Estamos chegando na metade do 31º Cine Ceará: 3 dias da programação já se foram, faltam outros três. Dos seis longas da mostra competitiva, foram exibidos um brasileiro, um uruguaio e um equatoriano. Dos restantes, dois são do Brasil e um da Costa Rica. E as avaliações seguem a favor do time da casa, pois os representantes estrangeiros, ainda mais por serem oriundos de cinematografias pouco tradicionais, despertam mais estranheza do que curiosidade.

A seleção de 2021 foi aberta em alto estilo: Fortaleza Hotel (2021) é assinado por Armando Praça, cineasta local que há dois anos se consagrou aqui mesmo com os troféus de Melhor Filme e Direção (entre outros) para o drama Greta (2019). E se seu novo trabalho não alcança as mesmas altas notas do anterior, isso diz mais a respeito dos méritos daquele longa do que desse. Focado na relação de duas mulheres, uma cearense que deseja ir embora do país, e outra estrangeira recém-chegada por força do destino, o filme acerta na escolha de suas protagonistas e numa condução delicada, intimista, que sabe o que procura e não tem pressa em alcançar tais resultados. Talvez não seja uma obra para todos, mas certamente contará com fortes defensores. Já desponta aqui um candidato de respeito para a premiação desse ano.

Confira a crítica de Fortaleza Hotel, por Robledo Milani

O cineasta Halder Gomes e a atriz Marta Aurélia foram homenageados na abertura do Cine Ceará 2021

Os dois longas seguintes foram anunciados com credenciais que despertaram interesse. Bosco (2021), da uruguaia Alicia Cano Menoni, havia passado por festivais na Holanda, França, Espanha, Itália, Escócia, México, Áustria e Equador. Uma jornada impressionante. Na maioria desses lugares, no entanto, foi apenas selecionado, tendo deixado tais exibições sem maiores reconhecimentos. Não será de se espantar se o mesmo acontecer por aqui também. A narrativa, assumidamente pessoal, que investiga as origens familiares da realizadora a partir da história do avô, que deixou a Itália há mais de um século para tentar uma nova vida no outro lado do Atlântico, talvez alcançasse um resultado mais efetivo num formato econômico, como num curta-metragem. Como longa, a jornada percorrida se perde em divagações e desvios que pouco acrescentam ao conjunto.

Confira a crítica de Bosco, por Robledo Milani

Ainda assim, é uma proposta mais válida do que a de Vacío (2020), que vem do Equador para falar do drama de imigrantes chineses pela América Latina. Assumidamente novelesco, apresenta-se como uma mistura indigesta, formada por um elenco amador, uma estrutura de cena que pouco explora seus ambientes, uma direção de arte óbvia, desprovida de imaginação, e um enredo absurdamente óbvio, que aposta em reviravoltas previsíveis para justificar uma suposta ação que pouco consegue fazer no sentido de se envolver com a audiência. Chega a ser constrangedor por mais de um momento. Mesmo assim, antes de aportar por aqui foi exibido em eventos na Coréia do Sul, Japão, Argentina e Estados Unidos, além de ter sido escolhido como representante oficial do seu país na disputa pelo Oscar 2021. Dados que, num primeiro momento, impõem autoridade, mas não estão à altura do que se vê na tela.

Confira a crítica de Vacío, por Robledo Milani

Dos 12 curtas selecionados para a mostra competitiva brasileira (nesse certame, competem apenas títulos nacionais), cinco já foram exibidos. Destes, o documentário pessoal Foi um Tempo de Poesia (2021), de Petrus Cariry, e o drama Chão de Fábrica (2020), de Nina Kopko, se destacam. O primeiro pela excelência técnica que é marca registrada do realizador, que parte num resgate de suas próprias raízes para prestar uma singela homenagem ao poeta – e seu padrinho – Patativa do Assaré. Já o segundo conta com um elenco poderoso – são quatro atrizes, entre elas Helena Albergaria e Carol Duarte – para buscar um resgate quase apagado da luta sindical no Brasil: a participação das mulheres nesse movimento. Uma bela composição dramática, uma energia interessante entre as intérpretes e um desfecho agridoce fazem desse um discurso forte e necessário. Dos demais, O Durião Proibido (2021), de Txai Ferraz, chama atenção pela forma original e criativa que estabelece ao contar sua história, enquanto Encarnado (2021), de Otávio Almeida e Ana Clara Ribeiro, ganha pontos pelas fortes – e belas – imagens que ilustram uma trama desprovida de diálogos.

Cineteatro São Luiz, no centro de Fortaleza, onde acontecem as sessões do Cine Ceará 2021

ESPECIAL :: Cobertura do 31º Cine Ceará, direto de Fortaleza, CE

Há três grandes festivais no Brasil com foco na produção dos nossos vizinhos de continente: Gramado, que aproveitou dessa proximidade quando lhe foi conveniente, nos anos 1990, mas que há muito relegou os convidados estrangeiros a uma mostra paralela e de pouco destaque, o Festival Latino-Americano de São Paulo, que é mais uma mostra de alcance limitado, e o Cine Ceará. A aposta em cinematografias pouco óbvias – Uruguai, Equador e Costa Rica, no caso desse ano – é salutar. Ao mesmo tempo, aumenta as distâncias entre eles e o que de melhor tem sido feito entre nós. A expectativa, portanto, é esperar para ver se essa promessa se mantém pelas próximas noites.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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