Crítica

Christina Aguilera tem a voz. Cher tem o mito. E a trilha sonora é uma delícia à parte, com canções das duas e de outros nomes de destaque, como Madonna. Como, então, não gostar de Burlesque?Vamos deixar claro algumas coisas logo de início: esse não é um musical, e sim um filme com músicas; as protagonistas não estão atuando, e sim posando como a imagem pública delas mesmas; a obviedade da trama chega a ser constrangedora; as músicas – algumas inéditas, outras regravações de sucessos antigos – são ótimas; e estamos diante muito mais de um grande videoclipe do que de um filme em si. E por isso chega a ser ruim? Claro que não! É mais um daqueles casos: de tão ruim chega a ser ótimo!

A melhor coisa de Burlesque é a frase de apoio estampada no cartaz: “é preciso uma lenda para se fazer uma estrela”! E é essa a ideia do projeto: unir uma das maiores divas do universo pop – Cher – a uma cantora em formação – Christina Aguilera. A primeira é uma lenda, sim, e a segunda é uma estrela, inegavelmente. E a união das duas, se não incendeia a tela, ao menos não provoca nenhum constrangimento. Alguns já disseram que esse nem mesmo um filme é, de tão absurdo que é tudo o que vemos. E quem faz essa afirmação não está de todo errado. Apenas não viu o quadro completo. O que aqui importa é muito mais os elementos além da história – artistas, músicas, glamour, fantasia – e é por esse lado que se deve avaliar.

Burlesque é a mais perfeita combinação entre Showgirls (um dos maiores vencedores dos prêmios Framboesas de Ouro, que reconhece os piores do cinema) e Chicago (o único musical vencedor do Oscar de Melhor Filme nos últimos 30 anos). O enredo é simplista ao extremo: garota pobre deixa o interior dos Estados Unidos para tentar a sorte como artista na cidade grande. Lá se encanta pelo mundo dos espetáculos e tenta a sorte como dançarina e cantora, ao mesmo tempo em que se apaixona. Nesse processo, vai ajudar a casa de shows a recuperar sua fama e manter seu status de brilho e emoção.

Algumas coisas importantes: há mais de uma década que Cher, vencedora do Oscar de Melhor Atriz por Feitiço da Lua (1987), não atuava num grande filme. Aguilera, entregando exatamente o que lhe é exigido no papel principal, se sai muito melhor do que outras cantoras na mesma situação, como Britney Spears (Crossroads) ou Mariah Carey (Glitter). E as duas são as únicas que cantam, e toda cantoria ou dança do filme é feita no palco, longe dos musicais clássicos em que a fantasia e a magia tomava conta, levando elencos inteiros a soltar a voz de uma hora pra outra. E os coadjuvantes estão muito bem, com destaque para Stanley Tucci (Julie & Julia), Cam Gigandet (Crepúsculo) e Kristen Bell (Encontro de Casais).

Talvez o maior problema de Burlesque seja a inabilidade do diretor Steve Antin, um novato que parece ter assumido uma responsabilidade maior do que suas capacidades. No fim, temos muita luz, holofotes e boas canções, empilhadas umas após as outras, sem muito sentido ou conexão. Mas quem se interessa com isso? Afinal, temos Aguilera aos berros e Cher com toda a pose que os fãs tanto aplaudem. Não foi um estouro nas bilheterias, e a indicação ao Globo de Ouro como Melhor Filme – Comédia ou Musical (ganhou, na premiação, como Melhor Canção, por You Haven’t Seen The Last Of Me, de Diane Warren) pode ser entendida mais como um carinho (e falta de opções) do que um verdadeiro reconhecimento. Mas, entre mortos e feridos, o que importa é o prazer de conferir as duas divas fazendo exatamente o que esperamos delas. E nisso elas são ótimas!

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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