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Sinopse

Durante quatorze anos, Walt Disney tentou adquirir os direitos de Mary Poppins da escritora australiana P.L. Travers. Quando o acordo foi finalmente fechado e o filme foi terminado, a autora mostrou-se muito descontente com o o resultado final, especialmente no que diz respeito às cenas em animação.

Crítica

Saving Mr. Banks ganhou, aqui no Brasil, um título dos mais incorretos: Walt nos Bastidores de Mary Poppins. Além de ser longo demais e não soar nada bem, com ele o público é levado a crer que o protagonista é Walt Disney, e não é. Também não nos são mostrados exatamente os bastidores do filme e sim, sua pré-produção, sua gênese – e em segundo plano, diga-se, pois o mais importante é o mergulho na psique da criadora da personagem, a escritora P.L. Travers. O brasileiro costuma fazer piadas com os títulos traduzidos pelos nossos irmãos lusitanos, mas desta vez Portugal conseguiu uma saída melhor: Ao Encontro de Mr. Banks. Simples e correto. Talvez não tão mercadológico quanto o nosso, mas menos enganoso.

Antes de falar do filme propriamente dito, um pouco de história: a australiana Pamela Lyndon Travers criou a personagem Mary Poppins em um livro de mesmo nome lançado em 1934, quando a escritora já morava na Inglaterra. O sucesso retumbante da obra fez com que o livro fosse lançado em todos os cantos do mundo – chegando assim às mãos das jovens filhas de Walt Disney, que adoraram a personagem. Segundo reza a lenda, Disney teria prometido a suas meninas que adaptaria a história da babá inglesa em um longa-metragem e logo entrou em contato com Travers para assegurar os direitos. Mal ele sabia que a escritora não tinha intenção alguma de ver sua obra transportada para as telonas – menos ainda pelas mãos de Walt Disney, conhecido pelas suas animações adocicadas. Foram necessários 20 anos e muitas tentativas para que o pai de Mickey Mouse conseguisse cumprir sua promessa. E o resultado foi um grande sucesso cinematográfico, vencedor de 5 Oscar (incluindo Melhor Atriz para Julie Andrews) e lembrado em mais 8 categorias (Melhor Filme entre estas demais indicações).

Com direção de John Lee Hancock (Um Sonho Possível, 2009) e roteiro de Kelly Marcel e Sue Smith, Walt nos Bastidores de Mary Poppins tem duas narrativas que avançam de forma paralela. Em uma delas, vemos Disney (Tom Hanks), o roteirista Don DaGradi (Bradley Whitford) e os compositores Robert e Richard Sherman (B.J. Novak e Jason Schwartzman) às voltas com os mandos e desmandos da temperamental P.L. Travers (Emma Thompson), enquanto a escritora tenta manter a integridade de sua personagem na adaptação cinematográfica. Em outra, voltamos à infância da autora e acompanhamos sua relação carinhosa com o pai, o sonhador e alcoólatra banqueiro Travers Goff (Colin Farrell), a distância que aquela jovem criança tinha de sua mãe, Margaret (Ruth Wilson), e a chegada de uma tia, Ellie (Rachel Griffiths), que parece ser o molde para a futura Mary Poppins. Nestes seguimentos, conseguimos nos aproximar da protagonista e entender o que levou aquela mulher a ser de tão difícil trato.

Emma Thompson teve sua performance indicada a diversos importantes prêmios como o Globo de Ouro, o Bafta (o Oscar britânico) e o Screen Actors Guild (o Sindicato dos Atores de Hollywood). Também pudera. A atriz está perfeita como a mulher britânica irascível, uma pessoa que tem sérias dificuldades em se relacionar e se abrir com os outros. Travers teve uma infância difícil e nunca se recuperou completamente da perda do pai. Seu livro, Mary Poppins, serviu como uma terapia para a escritora – e, exatamente por isso, vê-la representada como uma babá alegre e cantante deixe sua criadora tão enfurecida.

A escolha de Thompson para o papel não poderia ser mais acertada. Tendo interpretado uma espécie de Mary Poppins no filme Nanny McPhee: A Babá Encantada (2005), a atriz já se mostrava identificada com a temática. Como Travers, Thompson está, ao mesmo tempo, insuportável e engraçada. A única pessoa que consegue penetrar na carapaça da escritora é o motorista bonachão Ralph, interpretado com doçura por Paul Giamatti. Ainda que Travers se mostre uma pessoa difícil, suas atitudes acabam sendo explicadas pelas viagens ao passado que o roteiro nos propõe.

Dividindo a tela com Emma Thompson está o oscarizado Tom Hanks, interpretando um Walt Disney não tão alegre como podíamos imaginar. Óbvio que uma produção Disney não pintaria seu criador como alguém detestável (ou antissemita e sexista, como Meryl Streep o acusou recentemente), mas Hanks consegue dar humanidade a uma figura que, para muitos, é um verdadeiro mito. Visivelmente irritado por não conseguir transformar Mary Poppins no filme que quer e caprichando no puxa-saquismo para convencer Travers de suas boas intenções, o Disney de Tom Hanks é um bom sujeito, mas com atitudes que o aproximam do homem comum. Aproximam, mas não o transformam, é verdade. Ele é ainda o poderoso chefão, o sujeito que coloca bigodes no protagonista de Mary Poppins por se enxergar no personagem, é a pessoa que tenta de tudo para chegar aos seus objetivos – e que os alcança, haja vista que Travers nunca ficou satisfeita com a adaptação (ainda que o filme doure a pílula e a mostre não tão contrariada assim).

Para o espectador aproveitar melhor a experiência de assistir a Walt nos Bastidores de Mary Poppins, é altamente recomendável que tenha o longa-metragem protagonizado por Julie Andrews e Dick Van Dyke fresco na memória. Desde a trilha sonora, passando pelas conversas nos “bastidores” e desenhos de produção, tudo remete ao filme de 1964. É divertido ver Novak, Schwartzman e Whitford entoando as canções que seriam imortalizadas pelo elenco de Mary Poppins e observar que algumas das ideias que deram tão certo no filme eram incrivelmente rechaçadas por Pamela Travers. A impressionante mistura entre animação e atores de carne-e-osso, por exemplo, foi motivo de brigas entre a escritora e Walt Disney. Na época, revolucionária, a técnica mostrava como os estúdios Disney eram realmente uma fábrica de sonhos.

O problema deste trabalho de John Lee Hancock é não conseguir entreter o espectador com a infância da protagonista tão bem quanto faz quando se atém à pré-produção de Mary Poppins. O filme, não raro, estagna cada vez que volta ao passado, ainda que tenha uma participação interessante de Colin Farrell. Mostrando uma relação afetiva forte entre pai e filha (que Freud muito bem explicaria), a produção tenta esclarecer a gênese dos personagens do livro, assim como as atitudes de Travers. Isso, no entanto, acaba deixando o filme longo demais. Funciona em alguns momentos, mas o recurso poderia ser usado de forma mais pontual. Com direito a imagens de Mary Poppins e a utilização de fotos do elenco original, Walt nos Bastidores de Mary Poppins consegue fazer rir e emociona por se debruçar em um dos filmes mais queridos da história dos estúdios Disney. Atores competentes e uma ótima direção de arte, que nos transporta para os anos 60, são a cereja do bolo em uma produção que tem tudo para entreter os fãs da babá britânica voadora.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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