Gustavo Machado é um dos mais jovens e prolíficos atores do cinema nacional. Com pouca experiência na televisão e algumas participações de destaque no teatro, tem concentrado década seus esforços na tela grande. Desde que começou a atuar, há pouco mais de uma década, já participou de mais de uma dezena de longas-metragens, a grande maioria sucessos de público e de crítica. Mesmo assim, ainda não é um ator popular diante o grande público. Seu trabalho mais premiado é o drama Olho de Boi, de Hermano Penna, pelo qual ganhou o kikito de Melhor Ator no Festival de Gramado 2007 e o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) de atuação masculina de 2008. Este filme, no entanto, teve uma distribuição limitada, foi muito pouco visto, e permanece inédito em DVD. Agora ele se prepara para voltar à cena com Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, longa de Beto Brant e Renato Ciasca que adapta o romance de Marçal Aquino. Gustavo é o protagonista, e ao seu lado está uma estonteante Camila Pitanga, já premiada por este desempenho no Festival do Rio. Ele, que já faz par romântico com estrelas como Leandra Leal e Deborah Secco, não se importa que todas as atenções estejam, mais uma vez, em sua parceira. Ele fica ali, de lado, tranquilo. E aos poucos vai se tornando figura carimbada nas nossas telas. Com muito orgulho!

 

Vamos começar falando um pouco da sua carreira. Bicho de Sete Cabeças (2001) foi o seu primeiro trabalho no cinema, certo
Sim, este filme marcou duas coisas na minha vida: o início da minha paixão pelo cinema e também o começo de uma gostosa parceria com a Laís Bodanzky, com quem trabalhei também em As Melhores Coisas do Mundo (2010). Entre os dois filmes fizemos juntos uma peça, Essa Nossa Juventude, que foi a primeira direção da Laís em teatro. Era eu e a Silvia Lourenço, com quem depois trabalhei em Contra Todos (2004), e o Paulinho Vilhena, que esteve ao meu lado também em Quanto Dura o Amor? (2009).

 

Pelo jeito você é como o Beto Brant, que curte trabalhar em turma, entre amigos. Com o Beto você atuou em O Amor Segundo B. Schianberg (2009) e agora em Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. O que mudou de um longa para o outro?
Mudou bastante! No Schianberg nós não tínhamos contato algum! O Beto ficava escondido, só nos observando, e era eu e a atriz, a Marina, dentro daquele apartamento. Era um contato mais distante, apesar do assunto ser extremamente íntimo. Com o Eu receberia… a experiência foi outra. A gente pode viajar antes, fomos para o Pará algumas semanas antes do início das filmagens, ficamos chapa um do outro. A própria realização do filme, com a utilização ao máximo de planos-sequência, com esse tempo de maior elaboração, muita calma… eram duas, três cenas por dia. Uma situação rara. Eu, como ator, estava numa posição privilegiada que nunca havia vivido antes, essa possibilidade de poder experimentar tanto. E também havia o risco, o desafio de cada imagem registrada. Estávamos em busca do plano perfeito. Esse era o nosso jogo.

 

E como foi atender a expectativa de recriar um personagem que já existia no livro do Marçal Aquino?
Quando veio o convite fiquei muito feliz. É o sonho de qualquer ator trabalhar com o Beto, e naquele momento já estava confirmada a presença da Camila Pitanga. Fui convidado pelos três responsáveis, pelo Beto Brant, pelo Renato Ciasca, os diretores, e pela Bianca Villar, que é a produtora. Um verdadeiro convite-presente! Foi quando descobri uma coisa que é óbvia, mas que faz toda a diferença: o livro é contado por um narrador que já viveu aquela história, com todo aquele peso, a vivência. Já no filme e gente vê a coisa acontecer aos poucos, então o personagem tinha que ser mais leve, mais solar. Ele ainda iria viver tudo aquilo. O filme tem essa liberdade em relação ao livro. E apesar de termos um roteiro muito bem estruturado, o Beto e o Renato são muito tranquilos em relação à improvisos, à novidades de última hora. A gente ia testando, descobrindo juntos como cada cena funcionava melhor.

