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Sinopse

Logo após ter sido eleito presidente da África do Sul, Nelson Mandela tinha consciência que a nação continuava com fortes raízes racistas e encontrava-se economicamente dividido, em decorrência do apartheid. A proximidade da Copa do Mundo de Rúgbi, pela primeira vez realizada no país, fez com que Mandela resolvesse usar o esporte para unir a população. Para tanto, chamou para uma reunião François Pienaar, capitão da equipe sul-africana, e lhe dá o incentivo imprescindível para que a seleção nacional seja campeã.

Crítica

Invictus não é o melhor filme que Clint Eastwood dirigiu nos últimos dez anos. Alguns pecadilhos no meio do caminho acabaram transformando-o em uma obra rasa do ponto de vista político. No entanto, a força de Nelson Mandela e da história real – cinematográfica por si só – do time de rúgbi sul-africano conseguem segurar o rojão e fazer com que este trabalho seja um belo e emocionante longa-metragem. Difícil sair do cinema sem sentir-se vitorioso junto ao time Springbok. As cenas da prática do esporte são capturadas com maestria pelo diretor, dando a real dimensão daquele esporte violento, mas ainda assim, apaixonante.

A trama nos leva de volta ao início da década de 90, quando Mandela foi libertado da prisão após permanecer encarcerado por mais de 30 anos. A cena inicial é um competente resumo dos anos de Apartheid, mostrando a divisão entre brancos e negros, estes jogando futebol em um terreno baldio, enquanto que os primeiros, rúgbi em um campo verdejante. A progressão dos fatos é rápida, mas bastante explicativa e até emocionante. Os discursos de Mandela, proferidos por Morgan Freeman, são de uma intensidade pungente, e os primeiros minutos já pegam o espectador com nó na garganta.

Quatro anos depois, as eleições presidenciais acontecem na África do Sul e Mandela é eleito. O primeiro ponto que o novo governante deseja mudar no país é a separação entre os brancos e negros. Não com vinganças pequenas sobre o povo que os oprimiu durante tantos anos, mas com a ideia de que o diálogo e a compreensão poderão fazer com que todos possam viver em harmonia. Uma de suas primeiras atitudes é montar uma equipe de segurança multirracial, que lhe acompanhará em todos os seus compromissos. Essa ideia é rechaçada pelo chefe de segurança, Jason (Tony Kgoroge), que no entanto acaba sendo persuadido pelo próprio presidente. Percebendo que o rúgbi é um jogo bastante querido pela população, mas que divide a torcida entre brancos, torcedores do Springbok, e negros, torcedores de qualquer outro time rival, Mandela decide pedir ao capitão do time, François Pienaar (Matt Damon), uma atenção especial com a Copa do Mundo, evento que será sediado no país em breve. Mandela acredita que uma vitória no campeonato poderá fazer com que a população se una, finalmente.

Um dos problemas de Invictus, politicamente falando, reside no roteiro assinado por Anthony Peckham (Sherlock Holmes, 2009), que esquece completamente de todas as outras atitudes que Mandela tomou para fazer com que a África do Sul evoluísse como país. Não foi apenas o apoio ao rúgbi que fez com que a população baixasse a guarda para o preconceito racial. Certamente, outras medidas foram tomadas, mas nunca mostradas em cena. Este é um pecadilho, como mencionado acima, até porque o filme é, no fim das contas, sobre o esporte. Acredito que mais detalhes sobre a política do sábio Mandela enriqueceriam a narrativa, dando um melhor retrato daquela época. Mas esse não era o objetivo, pelo visto.

O que Peckham faz, de forma hábil, é lançar mão de microcosmos para representar de forma econômica exemplos de preconceito. É assim com o time de seguranças de Mandela, com a família de François Pienaar, com a comissão que vota a extinção do Springbok e, por fim, com o garotinho que não aceita a camiseta do time, mas depois vibra com as glórias da seleção. Todas estas pequenas situações representam um problema maior e são bem utilizadas dentro da narrativa. Esta economia conversa bem com o estilo de direção de Eastwood, conhecido por ser um cineasta sem firulas, um homem que vai direto ao ponto, que filma poucos takes e extrai o melhor de seus atores.

Por isso, não é surpresa que Morgan Freeman, Matt Damon e o restante do elenco estejam tão inspirados em seus papéis. Freeman, amigo de Mandela, tentava levar a vida do ex-presidente da África do Sul ao cinema há anos. Depois de muitas tentativas infrutíferas, o ator se decidiu pelo recorte da Copa do Mundo de rúgbi. Sabendo disso, fica fácil entender o vigor de ator ao interpretar Mandela, dada a preparação e antecipação de seu desejo. Há tempos não se assistia ao ator tão focado e entregue a uma performance como em Invictus. Seu modo de falar, o cuidado com o sotaque, a forma de sorrir, o jeito de caminhar. Tudo ali soa verdadeiro. Uma interpretação magnífica, que dá o escopo correto do carisma do ex-presidente sul-africano. O mesmo pode ser dito de Matt Damon, devidamente contido como o jogador François Pienaar. É curioso observar como o astro entende cada momento distinto daquele personagem, mostrando um silêncio tímido em seu dia a dia, mas uma força e determinação abundantes enquanto em campo. O lugar de Pienaar é no estádio, jogando ao lado de seus companheiros. Qualquer outro local o faz desconfortável. A expressão corporal do intérprete representa isso, principalmente se notamos o quão deslocado ele aparenta ao estar em casa e o quão dono de si se sente ao comandar seus companheiros.

Invictus ganha real força em sua segunda hora, quando se entrega aos confrontos entre o Springbok e seus adversários na Copa do Mundo. Eastwood é competente ao conseguir mesclar a brutalidade das partidas com a emoção e a beleza de um jogo no estádio. É impressionante assistir tão de perto os movimentos dos jogadores e testemunhar, na grande tela, momentos emblemáticos das partidas – como é o caso da Haka neozelandesa, ritual Maori que precede cada jogo dos All Blacks e que é capturado com toda a importância que merece pelo cineasta.

Retiraria pontos da direção de Eastwood apenas por acrescentar câmeras lentas em demasia no jogo final. Usá-las na tentativa de engrandecer o momento acaba tirando muito a força do esporte – que é ágil e até brutal por causa disso. Pequenos pecados que colocam Invictus um degrau abaixo de trabalhos anteriores do cineasta, como Gran Torino (2008), Cartas de Iwo Jima (2006) e Sobre Meninos e Lobos (2003). Felizmente, um filme menor dele é ainda muito melhor que muitos dos que estreiam nos cinemas por aí.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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