Crítica

Aos 92 anos, Alain Resnais pode ter esquecido o quanto o cinema deve aos seus filmes. A verdade é que o público não esqueceu, o que pode ser constatado em qualquer sessão que exiba um filme do cineasta francês, invariavelmente lotada. Com Amar, Beber e Cantar não foi diferente.

Terceira adaptação de uma peça do inglês Alan Ayckbourn – as anteriores foram Smoking e No Smoking (1993) e Medos Privados em Lugares Públicos (2006) – Resnais leva à tela um grupo de amigos de longa data após descobrirem que um deles, George Riley, tem apenas alguns meses de vida pela frente. A notícia desestabiliza a todos, criando uma série de conflitos. Sabe-se pouco sobre Riley, mas à  medida que a idade chega, perder um amigo de infância é perder a si próprio.

Para contar a história, Resnais utiliza um caminho nada usual – ainda que representar diferente seja uma marca do diretor. Como é de costume, a forma é o primeiro aspecto a ser minado, transformando a adaptação em mais teatro do que a encenação do palco poderia fazer. Ou seja, vai na contramão e não tira, mas adiciona teatro ao filme.

Para compensar a proposta estática de teatralização, o ritmo se impõe por meio da arte visual, uma série de desenhos que localiza o espectador espacialmente, e permite dar andamento à narrativa. Os cenários refletem à cenografia dos palcos, contando com clara demarcação dos espaços e a revelação dos tempos de fala, situação que se soma ao fato de um dos casais do filme estar ensaiando uma peça de teatro.

A condução precisa do tema e o embaralhar, porém, são os únicos resquícios do diretor de Hiroshima Meu Amor (1959) e O Ano Passado em Marienbad (1961). Pois, se o trabalho com a forma diverte e entretém, o tom do filme é o de comédia de costumes, que transparece mais a datação do estilo do que o seu efeito. Com o evolução da narrativa – dividido em partes que correspondem às estações do ano – Amar, Beber e Cantar se torna refém da projeção. A limitação em filmar um teatro acentuando-se as marcas do palco são claras – por vezes, enfadonhas. Os conflitos internos da trama, como a separação de Monica e George e os flertes deste com todas as mulheres do grupo se assemelham a um carrossel: por vezes simpático e divertido, mas gradativamente desestimulante.

Resnais não precisa ter nenhum compromisso com o cinema, pois fez demais. No entanto, não se pode fugir ao que se espera, que é encontrar em tela algo que faça jus ao inquieto diretor de outrora. O que se pode ver nos últimos anos, e Amar, Beber e Cantar infelizmente sinaliza com mais vigor, é uma acomodação temática. Cada vez menos pungente e mais burocrático, sentenciar o aburguesamento do último filme de Resnais talvez seja impreciso somente se o protegermos da carga ideologicamente pejorativa que o termo carrega.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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