Crítica


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Sinopse

Várias histórias de paixões formam essa antologia em que as mulheres representam diferentes maneiras de amar. Mesmo distintas, elas compartilham o encanto de apaixonarem-se à primeira vista por Paulo.

Crítica

Apesar de ser considerado – justamente – um clássico do cinema nacional, o longa Todas as Mulheres do Mundo (1966) é, inegavelmente, o produto de uma época, e caso fosse feito hoje, precisaria que muitas das suas concepções fossem revistas. Afinal, a história de um desocupado galanteador e filhinho de papai que passa seus dias entre amantes fugidias e namoradas de ocasião, sem nunca assumir responsabilidade por nada que faz – e menos ainda pelas consequências dos seus gestos – não parece ser um tema propício de defesa em pleno século XXI. Por isso que, ao assumirem o desafio de adaptar – e modernizar – a obra de Domingos Oliveira, os roteiristas Jorge Furtado e Janaína Fischer tiveram pela frente uma missão dupla: não apenas serem fieis ao espírito original do antigo criador, como também se dirigirem a uma audiência sintonizada com as discussões de agora, mais abrangentes e inclusivas. O resultado, percebido na série Todas as Mulheres do Mundo, é uma grata surpresa, tanto pela habilidade em conduzir tais debates como, principalmente, no retrato empoderado que faz dessas mulheres frente ao homem cada vez mais falho e incapaz de lidar com seus erros.

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O protagonista de Todas as Mulheres do Mundo, a despeito do título, é um homem. Paulo (Emilio Dantas) surge no episódio de estreia como um conquistador inveterado, um arquiteto que passa mais tempo atrás do próximo rabo de saia do que preocupado com o trabalho, com a família ou com os dilemas dos amigos. É um típico “milenial”, alguém focado em si mesmo e em satisfazer suas necessidades carnais e emocionais. É por isso que se mostra incapaz de assumir um relacionamento sério, pois acredita que a mulher ideal não é a que está ao seu lado, mas aquela com quem irá cruzar ao dobrar a esquina. Isso, é claro, até se deparar com Maria Alice (Sophie Charlotte) em uma festa de Natal improvisada. Ela chega com o namorado (Ricardo Gelli), mas isso não parece ser suficiente para demover o anfitrião do sentimento avassalador que toma conta dele a partir do instante em que coloca os olhos sobre ela. Precisa tê-la mais do que qualquer coisa. Mas, assim que a conquista, como qualquer garoto mimado, seu comportamento será previsível: o interesse irá, aos poucos, diminuir. Assim, na primeira oportunidade estará, novamente, encantado por outra.

Esse começo pode passar uma falsa impressão do que o programa, enfim, pretende discutir – e explorar. Ao invés do rolo compressor irresponsável encarnado pelo personagem principal, as atenções estão mais voltadas a elas, aquelas que antes até poderiam ser vistas como conquistas, mas, mais de meio século depois, são as que estão, de fato, no comando do jogo. Paulo é somente um joguete nas mãos dessas mulheres que entram e saem de sua vida, mas não pelo descarte dele – está mais nas decisões delas o ato de deixá-lo para trás, justamente por verem nele um menino, e não alguém capaz de construir algo sólido. O primeiro capítulo já dá a pista: Paulo segue sedutor e, assim que a namorada vira as costas, logo parte para uma nova – e fugaz – aventura. Maria Alice, no entanto, não é tão diferente. Ela também se mostra insatisfeita, disposta a outros casos e, assim como ele, tem noção do que pode perder. Os dois se arrependem, e aí as diferenças se manifestam com maior força: para ele, tudo o que quer é voltar atrás. Já ela, a disposição é de seguir em frente, independente de quem deixar pelo caminho.

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Maria Alice é a presença feminina constante durante os doze episódios dessa primeira temporada de Todas as Mulheres do Mundo. Mas não a única – importante não esquecer dos melhores amigos de Paulo, Laura (Martha Nowill) e Cabral (Matheus Nachtergaele). Ela começa como a quarentona solteira decidida a engravidar nos próximos meses, “independente de quem seja o pai”, enquanto que ele encarna com perfeição a persona do próprio Domingos Oliveira, seja pelo jeito de falar, os cacoetes e maneirismos do saudoso artista, e acima de tudo, pelas belas frases e diálogos que defende com imensa propriedade. Laura e Cabral são tanto a razão como a sensibilidade de Paulo, um garoto inconsequente que é puro vento, de coração gigante e do qual é aconselhável manter uma distância segura. Tanto é que Laura acabará se aproximando mais do que o imaginado, e pagará por isso. Entre mortos e feridos, um dos episódios mais interessantes acaba sendo o dedicado à Dionara (Lilia Cabral), a mãe, que anuncia que, após anos de viuvez, está pronta para casar novamente. Ela, fruto de outra geração, está pronta para seguir adiante. Enquanto que ele, o filho, parece estagnado no tempo e espaço.

Cada segmento é dedicado a uma das mulheres de Paulo. Adriana (Samya Pascotto) é a jovem indecisa que quer apenas se divertir, se mostrando bem menos interessante do que seus pais. Estes, vividos por Felipe Camargo e Fernanda Torres, se tornam a verdadeira paixão de Paulo. Esse dilema se torna mais grave quando se envolve com Elisa (Marina Provenzzano), a amante do ex-sogro. Quando uma ex-colega da faculdade – apropriadamente apelidada de Martinha Maconha (Verônica Debom) – lhe impõe um ritmo difícil de ser acompanhado, será o envolvimento com Renata (Maria Ribeiro), uma mulher que se poderia dizer mais “ajustada na vida”, que acabará o levando até os braços de Pâmela (Sara Antunes), ninguém menos do que a esposa do chefe. Gilda (Mariana Sena) é a cantora mais preocupada com os likes das redes sociais do que com uma proximidade física, enquanto que Sara (Maeve Jinkings) sabe bem que tudo tem o seu preço – inclusive o prazer. Natália (Natasha Jascalevich) gosta de viver perigosamente, mas será Pink (Naruna Costa) que o fará ver as diferenças entre fantasia e realidade. No meio disso tudo, há sempre a imagem de Maria Alice, tanto pronta para voltar como, também, para partir para sempre.

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Se, no final das contas, as mulheres é que são fortes, ainda mais diante de um homem repleto de fragilidades, muito dessas bem-sucedidas construções se dão graças à entrega e ao comprometimento do elenco. Charlotte, tal como imagina-se uma musa, é exemplo de leveza a determinação, tornando ainda mais compreensível a obstinação do protagonista por ela. Fernanda Torres e Lilia Cabral são as veteranas que emprestam excelência ao conjunto, assim como Felipe Camargo e Fábio Assunção (o chefe) se mostram surpresas envolventes. Maeve Jinkings é, provavelmente, a presença mais hipnotizante da galeria feminina, enquanto que Debom e Sena são boas revelações. E se Nowill e Nachtergaele criam um ambiente agradável e divertido em seus dramas e aflições, está no colo de Emilio Dantas a tarefa de tornar não apenas crível, mas também o esforço de gerar empatia por uma figura antes de qualquer coisa triste, pois por todas querer, tem como destino um encontro consigo mesmo. Ao amar tantas, merece nenhuma. E é nesse acerto de contas que reside seu maior conflito: ao escolher apenas uma, também precisa abdicar das demais. E vice-versa.

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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