 

Muito se fala sobre a falta de papéis femininos fortes. No entanto, em todos os seus últimos trabalhos no cinema, você esteve ao lado de mulheres de destaque como protagonistas. Como foram essas parcerias?
Nunca tinha reparado nisso, foi bom você ter falado. Ah, foram experiências maravilhosas. Sou um cara que adoro as mulheres, sempre tive amigas, sempre namorei ou fui casado com atrizes, e elas são loucas, divertidas, fantásticas. Tanto a Deborah Secco, em Bruna Surfistinha (2011), quanto a Leandra Leal, em Nome Próprio (2007), foram participações menores, o show era delas. Mas com a Camila, com a Maria Clara Spinelli (Quanto Dura o Amor?) e com a Marina Previato (O Amor segundo B. Schianberg) tive grandes parceiras de cena. A gente trocava figurinhas o tempo todo, era como num jogo de futebol, cada um dando o melhor de si e criando o melhor espaço para o parceiro. Cada uma, ao seu jeito, se tornou inesquecível pra mim.

 

Fale um pouco mais sobre essa parceria com a Camila Pitanga em Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. Como vocês desenvolveram juntos esse trabalho?
Impossível esperar uma atriz mais disponível e concentrada. Ela tem essa coisa que admiro muito num ator: ao mesmo tempo em que oferece, tem o que dar, está preparada, tem também abertura, sabe escutar e cresce com as sugestões dos outros. A Camila é assim. Fora a beleza, aquela malandragem natural com a câmera que só alguém com muita experiência – apesar de ser muito jovem – sabe ter… Ela soube lidar muito bem com um personagem bastante forte. Foi um baita encontro. A gente falava antes de cada cena, enquanto nos preparávamos para as filmagens: “vamos nos jogar no abismo?”. E foi assim, a gente se jogou junto!

 

E como é o teu personagem?
Eu sou o Cauby, um fotógrafo de São Paulo que está no extremo norte do país. Ele tem esse lance de ser meio passivo, de ficar esperando. No livro é muito clara a atitude dele porque é dita, acompanhamos o pensamento. No filme tinha que ser diferente. É um cara da imagem, não da palavra, não da ação. Ele quer intervir o mínimo. Quer entrar nas situações e capturá-las com a câmera, com o olhar dele. É um pouco difícil fazer isso, porque corria o risco de só parecer um vagabundo, um preguiçoso. E não é isso. Então fiz o que ele faria, que era se jogar no objeto de desejo – que, no caso, é ela, a Lavínia (Camila Pitanga). E como ela oferecia muito, isso acabou facilitando bastante a minha vida (risos).

 

No filme Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, vocês dois, os protagonistas, se expõem bastante. Como vocês lidaram e se prepararam para toda essa exposição física e emocional?
Primeiro a gente tinha o livro, e tudo começava nele. Era aquela história de entrega rasgada, intensa, paixão e morte, sem meio termo. Se a gente decidiu contar aquela história, não tinha porque querer mudar muito. Um personagem saiu, outro mudou, mas o núcleo da trama está ali. E o Beto e o Renato não estavam a passeio, eles queriam fazer a melhor obra de arte possível. Todo mundo sabia disso, e por isso que nos jogamos por completo desde o começo. Felizmente, para mim, a minha parceira, a atriz que estava do meu lado, não tinha grandes pudores – assim como eu também não tinha – então ficou muito gostoso e orgânico a nossa relação. A paixão era paixão, o ódio era ódio, a briga era briga. Tensão, conflito, tudo como havia sido planejando. E os diretores como maestros, regendo aquela ópera emocional.

 

Agora que o filme está pronto e entrando em cartaz, como você espera que seja a recepção do público?
A gente vai aprendendo, com o tempo, a não criar muitas expectativas em relação a isso. Cada público é um público, cada espectador gera sua própria experiência. A vontade que dá é que o máximo de gente mergulhe nessas águas conosco. Eu, como espectador, amo o filme. Ele tem muitas camadas, muitos planos que se sobrepõem, que se intercalam, que se comunicam. Gosto disso, na vida tento ver estes vários níveis. Meu olhar busca isso, e ter uma obra dessas no cinema, só dá pra querer que todo mundo curta e aproveite no seu nível, na sua camada. Tem o relacionamento amoroso, o lance político, religioso, espiritual, o carnal. Tem pra todos os gostos. É uma obra de muitas leituras, muito rica. Poética, eu diria.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *