Mesmo sendo a noite mais calma do 29º Festival de Cinema de Vitória até o momento, algumas reflexões puderam ser levadas na bagagem dos que se fizeram presentes no Teatro Glória, nessa quarta-feira, 21. Após as projeções de quatro curtas, que transitaram por temas como relacionamentos amorosos, trabalhos insalubres e até o horror, foi o último filme da noite, o longa Ursa, que provocou a maior parte dos debates. Dirigido pelo estreante no formato William de Oliveira, o título havia sido antes selecionado para o Olhar de Cinema: Festival Internacional de Curitiba 2021 e tem na maternidade solo o seu fio condutor.
A noite teve início com a apresentação de Andrômeda. O curta de Lucas Gesser retrata os tão falados relacionamentos líquidos. Tema de discussão e até memes nas redes sociais, o conceito foi criado pelo sociólogo polaco Zygmunt Bauman, desenvolvido em sua obra homônima para descrever o tipo de relações interpessoais que se desenvolvem na pós-modernidade. Na trama, personagens interagem sobre fim de ciclos e símbolos. A trilha sonora é um destaque do produto.
Na sequência, Lua de Sangue provocou sustos e risos ao apresentar uma espécie de A Bruxa de Blair (1999) capixaba. Em 19 minutos, Mirela Morgante e Gustavo Senna apresentaram uma história que, segundo eles, é baseada em fatos que ocorreram em 2018. Na busca por uma visão privilegiada de um eclipse, um casal enfrenta uma misteriosa trilha no calar da noite. A partir daí, estranhos eventos começam a se suceder. Em seguida, Solmatalua gerou debate entre os profissionais por sua montagem singular. O projeto de Rodrigo Ribeiro-Andrade tem a escravidão como norte e identifica cenas intrigantes desse período nefasto. Por fim, Madrugada, produzido em Pelotas, no Rio Grande do Sul, acionou, mais uma vez, a temática do trabalho em tempos de crise. Nas cenas, trabalhadores arriscam suas vidas em trens em movimentos para recolher restos de grãos e revendê-los. O desenrolar dos acontecimentos se concentram em uma atmosfera sombria e que, inclusive, como documentário, se encaixou bem num modelo de cinema noir.
Encerrando os trabalhos do dia, Ursa deixou sua marca para os que continuaram na sala de projeção após às 20:30. A empreitada de William, de pouco mais de 70 minutos, manteve aquecidas inúmeras questões em sintonia com problemas sociais. Antes da projeção, o diretor fez questão de lembrar que o filme foi encomendado há mais de três anos e alguns profissionais que trabalharam nessa produção “não estão mais aqui“. Embora o realizador não tenha comentado nomes ou causas dessas perdas, o público lhe acarinhou com aplausos e gritos efusivos. Esse tom empático está presente na tela.
Na história, Viviane se desdobra entre a maternidade solo e o trabalho remunerado. Quando uma tragédia acontece no bairro de periferia em que mora, o desamparo e a culpabilização a lançam em uma espiral de desconfianças. Destaque para a atuação de Adriana Sottomaior. A atriz encarna uma mulher que tenta ser o melhor que seu status quo lhe permite, embora não encontre a consideração desejada. Para além da questão materna, o amor por pets, violência contra a mulher e homens mimados são objetos de estudo. Ao final das aparições, Ursa recebeu aplausos e aconchego dos espectadores.
Não custa ressaltar que o 29º Festival de Cinema de Vitória seguirá até o dia 24 de setembro. Toda a programação é gratuita. Durante a semana, serão realizadas mostras competitivas, debates com cineastas e atividades de formação, além de uma homenagem à trajetória da atriz Bete Mendes.
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