podia ficar de fora. E tem a questão do tema, também. Temos aqui uma abordagem muito contundente, atual, que fala dessa questão do julgamento virtual, que é algo que acontece todos os dias, a toda hora, e com vários assuntos. O legal disso é que podemos discutir um assunto como esse através da arte, fazendo uso desse prisma e trazendo para algo que estamos vivendo.
O Rubens é uma figura bem complexa. É carinhoso e malandro, muito honesto em suas relações, mas não gosta de ser acuado. Como foi construir esse personagem?
Foi incrível, um desafio e tanto, mas que me encheu de prazer. A gente fez um processo de mesa, de leitura antes das filmagens, que foi muito importante. Foi quando tivemos a oportunidade de ir mexendo no roteiro, de dar sugestões e oferecer outros pontos de vista. Cada olhar era importante, e tanto o Lucas quanto a Carol entenderam isso muito bem. Agora, esse é o tipo de coisa que funciona muito bem na teoria. Na prática, na feitura do filme, a gente se vê obrigado a se superar todos os dias, por mais que tudo tenha ficado alinhado antes. Algumas coisas, no entanto, conseguimos definir. Outras, por outro lado, achamos melhor deixar em aberto.
Vocês fizeram questão de não dar todas as respostas?
O Rubens é culpado ou inocente? Será que interessa entregar essa resposta pronta? Então ia transitando por essas sensações, o que trouxe uma ambiguidade interessante ao filme. Eu mesmo, enquanto lia o roteiro, muitas vezes me peguei em dúvida: será que ele fez ou não? A mesma cena, dependendo de como era dita, mudava toda a percepção do público. Ou seja, vem da palavra também. A cena do vestiário, com o Gustavo Falcão, por exemplo, que ele fica falando das alunas, mostrando fotos delas no celular… puxa, tá na cara que ele é vilão. Só o jeito agressivo que assumi ali direciona o espectador para um lado. Mas logo em seguida a gente vê ele com a namorada, ou com a chefe, e percebe outro lado da personalidade dele. O suficiente para começarmos a duvidar daquilo que até cinco minutos antes estava tão certo. A gente foi por essa linha, deixando que cada um tirasse suas próprias conclusões.
O que você tem de semelhante com o Rubens, e o que faria completamente diferente dele?
O Rubens é um cara totalmente livre, é divertido com as crianças. Sou bem assim. Mas me defenderia o mais rápido possível. Ele entra num estado de choque – sei, é difícil saber como a gente reagiria até que aconteça conosco – mas ele não tem muita reação. E tudo acontece muito rápido, não é mesmo? O ataque virtual, que começa a partir da denúncia daquela mãe em um grupo de WhatsApp, se espalhou pelas redes numa velocidade incrível. Ele nem sabia o que estava acontecendo. Eu, no lugar dele, teria me defendido de uma forma muito mais veemente, com mais clareza.
Mas você, Daniel, acha que o Rubens abusou ou não do aluno?
Eu, particularmente, acho que ele não é culpado. Ele pode ter uma postura agressiva, um jeito meio leviano de levar as coisas, mas imagino que ele seria incapaz de algo assim. Acho que sim, que é inocente. Igual ao cara do A Caça (2012) – que, aliás, é um baita filme. Aquele cara também não tinha esse poder, era uma sensação muito parecida. O que o Aos Teus Olhos busca é essa mesma angústia, essa sensação de impotência. Nunca fica totalmente explícito no que o filme está falando.
Você está muito desnudo no filme, física e emocionalmente. Foi preciso algum preparo especial para dar vida ao Rubens?
Olha, até que não. Aquela piscina era toda minha, o que foi fantástico. Até nadava nela, pra tu ter ideia (risos). O que aconteceu é que tinha acabado de filmar o 10 Segundos (2018), o longa que fiz sobre o Eder Jofre, então já estava naquele ritmo do boxe. Agora é que dei uma paradinha, porque estou muito envolvido com a divulgação desse filme. Mas quando você é mordido pelo boxe, já era. To louco pra voltar. Mas então foi isso, já tava vindo dessa preparação toda. E sempre fui de fazer muitos esportes, faço também krav magá, faço luta, não sou de ficar parado. Então, quando me disseram que eu ficaria de sunga quase o filme todo, não seria problema.
Aos Teus Olhos debate essa questão do linchamento virtual e das redes sociais. Num mundo tão polarizado, você acha que o público está disposto a refletir sobre esse tipo de questão?
Olha, o cinema tem esse lance, que é incrível, de que uma vez que você está ali dentro, o seu foco estará direcionado. Ou seja, quem sentar para assistir, vai ser obrigado a refletir. A não ser que seja pobre de espírito o bastante e decida sair da sala, ou seja, que se recuse a pensar sobre tudo aquilo que está na tela. Caso contrário, você se vê obrigado a encarar aquelas situações e tirar as suas próprias conclusões. Esse é um dos papeis do cinema, e acho que da arte em geral. Hoje em dia as pessoas não estão mais refletindo, o que é uma pena, e também um grande perigo.
