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Sinopse

Uma jovem que sofre de depressão é assaltada. Dali em diante, ela passa a viver com um propósito: rastrear os ladrões com a ajuda de seu nada amigável vizinho. Mas, logo ambos vão entender que se envolveram com fogo.

Crítica

O nome Macon Blair não diz muita coisa até ao mais cinéfilo dos leitores. Como ator, ele participou de alguns longas e curtas e fez participações em seriados como Lei & Ordem (2008). Porém, sua estreia como diretor se deu através de um filme criativo e que conquistou o júri do Festival de Sundance, um bom termômetro para produções independentes. Já não me sinto em casa nesse mundo tem pouco mais de uma hora e meia de duração, mas consegue surpreender o espectador de cinco em cinco minutos. E o melhor: sem precisar se valer de grandes reviravoltas na trama. A evolução da protagonista, Ruth, interpretada pela eterna apaixonada por Charlie Sheen em Two And a Half Men (2003-2015), Melanie Lynskey, é composta por mudança sutis em suas atitudes e nem um pingo de pieguice.

Nossa heroína está em seu inferno astral. Parece até ter nascido em um, por sinal. A profissão de auxiliar de enfermagem não lhe dá nenhum prazer e seus momentos de folga são um tédio total. Sua única amiga, Angie, não é a melhor conselheira do mundo e, para piorar, alguém entra em sua casa e rouba seu computador e os talheres de prata que havia herdado da avó. Mais que a perda material, Ruth se sente invadida, como se sua vida monótona, de repente, fosse balançada. Além disso, o medo de que novos assaltos aconteçam faz com que tome atitudes que não combinam muito com sua personalidade. O primeiro passo é pedir ajuda ao que parece ser o seu vizinho mais confiável, Tony, vivido por Elijad Wood, um apaixonado por artes marciais com poucos músculos, mas muita obstinação. Forma-se o casal que vai encarar as situações non senses em busca de vingança.

A última palavra pode soar forte, mas Já não me sinto em casa nesse mundo é sobre revoltar-se contra as pequenas injustiças do cotidiano. O faqueiro de prata de Ruth não vale nenhuma fortuna, mas recuperá-lo sem precisar bancar o mercado negro é tudo que ela quer. E isto resulta em outras pequenas rebeldias, sempre permeadas por muito humor negro. Os diálogos da produção fazem uma dobradinha perfeita com os coadjuvantes que cruzam o caminho de Ruth e Tony. É tudo tão estranho que, no fundo, parece normal. Há os estranhos bondosos, como o casal que conduz a trama, e há estranhos malvados, seja por não respeitarem a fila do supermercado, seja por furtarem a casa alheia. A longa apresentação de Ruth para o público já explica o título do filme. A dona da história que vamos assistir se sente fora de lugar, como se não tivesse sido feita para habitar este planeta. E já que é a estranheza que comanda o jogo, o roteiro, assinado por Blair, faz questão de elevá-la até a última potência e não se deixar abater por truques comuns do cinema. Uma prova disso é o romance entre Ruth e Tony. Ele existe, mas não precisa de cena de beijo no meio de uma perseguição na mata para provar que é verdadeiro.

Lynskey e seu parceiro de cena, Elijah Wood, estão confortáveis em seus personagens, garantindo a empatia imediata. A fotografia colabora que fiquemos diante do banal, retratando o bairro onde Ruth mora em tons opacos e com casas nada glamurosas por todos os lados. É a América que não aparece no folder da agência de turismo, mas que conquista justamente por parecer próxima, algo que tem feito parte das escolhas da plataforma Netflix, uma das responsáveis pela produção e distribuição do filme. Há referências ao cinema de horror dos anos 80, de Sam Raimi e sua turma, e também um clima despretensioso, com losers que não posam de moderninhos ou fazem de seus defeitos um elemento de charme. Já não me sinto em casa nesse mundo é sobre tentar seguir em frente, se ferrar e ainda assim não desistir. Sem lições. Sem redenção. Apenas o fluxo dos dias deste mundo louco correndo. Não bastasse tudo isso, ainda é uma ótima diversão, com direito a tiros que saem pela culatra. Literalmente.

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é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
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