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Há alguns anos era infelizmente comum que mesmo os mais eruditos pesquisadores do cinema sequer tivessem ouvido o nome de Alice Guy-Blaché. Levando em consideração que ela foi a primeira mulher cineasta, talvez a pioneira quanto à posse de um estúdio e precursora maior do cinema ficcional, é realmente sintomático esse apagamento histórico do qual foi sistematicamente vítima. Alice Guy-Blaché: A História Não Contada da Primeira Cineasta do Mundo (2019) soma esforços com outras iniciativas, de naturezas distintas, para devolver a francesa ao lugar privilegiado no panteão daqueles que desbravaram caminhos. Conversamos por e-mail com a cineasta norte-americana Pamela B. Green, responsável pelo longa-metragem esclarecedor e divertido ao mesmo tempo, para saber um pouco mais a respeito do processo verdadeiramente arqueológico de investigação por arquivos institucionais e pessoais mundo afora. Seu intuito era montar um quebra-cabeças encarregado de reparar uma grave falha da historiografia cinematográfica. Confira abaixo o resultado do nosso bate-papo exclusivo com Pamela B. Green.

 

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Pamela e Jodie Foster, narradora do documentário Foto: divulgação 

 

Como seu deu o seu primeiro contato com a obra da Alice Guy-Blaché? Como você a descobriu?
Estava assistindo a um programa de televisão sobre mulheres pioneiras do cinema, incluindo a Alice Guy-Blaché. Não fiz escola de cinema, mas trabalho na indústria do entretenimento, e fiquei chocada por nunca ter ouvido falar dela. Como uma figura tão importante para o nascimento do cinema poderia ser desconhecida? Ficou claro que eu precisava contar essa história.

 

Há muito o que entender na trajetória apagada dessa verdadeira pioneira. O que norteou a sua decisão a respeito do quê e como abordar?
Este filme é sobre uma força feminina determinante na indústria de cinema. Era essencial que uma mulher forte fizesse a narração. Jodie Foster foi uma escolha óbvia. Era também importante que o filme fosse divertido, alcançando e comovendo uma plateia ampla, além dos acadêmicos, para que Alice nunca mais fosse esquecida. Nossos oito anos de pesquisa permitiram criar um retrato completo da vida e do trabalho de Alice, e, ao mesmo tempo, uma combinação divertida entre investigação e cinebiografia. As descobertas em materiais de arquivo, incluindo áudios e programas de televisão com entrevistas de Alice nos permitiram contar a trajetória dela.

 

Seu trabalho com o Legwork Collective é muito interessante e, de alguma maneira essa arqueologia das imagens é vital à reparação que você faz com Alice no documentário, não?
Cada parte do processo implicou num volume insano de arqueologia. Percorri a agenda dela, entrei em contato com familiares, encontrei documentos antigos em porões e garagens, implorei para arquivos ao redor do mundo olharem mais uma vez no acervo disponível, em qualquer estado que estivesse. Pedi para quem os transferissem de qualquer forma possível para mim, para incluirmos no filme de modo que as pessoas pudessem ver o trabalho de Alice.

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Você acumula uma quantidade impressionante de créditos em produções bastante diversificadas. Sua paixão pelo cinema também passa por essa pluralidade?
Tenho uma paixão pela arte de contar histórias, seja por meio da escrita, edição, direção ou mesmo da criação de letreiros. Gosto de trabalhar em todos os formatos e gêneros, usando ferramentas capazes de criar conteúdo, ao cinema, à televisão, às premiações ou ao streaming. Novos desafios e obstáculos me ajudam a manter a motivação.


Voltando à Alice, o que mais lhe impressiona na história dela?
Esta é a história de uma artista respeitada que passou do ápice da fama à obscuridade, mas depois lutou para corrigir a História e reivindicar sua importância no cinema. Tudo isso é muito poderoso e inspirador.

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Dentro das recentes reivindicações por uma maior visibilidade feminina no cinema, te parece algo urgente também recolocar grandes mulheres do passado em seus devidos lugares de destaque e proeminência?
Alice foi não apenas a primeira diretora mulher, mas também uma empresária, e a primeira mulher a comandar um estúdio de cinema na época em que as mulheres sequer tinham o direito de votar. Ela é inspiradora às próximas gerações, enquanto artista e como alguém que não deixou os obstáculos atrapalharem o seu caminho. O filme preenche a lacuna entre o passado e o presente, e ele já motivou futuras gerações de mulheres a tomarem posse de suas ferramentas (quaisquer que sejam), acreditar em si mesmas e seguir em frente. Existe uma Alice em cada uma de nós. Se você tem um sonho e o visualiza, certamente pode concretizá-lo.


Respostas traduzidas do inglês por Bruno Carmelo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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