Você já interpretou personagens bem polêmicos no cinema, como o próprio Cazuza, o Santinho, Stuart Angel, Frei Betto ou o Zolah. O Rubens é mais um para essa lista. Esse tipo de escolha é ao acaso ou você, conscientemente, procura por esse tipo de desafio?
É engraçado, todos esses caras vão aparecendo na minha vida, e fico muito feliz com isso. Recebo muitos convites, graças à Deus. E não só para o cinema, mas em outras áreas também. No entanto, só faço o que mexe comigo. Coincidentemente, são esses personagens mais contundentes que acabam me atraindo. Temos pouco tempo de vida, não podemos nos enganar que vamos estar por aqui para sempre, e temos que aproveitar ao máximo. Se fizer um trabalho que não acredito, vou estar perdendo meu tempo. Será sem verdade. Vou estar prejudicando todo mundo, até o espectador, que pagou para me ver e não será atendido.
Você tem outros dois filmes para esse ano. Falou do 10 Segundos, e tem também o Morto Não Fala. O que pode adiantar sobre eles?
Pois é. O 10 Segundos filmei com o José Alvarenga Jr, é sobre o Eder Jofre, mas é, acima de tudo, uma história de pai e filho. O pai dele era um argentino que veio morar em São Paulo. Ele casou e a família toda estava ligada ao mundo do boxe. Ou seja, desde pequeno o garoto já praticava o esporte. Aos 13, 14 anos, começou a se destacar. Foi quando começaram a prestar atenção nele. Mas o pai, que o treinou desde muito cedo, que o transformou num bicampeão mundial. O Eder tem uma história incrível, e a relação com o pai é muito emocionante. O Osmar Prado faz esse cara, a figura paterna, e repetir essa parceria com ele foi incrível. Fizemos antes a série Nada Será Como Antes (2016), na Globo, e emendamos direto. Foi maravilhoso. Temos uma parada legal, eu e ele. Fizemos também Hoje é Dia de Maria (2005), a gente se gosta bastante. E quando estamos com as companhias certas, o trabalho fica melhor. O filme tá ficando incrível, e deve chegar aos cinemas ainda nesse ano, no dia 13 de setembro, se não me engano.
Já o Morto Não Fala tem uma pegada bem diferente, certo?
Ah, com certeza. Morto Não Fala vem nesse ano também, só não sei quando. Já fiz toda a minha parte, mas este é um filme que exige um trabalho tecnológico grande, são muitos efeitos. Será o primeiro longa do Dennison Ramalho, e eu faço um assistente de necropsia que conversa com os mortos. Só que num dia esse pacto que ele tem com os mortos é rompido, pois ele pega uma notícia que fica sabendo por eles e decide resolver uma questão na vida. E aí o bicho pega pro meu lado. É um filme de terror, bem de gênero mesmo, que foi feito em Porto Alegre, com a turma da Casa de Cinema. Sou fã deles, do Jorge Furtado e da Nora Goulart, que são os produtores! É sempre muito bom trabalhar com eles. Me amarro muito!
Agenda cheia, pelo jeito.
Puxa, e já que estamos falando sobre isso, tem mais uma coisa muito legal que fiz e estreia ainda nesse mês. Começa no dia 22 de abril o Blue Planet 2 (2017-2018), que é projeto da BBC e será exibido no Brasil pela Discovery Chanel. É uma série de documentários sobre o lixo que jogamos nos oceanos. Ao todo são sete episódios. O David Attenborough faz a apresentação e narrou na Inglaterra, o Gael Garcia Bernal foi chamado para a versão na América Latina, e eu faço a narração no Brasil. É incrível, vale muito à pena assistir!
Com o Aos Teus Olhos entrando em cartaz, como você espera que o público vá reagir?
O publico já está reagindo, e isso tem sido incrível. O nosso trailer, desde que foi lançado, já conta com mais de 6 milhões de visualizações. Então algo que despertado interesse e curiosidade pelo que fizemos. Espero que isso continue, então. Torço para que o filme dê bilheteria, pois ele precisa ser assistido, ficou muito bom. Minhas expectativas são as melhores possíveis. Sei que temos um filme muito bom em mãos, já ganhamos vários prêmios em diferentes festivais, e temos algo que precisa ser discutido, que vale à pena. Além do mais, é também uma oportunidade de prestigiar um filme brasileiro, de consumir a nossa própria cultura, pois é isso que nos faz parte desse todo, não é mesmo?
(Entrevista feita por telefone na conexão Porto Alegre / Rio de Janeiro em abril de 2018)
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