Clint Eastwood não é apenas um dos maiores atores e diretores de Hollywood. Com o currículo que carrega, está mais para uma instituição. Em uma carreira de mais de 60 anos, ganhou quatro vezes o Oscar (duas cada por Direção e Melhor Filme), além de ter sido homenageado em 1995 pela Academia com o prêmio Prêmio Memorial Irving G. Thalberg pelo conjunto da obra. Porém, não são apenas seus outros 132 prêmios e 88 indicações que fazem de Clint um astro praticamente imbatível. Seus papéis, por si só, representam (e muitas vezes jogam contra a parede) o herói americano, do apogeu à queda. Um rol de personagens inesquecíveis que vai dos pistoleiros do western spaghetti nos anos 1960, passando por Dirty Harry na década seguinte até chegar ao aposentado carrancudo de Gran Torino, já em 2008. Isto sem contar, é claro, todos os outros não lembrados aqui.

Além do cinema, Eastwood também é um dos astros mais ferrenhos quando se trata de política. Membro do partido republicano desde 1951, Clint foi eleito prefeito de Carmel-by-the-Sea, na Califórnia, onde permaneceu no cargo entre 1986 e 1988. Nem todos sabem, mas o caminho para a fama não foi fácil. Antes de alçar o estrelato, Clint trabalhou como atendente em um posto de gasolina, foi bombeiro e tocou piano em um bar, além de ter sido convocado ao exército em 1950. Algo que ele conseguiu escapar com a queda de seu avião, que o deixou gravemente ferido. Ao completar mais um aniversário neste 31 de maio, a equipe do Papo de Cinema resolveu lembrar os cinco melhores filmes – e mais um que merece ser redescoberto – da carreira do ator e diretor. Algo nada fácil, já que há “apenas” mais de 70 títulos com seu nome estampado nos créditos.

 

Por um Punhado de Dólares (Per un Pugno di Dollari, 1964), por Rodrigo de Oliveira
Para muitos, escolher Por um Punhado de Dólares em detrimento a Três Homens em Conflito (1966) pode soar como uma heresia. No entanto, a trilogia do Homem Sem Nome comandada por Sergio Leone tem tantos momentos ímpares que escolher qualquer um dos três longas-metragens me parece igualmente correto. Neste capítulo, o primeiro, conhecemos um homem que vive através de seu próprio código de conduta. Colocando-se em meio a um conflito entre dois clãs díspares, o forasteiro vivido por Clint Eastwood embaralha a mente dos chefões, se safa dos piores confrontos e consegue seu intento trabalhando um jogo perigoso, no qual seus interesses são sempre maiores do que o bem maior. Essa conduta aparentemente sem escrúpulos do “herói” do filme gerou controvérsia na época. Tanto que, nos Estados Unidos, quando o filme foi exibido na tevê, foi rodado um prólogo fajuto que explicava as artimanhas sanguinolentas do anti-herói, o colocando como um justiceiro contratado. Uma bobagem risível para os dias de hoje. Com a inesquecível música de Ennio Morricone e a direção precisa de Sergio Leone, que adaptou uma história original do grande Akira Kurosawa, Por um Punhado de Dólares é um faroeste indispensável para qualquer fã do gênero.

 

Alcatraz: Fuga Impossível (Escape from Alcatraz, 1979), por Pedro Henrique Gomes
No filme de Don Siegel, Clint Eastwood interpreta Frank Morris, na história de uma das muitas tentativas dos presos em fugir da ilha de Alcatraz, prisão de segurança máxima. E ele consegue – além dele, apenas outros dois escaparam. Clint não seria, então, menos significativo para o papel: persona reconhecida pela dureza, intérprete de personagens secos e frios, algo calculistas e de aparência violenta e imponente. Mas aqui ele não é tanto o bandido, mesmo que esteja no papel de um detento. Quero dizer, no seu olhar está escrito uma angústia e um desejo que, não por acaso, aparecem em praticamente todos seus personagens cujo drama é bem conhecido: a ambiguidade moral e a atividade crivada pela transação entre o crime e o heroísmo, o pecado e a redenção, a vida e a morte. Em filme de suspense altamente inflacionário que Siegel dirige com firmeza, Clint coloca essa força brutal para servir ao ritmo pulsante da ação. Sendo assim, seu corpo só poderia exprimir a poesia dos brutos.

