Crítica

Há quem precise aprender a ser só e os que não sabem lidar com a situação de ter uma companhia pela primeira vez. Eu Não Sou Daqui, dirigido por Luiz Felipe Fernandes e Alexandre Baxter possui um protagonista passando por essa descoberta, a de dividir a vida e o seu sentido com alguém. Edson, que depois ganha o apelido de Pato, é um andarilho que faz de qualquer esquina um lar e vende material reciclável. Logo em suas primeiras cenas, ele tenta negociar uma sucata, mas a desconfiança de um empregado faz com que ele nem tenha espaço para ser ouvido. Está sozinho num lugar que não é seu. Na mesma cidade, com outra história, mas a mesma solidão, está Seu Zé Grande, o técnico do time de futebol amador da região, apaixonado pelo ofício ao ponto de fazer dos treinos sua religião e do vestiário a sua morada. O encontro dos dois se dá numa situação típica dos jogos de várzea. O goleiro faltou e o primeiro a ser avistado já recebe o convite para assumir o gol. Pato veste o uniforme e adentra na vida de Zé Grande.

As primeiras movimentações do roteiro de Eu Não Sou Daqui dão a entender que uma parceria irá nascer. Só que, mesmo dividindo o teto, Zé Grande e Pato continuam nos seus cantos. As poucas palavras trocadas dão conta de saber quem vai fazer o café, além de comentários sobre os jogadores. É um espelho que muda tudo. Ao colocar um retrovisor na parede do banheiro, Pato causa estranheza no companheiro de quarto. Fica evidente o desejo de que as quatro paredes sem reboco, com portas improvisadas, formem um lar. A necessidade de pertencer cresce em alta velocidade. Ele arruma emprego numa construção, tenta ter uma vida social, frequentando o forró do bairro, e toma para si o sofrimento de Zé Grande, o de ver o campo de treinamento ser fechado para a obra de expansão de uma empresa. Parece ser o início de uma caminhada de luta pela preservação do time que, devido às brigas constantes dos jogadores, chega ao fim. E é aí que seu Zé Grande adoece. Se a culpa é da idade avançada ou do sumiço da equipe, fica a dúvida no ar.

São vários os planos abertos em Eu Não Sou Daqui. Dois, em especial, merecem destaque. Na conversa entre Zé Grande e seu filho, o rosto dos dois atores fica escondido do espectador, que observa Pato, sentado perto de ambos escutando tudo com apreensão. O pouco interesse do filho aos desejos do pai não o agrada e os diretores fazem questão que o público testemunhe disso. Em outra cena, Pato cuida de Zé Grande no hospital e, mesmo sem diálogos, edifica sua ternura. Se alguém tinha dúvidas de que Pato havia achado o seu lugar e o seu parceiro, elas são cessadas nos pouco mais de dois minutos de duração do encontro.

Com uma fotografia que equilibra os tons terrosos do interior e as primeiras cores acinzentadas que o progresso traz, Eu Não Sou Daqui tem um final surpreende. E não é pelo fato da insólita atitude do protagonista, mas por dar significado à cena de abertura, na qual Pato derruba uma parede de tijolos em busca do que perdeu antes mesmo de conquistar por completo. É assistir e se emocionar.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
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