“Juro-lhes que essa orquestra da morte foi muito menos triste do que podia parecer” (Machado de Assis)

Em uma entrevista séria – ou seja, depois dos quarenta anos – o escritor argentino Ernesto Sábato confiou em tom sentencioso haver muito de reclusão e pouco de vida na literatura. Após, ao revelar que guardava mais de trinta mil livros em sua casa, a afirmação anterior ganhou um tom ainda mais amargo, mesmo que resignado. Segundo nos relata Jorge Luis Borges em uma de suas conferências, o poeta francês Paul Claudel escreveu que os aguardados momentos ulteriores à morte em nada se parecem com a projeção dantesca. Invariavelmente, temos duas posições diferentes, ainda que de nenhuma forma antagônicas, sobre a assimilação do objeto artístico.

Em 1948, Sábato doou à literatura um longo relato cujos protagonistas eram vertiginosamente enlaçados a partir da arte. Na obra, Juan Pablo Castel e María Iribarne se conhecem em uma exposição e desse momento em diante percorrem a história da gênese ao apocalipse. Como se fosse um travessão, a arte preencheria o desconhecido e suposto vazio, a grande dúvida, anterior e posterior à vida. Claudel leu A Divina Comédia e acreditou, erroneamente, no tom profético da obra. Imagino-o imaginando a possibilidade real de o plano metafórico ser concreto. Pensou, ainda que por um momento, poder circular nos Círculos, conversar amistosamente com os pensadores da antiguidade; creu no gelo e nas sombras.

Penetrar a função da arte ou determinar o lugar que ela ocupa passa por uma tentativa normalmente frustrada de desvencilhar o homem de si próprio, de articular conceitos bem humorados e esforçados, mas jamais suficientemente precisos para engendrar o ser e tudo o que tanto lhe vale na expressão artística: a vida, a dúvida e a morte.

Nos trinta mil volumes empilhados em algum lugar da rua Santa Fé, Ernesto Sábato vislumbrou Borges gracejando a dita de serem todos o mesmo e único livro, irrefutavelmente. Nas sobrancelhas grisalhas do entrevistado estava muito do que não sabemos ou saberemos, ainda que sintamos, e tanto. Restava aceitar para si, então, trinta mil consolos ou descrenças.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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