Era uma vez, num reino distante e feliz, uma princesa que nasceu cercada de mimos e carinhos. Ela cresceu sabendo que tinha a missão de encontrar um príncipe encantado para dar sentido à sua vida. Outra historinha: enclausurada numa torre altíssima, a jovem espera, sem reclamar, a chegada do valente rapaz que vai libertá-la, tornando-a mãe de seus lindos filhinhos. Os contos voltados ao público infantil são repletos de tramas semelhantes e, salvo algumas exceções que merecem palmas, nenhum pai ou mãe os questionou. Não é preciso ter mais de cinco anos para pensar na possibilidade da princesa se apaixonar por astronomia e querer seguir uma carreira de pesquisadora, muito menos que a moça tenha pernas e força suficientes para pular uma janela e ir fazer a vida como bem entender.

É inegável que os tempos são outros e até a sempre tradicional Disney já realizou mudanças em algumas de suas personagens. Mesmo que a maioria continue loira e magricela, já temos Tiana, a princesa negra de A Princesa e o Sapo (2009), a ruiva arqueira Merida de Valente (2012) e a líder de uma tribo da Oceania, Moana. As duas últimas são protagonistas de filmes de aventura e seus conflitos estão mais ligados a problemas familiares e à vontade de conhecer novos mundos. Ou seja, não são princesas, mas heroínas, por mais que a mídia insista em não lhes nomear assim. Uma menina resolver sozinha seus problemas, sem precisar ser carregada nos braços, ainda incomoda. Com a estreia de Alien: Covenant, o xenomorfo do espaço voltou a ser tema de conversas. Mas e Ellen Ripley, a protagonista que luta sozinha contra ele no primeiro filme da franquia, lá em 1979? Ela é um símbolo da quebra de estereótipos na ficção científica, um dos gêneros mais machistas do cinema. Por que Ripley não é a personagem favorita de dez entre dez meninas? Pergunta que não quer calar.

É uma discussão antiga, que coloca os brinquedos do Batman e do Homem-Aranha como sendo coisas de menino e bonecas que imitam bebês e panelinhas como os preferidos das meninas. Ver o coleguinha de aula correndo de capa como se estivesse voando para salvar o mundo enquanto nosso superpoder é ligar o fogão para fazer comidinha é frustrante. A vida na casinha deve ser monótona e muitas pequenas sonham com um batmóvel que as leve para bem longe. As bilheterias dos filmes de princesas podem até ser milionárias, mas não satisfazem os reais desejos de quem tem cinco anos e energia de sobra. Esperando o príncipe num castelo é que elas não vão ficar.

A proximidade da estreia de Mulher-Maravilha, investimento da DC Comics, alimenta esperanças de que as brincadeiras sejam mais equilibradas, com meninos e meninas tendo sua parcela de salvação do mundo. A espada de Diana Price pode se tornar o novo desejo das pequenas. Não há mal em brincar de boneca ou ser a Cinderela. O que o cinema (e a sociedade) não pode é fazer disso a única alternativa, o único experimento de vida adulta das meninas. Propor que todos os sonhos são cabíveis e alimentar a autoestima é o principal superpoder de uma boa personagem. E, como sabemos que descobertas nos fazem reescrever a história do mundo, há de chegar o dia em que os príncipes irão se revelar uns medrosos que só encararam os dragões porque quem estava à frente era uma princesa sem medo de rasgar o vestido na batalha.

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é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
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