 

Os Imperdoáveis (Unforgiven, 1992), por Marcelo Müller
Muito famoso no passado, sobretudo nos EUA onde figura como gênero dos mais arraigados culturalmente, o western (aqui conhecido como faroeste, bang-bang), experimentou declínio vertiginoso ao passo que Hollywood foi se interessando por outros registros. Sinal dos tempos. Fosse sepultado, o estilo certamente teria em Os Imperdoáveis, de Clint Eastwood, seu mais belo canto fúnebre. Na trama, o pistoleiro aposentado Bill Munny (Eastwood) volta à ativa quando lhe oferecem gorda quantia para dar cabo de homens que cortaram o rosto de uma prostituta. Munny retorna a pegar em armas apenas para dar adeus, personificando mudanças sociais responsáveis no passado por “sepultar” a rotina de homens e mulheres que defendiam à bala seus domínios e, mais tarde (guardadas as devidas proporções) as que trouxeram o crepúsculo ao próprio western. O filme respira ao mesmo tempo ares de nostalgia e ocaso, numa direção impecável desse estadunidense que aprendeu a fazer bang-bang na Itália com Sérgio Leone e posteriormente aperfeiçoou sua ourivesaria diretiva ao trabalhar com Don Siegel, aliás, cineastas a quem ele dedica Os Imperdoáveis.

 

As Pontes de Madison (The Bridges of Madison County, 1995), por Renato Cabral
Um dos filmes favoritos entre nove de cada dez senhoras, As Pontes de Madison é um dos trabalhos mais memoráveis na carreira de Clint Eastwood, tanto pela sua direção como pela sua atuação. Submergindo em dois universos com muito sucesso: o do feminino e o das adaptações literárias, e que continuaria trilhando com a mesma delicadeza mais a frente com Menina de Ouro (2004) e A Troca (2008). Eastwood nos apresenta um filme em que estrela interpretando o fotógrafo Robert Kincaid, que entra na vida da dona-de-casa Francesca (Meryl Streep) durante quatro dias nos anos 60. Os dois se envolvem amorosamente e a vida regrada e monótona de Francesca pode ser virada do avesso com uma simples escolha. Um trabalho sutil em que o diretor traça questões sobre escolhas e sacrifícios que são feitos durante a vida, e também sobre ser mulher no interior dos Estados Unidos na década de 60.

 

Menina de Ouro (Million Dollar Baby, 2004), por Conrado Heoli
Quase um ano após o lançamento de Sobre Meninos e Lobos (2003), Clint Eastwood apresentou um drama novamente centrado em personagens profundos e na sombria e multifacetada moralidade humana. Assim como no filme precedente, ele não permitiu lacunas para respostas fáceis ou convencionalismos em Menina de Ouro (2004), que acabou por se tornar um de seus mais tocantes trabalhos, uma obra profunda equilibrada corajosamente num enredo tão sentimental quanto cruel. Eastwood deixou vaga sua cadeira de diretor durante as filmagens para demonstrar novamente seus talentos como ator, numa composição fechada de um homem machucado pelo tempo – particularidade que o personagem divide com o próprio cineasta. Num papel que originalmente seria de Sandra Bullock, Hilary Swank garantiu seu segundo Oscar pelo desempenho visceral e total entrega na complexa caracterização da menina do título, que deixa de lado sua história de fracassos para seguir em busca de algo maior. Vencedor de quatro Oscars e um dos filmes mais populares da carreira de seu realizador, Menina de Ouro é como Eastwood, uma elegia que deslumbra por sua classe e coragem.

 

+1

 

Invictus (idem, 2009), por Dimas Tadeu
Se como ator Clint Eastwood ajudou a construir o imaginário do “homem americano”, como diretor ele levou pras telas a sociedade habitada por este espécime, com suas mazelas, seus labirintos morais e suas utopias. Com Invictus, porém, o diretor ganha em universalidade: sai dos Estados Unidos (Cartas de Iwo Jima, 2006, era apenas “o outro lado da história”) para falar de igualdade num contexto universal, que liga o apartheid sul-africano às histórias de superação. Apoiado por uma atuação marcante de Morgan Freeman como Nelson Mandella, o diretor construiu um subestimado clássico contemporâneo, que mostra o melhor (e o pior!) de seu estilo, temperado com grandiosidade, assertividade, posicionamento político claro, sentimentalismo e uma humanidade só presente em grandes filmes. Um dos pontos altos da carreira de Eastwood.

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