18 jun

…E o Vento Levou volta ao streaming nos Estados Unidos com “aviso histórico”

A ampla discussão sobre o racismo, especialmente nos Estados Unidos ainda em luto com o assassinato brutal de George Floyd, tem levado a considerações sobre o preconceito histórico nas artes. A lista de maiores bilheterias de cinema em todos os tempos, ajustada à inflação, ainda traz …E o Vento Levou (1939) na primeira posição. A produção tem sido apontada há anos como um dos pilares da glorificação ao racismo sulista dos Estados Unidos.

Por isso, a HBO Max inicialmente retirou o filme de exibição, após o influente artigo do roteirista John Ridley (12 Anos de Escravidão, 2013) nos Los Angeles Times solicitar o fim da adoração aos ideais segregacionistas. A decisão dividiu a opinião pública: enquanto personalidades de direita, como Megyn Kelly, acusavam o canal de censura, outras vozes progressistas, a exemplo de Whoopi Goldberg, solicitavam que o filme fosse apresentado com algum aviso histórico.

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De fato, o clássico voltará ao streaming, com uma introdução de Jacqueline Stewart, professora de cinema e mídias visuais na Universidade de Chicago. A acadêmica negra defende que não seria possível ignorar o filme: “A HBO Max vai trazer …E o Vento Levou de volta à programação, e quando ele for exibido, trará uma introdução situando o filme em seus múltiplos contextos históricos. Para mim, essa é uma oportunidade de pensar no que o cinema clássico pode nos ensinar. Neste momento, as pessoas estão recorrendo aos filmes para reeducação racial, e os livros mais vendidos na Amazon são sobre o antirracismo e a desigualdade racial. Se as pessoas estão realmente fazendo a lição de casa, nós podemos nos preparar para ter uma conversa bem informada, honesta e produtiva a nível nacional sobre as vidas negras nas telas e fora delas”.

A emissora divulgou um comunicado oficial apoiando este ponto de vista: …E o Vento Levou é um produto do seu tempo, e retrata alguns dos preconceitos étnicos e raciais que têm, infelizmente, sido moeda comum na sociedade norte-americana. Essas representações racistas eram erradas antes e ainda são erradas hoje, e nós acreditamos que manter este título sem uma explicação e uma denúncia sobre essas representações seria irresponsável”.

O drama histórico, dirigido por Victor Fleming, é apenas um dos clássicos do cinema norte-americano representando um olhar retrógrado à sociedade. O Nascimento de uma Nação (1915), um hino ao racismo escravocrata, foi inclusive refeito em 2016 pelo ponto de vista de um diretor negro.

Bruno Carmelo

Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.

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