Crítica

As agruras comuns a tantos adolescentes, somadas as ilusões que acompanham a descoberta sexual de uma jovem e bela garota, são revistas em minúcia no mais novo trabalho de François Ozon, indicado à Palma de Ouro em Cannes. Sua abordagem imparcial, bem humorada e elegante, tem como principal virtude a notável atuação de Marine Vacth, que conduz o filme enquanto hipnotiza com sua inegável beleza.

Apontado constantemente como uma atualização de A Bela da Tarde (1967), Jovem e Bela divide algumas similaridades com o clássico de Luis Buñuel, igualmente centrado na vida dupla de uma mulher que se lança à prostituição sem necessidade ou razão aparente. No entanto, o drama se associa ainda mais a outros filmes do próprio Ozon ao apresentar uma incomum iniciação sexual na juventude, como Sitcom (1998) e Gotas D’Água em Pedras Escaldantes (2000), com o clima tensamente erótico de Swimming Pool – À Beira da Piscina (2003), uma de suas maiores obras.

Jovem e Bela é segmentado em quatro capítulos, cada um ambientado numa estação do ano e pontuado por uma música de Françoise Hardy, cantora francesa dos anos 1960/70 que, como Isabelle, transmite uma melancolia introspectiva e enigmática. Munido do poema Ninguém é sério aos 17 anos, de Arthur Rimbaud, François Ozon sublinha as infinitas possibilidades que percorrem a adolescência numa leitura que direciona quaisquer julgamentos morais para seus espectadores. Suas acuradas observações, no entanto, questionam a maneira que jovens mulheres são direcionadas a explorar a beleza e sensualidade como suas principais mercadorias.

Isabelle é cercada por tipos quase tão interessantes e complexamente desenvolvidos – pelo roteiro de Ozon e seus intérpretes – quanto ela própria. A relação inconstante que mantém com a mãe, os flertes com o padrasto e a cumplicidade incomum com o irmão mais novo vão aos poucos revelando as verdadeiras facetas da garota, que é tão deslumbrante quanto indecifrável – ainda mais quando se transforma com uma camisa de seda cinza, saia na altura dos joelhos, sapatos de salto e batom vermelho.

Conscientemente afastado dos artifícios narrativos do delicioso Dentro da Casa (2012), Ozon concentra seu reconhecido trato às personagens femininas em Isabelle, e a apresenta sem pudor nas muitas sequências de sexo da qual seu roteiro se vale. Marine Vacth, com o primeiro papel de destaque em sua recente carreira, demonstra maturidade e magnetismo que devem a impulsionar ao estrelato ao lado de outras atrizes francesas em plena ascensão internacional – como Léa Seydoux, Lola Créton e Mélanie Laurent.

Na primavera que conclui o filme, a protagonista de Ozon ensaia um romance tradicional, mas a sensação de que algo profundo se transformou dentro de si é evidente. Longe de conclusões premeditáveis, Isabelle até deixa transparecer alguma mágoa, culpa e arrependimento pelo que se passou, porém o encontro com uma mulher mais velha (magistralmente interpretada por Charlotte Rampling) encaminha o filme para um fechamento ambíguo e nebuloso. É a conexão que demonstra que apenas o tempo poderá revelar algum sentido para suas precoces experiências.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Graduado em Publicidade e Propaganda, coordena a Unidade de Cinema e Vídeo de Caxias do Sul, programa a Sala de Cinema Ulysses Geremia e integra a Comissão de Cinema e Vídeo do Financiarte.
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