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Sinopse

No fim dos anos 1990, uma onda de sequestros abala o Rio de Janeiro. Um grupo de policiais assume a Divisão de Ações Antissequestro (DAAS) com a missão de desmontar as quadrilhas que transformou o crime em indústria. Nos bastidores, a disputa pelo poder opõe de um lado Mendonça – policial incorruptível, porém violento – e do outro, Santiago, Ramos e Roberta – eficientes, porém corruptos.

Crítica

Seria natural imaginar, neste caso, que a série tivesse vindo antes do filme. Afinal, o seriado A Divisão (2019) estreou na televisão e nas plataformas de streaming um ano antes do filme A Divisão. No entanto, não é o que aconteceu. No longa dirigido por Vicente Amorim, personagens como o delegado Mendonça (Silvio Guindane) e o detetive Santiago (Erom Cordeiro) estão recém se conhecendo. Ou seja, acaba por ser a oportunidade para um mergulho mais profundo em uma obra que parte de um dos momentos mais críticos da crônica policial recente do Rio de Janeiro, aqui apresentada num formato com combina com habilidade entretenimento e eficiência artística. Trata-se de uma trama de ação, sim, mas nem por isso recai nos clichês mais frequentes do gênero, driblando dos mesmos com desembaraço, ao mesmo tempo em que faz proveito do talento de artistas nem sempre aproveitados à altura do que podem oferecer. Ou seja, pelo resgate histórico, pelo elenco coeso ou mesmo pela proposta ousada, é um conjunto que merece ser observado com atenção – talvez até mais do que o seu derivado televisivo.

Logo nas primeiras cenas de A Divisão, Santiago está com os seus dois parceiros habituais, Ramos (Thelmo Fernandes) e Roberta (Natália Lage), em campo, prestes para uma tocaia. A ação dos três é bem-sucedida, e conseguem pegar o traficante. No entanto, ao invés de levá-lo para a delegacia, o que fazem? Decidem achacá-lo, levando a grana que estava com ele, como também o ameaçando com outros possíveis abusos. Ou seja, nada de cuidar do cidadão ou fazer o seu trabalho – o que querem, é aproveitar o caos social em benefício próprio. O outro lado da moeda é o oficial Mendonça, um cara que deseja apenas entregar o que esperam dele. Ele também está na rua, mas ao desbaratar uma quadrilha ligada ao tráfico, acaba se deparando com diversos corpos, inclusive o de uma criança, ainda com vida, que havia sido sequestrada dias antes. Seu nome acaba indo parar nos jornais, e se torna o ‘herói’ que a cidade precisa, ao menos naquela semana. A pessoa ideal, portanto, para ocupar o cargo de chefe da DAAS – Divisão de Ações Antissequestro. Uma posição, como quase tudo que alcança maior notoriedade no Brasil, que até pode funcionar como Relações Públicas, mas que encontrará forte resistência nos bastidores.

Ao assumir esse ponto de vista, Amorim toma uma decisão acertada. Afinal, tão ou mais importante do que acontece à luz do dia – ou nas sombras da noite – é o que se desenrola longe dos holofotes: as intrigas, negociatas e combinações feitas às escondidas por chefes da polícia e do governo, assim como entre esses e os bandidos que deveriam estar sendo coagidos, mas que, de um momento para outro, acabam servindo como informantes, auxiliares ou mesmo peças fundamentais de um jogo muito mais tenso. Para tanto, é importante estar atento para o fato do enredo se desenrolar no ano de 1997, quando a onda de sequestros atingiu níveis alarmantes na capital carioca. Mais do que isso, foi quando não apenas o cidadão comum se encontrava em perigo – mas artistas, políticos, celebridades e outros habituados a estarem no controle passaram a se ver ameaçados. Esse cinto em particular se viu apertado, e atitudes de maior efeito passaram a ser cobradas. Como se percebe, hoje ou vinte anos atrás, pouca coisa parece ter mudado.

Portanto, a Divisão é posta em prática, e resultados passaram a ser exigidos, tanto das autoridades como da imprensa, todos preocupados com suas imagens e com o que a repercussão de cada novo sequestro junto à população. Mendonça quer agir conforme ditam as cartilhas mais convencionais, mas quem se vê ao seu lado é Santiago, um homem acostumado a agir sem deixar registros. Quando a filha de um senador candidato à presidência desaparece, é chegado o ponto em que os dois deverão aprender como lidar um com o outro, para se unir de vez – ou partir cada um para o seu lado. Enquanto vão batendo cabeça e tentam descobrir como agir diante das novas obrigações – afinal, nenhum dos dois havia lidado com esse tipo de crime até então – há outros envolvidos. Entre esses, o que muda é o grau de interesse em ver o episódio resolvido – ou não. Inspetores tarimbados (Marcos Palmeira, longe do papel de galã ao qual está acostumado), secretários públicos que mais falam do que agem (Bruce Gomlevsky, eficiente em personagens dúbios) e outras figuras que volta e meia estão nas manchetes dos jornais – assessoras, empresários etc – acabam ganhando espaço para mostrar o quão corrompido é todo o sistema. São participações pontuais, mas eficientes em ilustrar um quadro muito maior, e alarmante.

O espectador possui múltiplas opções diante de um filme como A Divisão. Pode ir até ele atrás apenas de um complemento de um programa que já conhece e admira, ou mesmo como uma porta de entrada para um cenário que aproxima o real da ficção com igual precisão. Uma vez nele, há os que irão preferir se concentrar nas sequências de ação – muito bem realizadas, por sinal – e os que encontrarão aqui, finalmente, um título à altura de sucessos nacionais como Cidade de Deus (2002) e Tropa de Elite (2007) – e sua sequência, Tropa de Elite 2 (2010) – que há tempos estavam carentes de uma produção feita por aqui tão incisiva como os exemplos aqui citados. Mas talvez o mais pertinente seja mesmo esse olhar sobre tudo que está ao redor daquilo que acaba virando notícia. Vicente Amorim chama para si a responsabilidade e faz de seu filme um exercício que funciona em mais de uma camada de leitura, mostrando que um tema explosivo pode ser abordado com seriedade, ao mesmo tempo em que revela dinamismo suficiente para atrair as massas.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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Robledo Milani
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Lucas Salgado
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MÉDIA
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