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Sinopse

Procurando ouro na Serra Pelada, quatro amigos se aventuram pela área controlada por Von Berman. Com a ajuda de um capataz casca grossa, esse sujeito tenta usurpar a terra de um homem. Os trapalhões irão ajudar esse pobre coitado.

Crítica

No início da década de 80, a região de Serra Pelada, localizada no estado do Pará, tornou-se conhecida como o maior garimpo a céu aberto do mundo, atraindo milhares de pessoas de diversas partes do país, que tentaram a sorte em busca de ouro. A fama do local gerou um grande interesse popular, elevado ainda mais por registros do cotidiano do garimpo que eram apresentados em programas de TV. A curiosidade a respeito do tema e o impacto das imagens levaram Renato Aragão e companhia a produzir este longa, que se tornaria um dos mais bem-sucedidos dos Trapalhões, figurando até hoje entre as maiores bilheterias do cinema nacional.

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O início do filme é bastante promissor, mostrando os amigos Curió (Aragão), Boroca (Dedé Santana), Mexelete (Mussum) e Bateia (Zacarias) chegando ao garimpo com a ilusão da conquista da riqueza imediata. Filmadas na própria Serra Pelada - e posteriormente intercaladas a outras gravadas em um set no Rio de Janeiro - estas primeiras cenas impressionam pela grandiosidade, colocando os comediantes subindo e descendo barrancos em meio ao verdadeiro formigueiro humano do local. O realismo destas imagens – ainda que em determinados momentos seja possível perceber que a presença dos humoristas era evidentemente notada pelos garimpeiros – passa a impressão de que o quarteto pretende realizar uma sátira social dentro do contexto do Brasil daquela época.

Infelizmente, essa ideia é abandonada a partir do segundo ato, que deixa o ambiente do garimpo para adentrar numa trama aventuresca mais convencional, em que os integrantes dos Trapalhões acabam se transformando em coadjuvantes do herói da história, Chicão. Gracindo Júnior interpreta o personagem, filho de um fazendeiro que se recusa a vender suas terras para o Barão Von Bermann (Felipe Levy), um latifundiário que domina a região de Serra Pelada e que faz parte de uma organização criminosa internacional, cujo plano é construir um porto para exportar o ouro brasileiro. E, como de costume na obra do grupo, a trama acaba sendo composta por esquetes que nem sempre se conectam com naturalidade: o resgate de Lilian (Louise Cardoso), interesse romântico de Chicão, o encontro de Didi com um pajé, a amizade que faz com o indiozinho Caú, a relação com a garçonete Anaí (Ana Maria Magalhães), etc.

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Assim como Heitor Dhalia no recente Serra Pelada (2013), o diretor J.B. Tanko – em sua décima colaboração com Renato Aragão – flerta com arquétipos do faroeste, através dos figurinos e da figura do capataz do Barão, papel do ator e cantor Eduardo Conde, nome habitual nas produções dos Trapalhões. Outros rostos conhecidos da filmografia da trupe estão presentes, como Wilson Grey (o pai de Lilian) e Dary Reis (como Politowski, um dos membros da organização criminosa). Tanko se mostra menos inspirado do que em trabalhos anteriores e conduz a maior parte das sequências de ação cartunescas de modo bastante esquemático. Algumas piadas visuais conseguem arrancar risos genuínos, como a do táxi/carroça e a do “Jegue Car”, já outras soam demasiadamente pueris.

Os quatro comediantes apresentam o carisma e a sintonia esperada, e todos têm momentos de brilho individual, como Mussum na cena em que cai na mina de ouro ou os outros três nas sequências musicais, que são, sem dúvida, os pontos altos do filme. Acompanhados pelo grande Sivuca e por um coral feminino, Didi e Dedé interpretam a hilária “Procurei Tereza”, enquanto Zacarias está genial cantando “Perdi Minha Nega Num Forró”. Infelizmente, em sua parte final, o longa não volta a apresentar momentos da mesma qualidade e a trama acaba entrando em um conflito ideológico. Se por um lado mantém um discurso contra a opressão dos poderosos e fala em igualdade na distribuição de terras, por outro a produção se viu obrigada a cumprir algumas exigências impostas pelo governo federal, que já havia realizado a intervenção de Serra Pelada.

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As exigências incluíam a mudança de nomes de personagens, o corte de cenas consideradas “dolorosas demais” por mostrarem as condições precárias do garimpo e, principalmente, a participação das forças armadas brasileiras no heroico ato final. Com isso o desfecho da história se transforma em uma longa sequência de imagens militares, com aviões, paraquedistas, tanques, explosões e tiros – tudo encenado sem nenhum tipo de violência gráfica – que isenta o governo de qualquer culpa (afinal, os vilões são bandidos estrangeiros) e destoa completamente do resto da obra. De qualquer forma, mesmo com seus evidentes defeitos, Os Trapalhões na Serra Pelada tem seu valor não só pelos lampejos de inspiração cômica, como também pelo registro de um episódio marcante da história do Brasil.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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