Em cartaz nos cinemas do Brasil, Uma Nova Amiga (2015) é a mais recente realização de François Ozon, cineasta admirado por uns e rejeitado por outros, algo que o coloca longe da unanimidade. Um dos grandes nomes do atual cinema francês ou um embusteiro que apenas maquia o convencionalismo, dando-lhe ar de falsa profundidade? Nem tanto ao céu, nem tanto ao inferno? Em Uma Nova Amiga, um homem volta a vestir-se de mulher após a morte precoce da esposa. Ele estreita laços com a melhor amiga da falecida, que o ajudará a trazer à tona Virgínia, seu lado feminino cada vez mais latente. Para debater os méritos e os deméritos do filme protagonizado por Romain Duris, convidamos ao Confronto da semana os críticos Leonardo Ribeiro e Marcelo Müller, respectivamente atacante e defensor. Confira e não deixe de opinar.

 

A FAVOR :: “Trama com um pé na realidade e o outro na fábula, por Marcelo Müller
Este seria um filme raso se apoiado apenas no mote insólito. Não que a nova realização de François Ozon mergulhe tão fundo na complexa situação do protagonista, um recém-viúvo flagrado vestido de mulher. Há muitas simplificações no caminho, sendo a principal delas a maneira como as relações quebradiças se rearranjam no fim das contas. Contudo, além da interpretação excelente de Romain Duris, há nessa narrativa acidentada uma bem-vinda abordagem das identidades sexuais. Ainda que goste de se vestir de mulher, David diz não sentir atração por homens. Já Claire, melhor amiga da falecida, que passa a ajuda-lo a se transformar em Virgínia, experimenta um turbilhão de sensações, sendo as mais evidentes o desejo pelo amigo/amiga e a descoberta de certos aspectos da própria sexualidade. Mesmo o marido dela deixa escapar, muito nas entrelinhas, algo que pode ser lido como ligeira atração (não necessariamente física) pelo compadre que ele acredita ser gay. Portanto, além de apresentar a história de alguém lutando para aceitar-se, o filme de Ozon dinamita algumas concepções tidas até há pouco tempo como balizas, às vezes sem fazer alarde, contando com a sensibilidade da plateia. Drama e humor, coexistindo harmoniosamente, são ingredientes importantes dessa trama com um pé na realidade e o outro na fábula.

CONTRA :: Menos coeso do que os dois últimos trabalhos do diretor”, por Leonardo Ribeiro
A mistura de gêneros pode se tornar uma armadilha, desviando o foco de um filme. E isso acontece com o novo trabalho de François Ozon. O cineasta consegue equilibrar bem o drama e a comédia de sua história, mas existe outro elemento, o suspense hitchcokiano, que surge deslocado em determinados momentos. Falando em Hitchcock, Ozon comete o que o mestre do suspense considerava um pecado, ao mostrar algo que “engana” o espectador na cena do vestiário do clube. Existem também sequências clichês e nada sutis, como a montagem das compras no shopping ao som de música pop, que contrastam com cenas belas e delicadas, como a da performance na boate. Temos ainda o desfecho do longa, que realiza um salto temporal apenas para confirmar um abrupto final feliz. Não que as personagens não o merecessem, mas Ozon já havia encontrado uma ótima forma de encerrar seu tema principal, a aceitação da sexualidade (própria e alheia), na cena do hospital. São pequenas escolhas que não tiram todos os méritos do filme, mas o fazem menos coeso do que os dois últimos trabalhos do diretor, Dentro da Casa (2012) e Jovem e Bela (2013), confirmando que Ozon é um cineasta sempre interessante, porém irregular.

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