Crítica


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Sinopse

"Nunca há um bom momento para cair do sofá num copo de martini e começar a perder uma quantidade perigosa de sangue, mas fazer com que isso aconteça no meio de uma data promissora é um momento especialmente ruim".

Crítica

A imagem utilizada para promover este quinto episódio parece enganosa. No painel de apresentação da Amazon Prime, o thumbnail (equivalente ao cartaz oficial, neste caso) de “At the Hospital, na Interlude of Clarity” sugere o melodrama de um rapaz doente no hospital, preso a uma cadeira de rodas, enquanto uma bela moça o observa com carinho. Este poderia ser um convite ao melodrama, às histórias sobre perdão e redenção após alguma doença, ou sobre amores (re)compostos em momentos de provação. Ora, por incrível que pareça, talvez este seja o episódio mais contido da primeira temporada de Modern Love até o momento, e também o melhor. Nossos protagonistas não estão apaixonados um pelo outro; possivelmente nunca estarão. O título, neste caso, vale mais pela menção ao “interlúdio de clareza” (ótimo resumo do que acontece neste roteiro) do que pela menção ao hospital.

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Rob (John Gallagher Jr.) e Yasmine (Sofia Boutella) marcam um encontro na casa dele. Esqueça o jantar romântico, as flores, o sexo ardente: a situação dá errado quando um escorregão do rapaz o leva a fazer um corte profundo no braço. Não, ele não corre risco de morte pelo sangramento, e a situação tampouco parece desesperadora. Rob e Yasmine conversam com os socorristas dentro na ambulância, e brincam com a situação quando chegam ao hospital. Existe um senso de desimportância e de autoironia muito bem-vindo diante da premissa tipicamente sentimental. Após tantas tentativas artificiais de simular o acaso em episódios anteriores (os amantes se cruzando na rua em “When Cupid Is a Prying Journalist”, a descoberta de um comediante famoso caminhando em “Rallying to Keep the Game Alive”), a série enfim trata de um episódio banal com o aspecto tragicômico que o caso merece. Yasmine vê o rapaz nu pela primeira vez às vésperas da cirurgia, eles dormem juntos (lado a lado, no caso) dentro do quarto pós-internação.

A escolha do elenco também se revela interessante: embora Gallagher Jr. esteja acostumado aos papéis de homens comuns na faixa dos 30 anos de idade, Boutella costuma ser escalada em filmes de gênero e grandes produções, distantes de algo tão corriqueiro quanto este episódio. O contraste entre os estilos de ambos – muito despojado para ele, mais preciosista para ela – fornece um atrito benéfico ao ritmo do episódio. Cenas resolvidas em silêncio (o esforço do rapaz para pegar um copo d’água pós-operação) comprovam o valor de trabalhar conflitos apenas pela imagem, sem a necessidade de diálogos ou letreiros. Outro acréscimo notável à trama se encontra na proximidade do tempo real: a narrativa inteira se desenvolve durante uma noite e uma manhã seguinte, caso em que podemos passar mais tempo com cada personagem, durante cenas mais extensas. Até então, o criador John Carney se sentia na obrigação de oferecer grandes saltos temporais, dentro dos episódios curtos, para garantir que tudo terminaria bem num futuro próximo.

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A alternância de diretores faz bem a Modern Love. O pouco conhecido Tom Hall demonstra desenvoltura com este tipo de naturalismo, algo percebido especialmente na conclusão, durante a cena no parque. Seria tentador para qualquer diretor fragmentar o momento na montagem, ou fechar o enquadramento no rosto dos personagens, porém o cineasta resiste à tentação e aposta no valor dos planos abertos. “At the Hospital, na Interlude of Clarity” ainda não aprofunda muito os conflitos específicos – os traumas passados de Rob e Yasmine, em particular -, porém consegue imprimir tamanha naturalidade às cenas que facilita a identificação do público com os protagonistas. Eles não são mais o protótipo do hipster (como Maggie em “When the Doorman Is Your Best Man”) nem o estudo de caso para alguma doença específica (como a bipolar Lexi em “Take Me As I Am, Whoever I Am”). Não é fácil colar um rótulo a nenhum dos dois, e esta é provavelmente a maior qualidade que se possa atribuir à série até o momento.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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