Crítica
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Sinopse
Doni, Nando e Rita cresceram juntos na mesma favela, onde foram influenciados pelo fascínio do funk, tráfico das drogas e a igreja. Cada um deles transforma suas experiências de infância em caminhos muito divergentes. Apesar de tentarem levar uma vida diferente de onde cresceram, percebem que não podem depender de ninguém, mas um sempre fortalece o sonho do outro.
Crítica
Um dos maiores fenômenos da internet brasileira, o produtor KondZilla iniciou uma importante parceria com a Netflix com a série Sintonia, em 2019. A proposta do criador do projeto, Konrad Dantas, é falar daquilo que melhor conhece – suas origens. Filho de mãe que trabalhava como doméstica e pai que atuava como pintor, aos 18 anos o rapaz começou a compor seus primeiros funks. O tempo passou, e hoje é responsável pelo maior canal do YouTube Brasil e da América Latina, sendo o sétimo canal de música do mundo, com mais de 59 milhões de inscritos. Com forte atuação no mercado musical, através do seriado se propôs a narrar a rotina de três jovens, amigos de infância, envoltos com as principais correntes do meio no qual estão inseridos: a religião, a criminalidade e a chance de estrelato. E por mais sistemática que essa divisão possa parecer em algumas passagens, o resultado é tão coeso, dono de uma narrativa fluida e sem excessos, que esses percalços acabam sendo facilmente perdoáveis, em um todo que agrada tanto aos familiarizados com esse universo, mas também àqueles recém-chegados.
Em apenas seis episódios, a primeira temporada – uma segunda está confirmada e, não fosse a quarentena provocada pela pandemia do Covid-19, já teria sido filmada – apresenta os protagonistas: Nando (Christian Malheiros), Doni (Jottapê Carvalho, de O Menino da Porteira, 2009) e Rita (a estreante Bruna Mascarenhas). Por mais que sejam dois rapazes e uma moça, não há tensão sexual entre eles – uma mudança de perspectiva que cai bem ao projeto. Isso porque o que os une, acima de qualquer outra coisa, é a amizade. São como irmãos, mas de famílias e realidades bastante distintas – por mais que se esforcem para ignorar essas diferenças. No entanto, todos moram na periferia de São Paulo, e nada é fácil para nenhum deles: cada um se vira como e quando pode. Nem sempre acertam, muitas vezes fazem coisas impensadas, e a narrativa não demonstra nenhum protecionismo em relação a eles para amenizar seus erros. É uma realidade crua, por mais que esteja emoldurada por uma ligação especial e singular.
Nando é o mais velho, e por isso, muitas vezes soa também como o líder do trio. O problema é que a questão com ele é mais embaixo – e, por isso mesmo, mais séria e de repercussões mais fortes. O único negro dos três, é também aquele com família formada – está com Scheyla (Julia Yamaguchi), que é mãe do seu filho, recém-nascido. Forçosamente mais maduro que os amigos, tem também mais responsabilidades. É aquele que não possui laços familiares evidentes – nada é dito a respeito dos seus pais ou irmãos, por exemplo. O que tem, foi construído por si, sem a ajuda de mais ninguém. Se por um lado parece estranho estar sempre desfilando de roupas de marca, muitas parecendo como se tivessem recém-saído da loja, mostra também o apreço de pessoas como ele que buscam evidenciar em como se vestem aquela aspiração social que tanto almejam. E não está disposto a esperar por isso. Tanto que é quem acaba se metendo com o crime, cometendo um assassinato encomendado logo nos primeiros episódios e se afundando cada vez mais em um estilo de vida que insiste em lhe afastar daqueles que tanto o estimam.
Quem também está sofrendo é Rita, órfã de mãe e abandonada pelo pai. A garota mora sozinha, e sabe que, se não fizer por si, ninguém mais fará. Tem em Cacau (Danielle Olímpia) a melhor amiga, mas quando, durante uma venda ilegal de eletrônicos contrabandeados nos corredores do metrô, uma batida policial acaba pegando a colega, será nas costas dela que baterá mais forte a necessidade de mudança. Sem ter como voltar para casa e desprovida de meios para continuar na sua lida diária, acaba encontrando resguardo na igreja evangélica que a mãe ajudou a criar. Lá, por mais que muito dos ditos praticados sejam distantes da realidade com a qual está acostumada a enfrentar nas ruas, acaba por encontrar um conforto e uma esperança que há muito sentia falta. Mas não só isso, pois a menina pode ser muitas coisas, mas tola não é uma dessas: ela também percebe que há um mercado a ser explorado nessa prática, e talvez sua subsistência esteja mais garantida dentro de uma assembleia do que fugindo de guardas e seguranças. Essa mudança empreendida por ela é gradual, mas não desprovida dos detalhes necessários que justificam esse novo rumo a ser perseguido.
Por fim, o espectador é apresentado a Doni, o filhinho-de-papai que tem sorte de também ser dono de um talento impossível de ser desprezado: ele não apenas é um compositor de mão cheia, como ainda se defende bem com o microfone. Seria ele um alter-ego do próprio KondZilla? É provável, ainda que não confirmado. Doni sofre com a pressão dos pais, mas nada castrador ou exagerado. Como os dois são evangélicos, sonham em ver o filho com eles na igreja, até mesmo fazendo uso de sua música de modo catequizador. Mas o menino quer mais, ambiciona estourar nas paradas e ser perseguido por fãs enlouquecidas. É ele quem mais depende dos demais – não serão poucas as vezes que irá atrás de um conselho de Rita ou irá depender de uma tomada de decisão mais drástica estimulada por Nando – mas, também, é aquele que tem mais chances de levá-los consigo caso seus sonhos de fama e sucesso se confirmem. O caminho dele não chega a ser o mais sinuoso, mesmo sem se apresentar como uma linha reta – também terá que descobrir como lidar com sua cota de tragédias, mentiras e decepções.
Se a postura de Nando choca pelo mergulho na contravenção, se Rita decide buscar na fé uma paz que nunca lhe foi próxima e se Doni sofre por aqueles que hesitam em reconhecer nele uma arte na qual deposita todas as suas fichas, o certo é que estão conectados uns com os outros, e a solidez dessa proximidade é o verdadeiro mérito de Sintonia. Escolhas que cobrarão um alto preço, cada um precisa tomar, e a seu jeito, irão assumir as consequências, muitas vezes sozinhos, mas na maioria delas tendo uns aos outros em quem se apoiar. O programa criado por KondZilla, em parceria com Felipe Braga (um dos roteiristas de Marighella, 2019) e Guilherme Moraes Quintella (roteirista de Meu Amigo Hindu, 2015), não se cansa em oferecer reviravoltas, mudanças de rumo e não poupa seus personagens de soluções nada fáceis, mas por isso mesmo, também verossímeis e, por vezes, inesperadas. Porém, mais do que isso, são estes protagonistas que fazem valer cada minuto. Nem tão novatos assim – Malheiros, por exemplo, foi indicado ao Independent Spirit Award, nos EUA, por seu desempenho em Sócrates (2018), e aqui mostra uma versatilidade que lhe cai sem ruídos – se revelam donos de um frescor e de um comprometimento de fazer inveja a muito veterano. Por eles, acima de qualquer outra coisa, é que a série mostra o seu valor.
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